domingo, 18 de setembro de 2022

Dom Juan da periferia. Completo do inicio ao fim. Essa paródia política fará você se divertir à cada página.

                      


              


O ser humano cria seus conceitos, e ao discutir sobre eles, geram seus preconceitos. Em um mundo moderno, onde valores morais são padronizados por conservadores e refutados pelos liberais, surge então: Ser ou não Ser –Eis a questão. 

Neste meu novo trabalho eu quero tratar deste impasse com imparcialidade e bom humor. Sendo eu autêntico desde o momento em que os meus pais planejavam me trazer ao mundo, eu posso assegurar que serei original na contextualização de minhas ideias que serão expostas ao público masculino, feminina e “masfenino” - é que eu acredito numa terceira via cromossômica. –Assim sendo, meus personagens serão cômicos para abordar este assunto tão sério, porém, o enredo desta minha nova literatura poderá ser engraçado e sarcástico, mas de teor esclarecedor e elucidativo para as infindáveis discussões sobre Ditadura e Democracia, a causa homossexualidade e a heterossexualidade.

 Com narrativa na primeira pessoa, DJ, o Don Juan das mulheres, o malandro das ruas e o rapaz mais engraçado de todos os tempos, se envolve em situações ás quais somente ele consegue se sobressair. Acontece que ele se vê numa situação embaraçosa e muito delicada, quando as namoradas de seus três melhores amigos, pedem a ajuda dele para encontrar seus namorados desaparecidos. Com seu tino investigativo apurado, em poucos minutos ele descobre o paradeiro dos desaparecidos, mas, coisas surpreendentes ele descobre também, em respeito á seus amigos, as garotas e aos pais dos envolvidos neste drama. 

DJ se compromete á dar um desfecho á estas discussões. Para isto, DJ se coloca entre a cruz e a espada por razões de amizade, família e, sobretudo, humanismo.

Embarque nesta paródia  política e divirta-se com o hilariante DJ. 





  

                                       *


Sabe quando você está naquele estado de espírito de quem se sente sozinho, mesmo estando no meio da multidão? Então, esse é o meu caso. Eu já saí por aí tentando me distrair. Andei pela cidade procurando um point pra eu ficar por ali e levantar o meu astral. Encontrei uma choperia, e por lá fiquei sozinho numa mesa para quatro pessoas. Entre um copo e outro de Chopp, eu até fui flertado por algumas garotas e mulheres bonitas, mas o meu único gesto era um arquear de sobrancelhas para elas e entornadas de copos em minha boca. –sem chance, hoje não vai rolar.  Era o que eu fazia transparecer para encerrar os flertes.

De volta á minha casa, eu procurei uma estação de rádio que tivesse uma programação musical ao estilo “Jovem Pânico”, mas eu só consegui sintonizar programação política. Ok, eu voltei cedo para casa. O meu baixo astral me forçou á isso. Em Atrasilia, só se fala de traição entre esquerda e direita. Militares x Burocratas. Elitistas x os da minha classe: - ralé. 

-

Conversa de políticos dá um sono na gente... - bocejando e...   


... Ano 1985


Enquanto eu preparo o rango, vou fazendo uma análise do sistema político da nossa danação. Ontem eu estive no ministério da justiça e me pus á par de como funciona tudo por aqui... Alho, cebolinha. O arroz vai ficar uma delícia. Um bifinho, saladinha. Beleza! As vasilhas estão todas limpas. É isso aí. Mãos á massa... O que era mesmo que estava pensando? Ah! Me Lembrei. O regime militar do nosso país é bem fácil de ser reconhecido por mim, como sendo anarquista, porque está promovendo uma verdadeira baderna em minha cabeça. Eu não sou um extremista radical e nem pretendo ser, ainda mais se tratando de uma causa contra a ordem nacional do meu Atrasil. Mas, eu acho que o regime autocrático enquadraria melhor no sistema de poder Atrasileiro, - eu, somente eu, seria o todo poderoso mediocrático, até ascender-me á autocrático.  Eu não sei pra que tantos militares exercendo o altoritarismo para eleger o presidente e seus assecras para ocuparem seus respectivos cargos até o término longínquo de seus mandatos. A ditadura militar sombreia novas eleições de tempo em tempo para a perpetuação do generalismo. -tudo na suposta legitimidade do poder.  Aí, um general Pinochet da vida, quer dar um jeito de dar cabo ao golpe de estado, a coisa muda de seis para meia dúzia. Se tiver êxito, o golpe, o autoritarismo poderá ser exercido pelo Nasismoro, - se eu não o impedir, em nome do povo Atrasileiro. O filho da mãe será um ditador totalitarista. Ele influênciará á população com suas ideologias nocivas á vida da população. 

Acredito, eu, que, os animais domésticos que ele os usou em suas experiências, foram apenas cobaias de testes para a confirmação dos efeitos mortíferos de sua gestão maligna.  O próximo passo será um genocídio humano. Por que o Adolfo Nasismoro quer chegar ao poder? Para regulamentar a vida das pessoas com suas ideologias inaceitáveis para uma sociedade, livre, igualitária e fraterna. 

Pensando bem, eu vou entrar na política e serei o líder de uma revolução. Convocarei assembleias, montarei um partido, e nomearei alguns comparsas do bem, e, juntos tomaremos o poder. Os meus partidários já são: Jaime, Vinícius, Murilinho, Julinho e Soraia. Deixe-me ver quais mais... Anamara, que será á agente-chefe do meu gabinete. –ela tem forte tedência á ser anarquista, mas também é influente pra caramba! A nossa primeira missão será resgatar os direitos do cidadão e das cidadezinhas. Depois lançaremos no cárcere o genocida Nasismoro. Se o meu pelotão não der conta da missão, eu solicito a presença de alguns soldados parceiros meus da divisão do exército, e infalivelmente resolveremos a situação. Talvez eu convoque os meus parceiros do clube das Mobiletes, eles também são os meus melhores amigos. 

Falei de tantos poderes que me lembrei de uma música. “Histórias mal contadas, mudadas, absurdas”. Tempo em que a nossa música tinha essência, e mandava o cacete nos pilantras do sistema. Realmente essa história está mal contada. Farei com que aquele pilantra escreva reto em linhas de novelos.  Como meu inseparável parceiro para os combates corpo á corpo, eu convocarei o meu truta, Maloca. Nos treinamentos de campo, sempre atuávamos juntos. 

   -Agora eu tenho que mandar água no arroz, senão eu terei de comê-lo frito apenas. –o arroz chiou e a fumaça subiu. A fumaça vai penetrar dentro das narinas do meu vizinho Fumaça. Um pouco do cheiro irá impregnar nos cabelos dele, de pichaim, aí, pronto, eu terei que emprestar o meu banheiro para ele tomar, também.

  -Falando sozinho DJ?

  -Oi Anamara! Eu tava aqui brigando com as panelas. Entre e sente-se aqui. –arredando a cadeira pra vizinha se sentar.

-Umm - puxou o ar. –O cheiro está ótimo. - prendeu os cabelos com uma mão e se aproxima do fogão. 

-Alho e cebola. Esse é o meu segredo. –contei pegando o pano de prato. Não sei pra quê. Nem molhei as mãos.

-DJ - disse ela de olhos bem abertos, se aproximando mais de mim. – O presidente da Repúdia, mandou que eu comparecesse no gabinete dele. –completou me abraçando.

Eu escorri a mão em seus cabelos lisos e em suas costas e sinto o quanto Anamara está feliz. 

-Obrigada DJ. Eu sei que foi você quem deu uma força. Eu queria muito, entrevistar á ela.

Não fui eu. –pensei.

-Agora, senta e me conte como foi.

-Antes, me deixe te falar uma coisa. 

-Vá falando que eu vou preparando a salada. Você vai almoçar comigo. –decretei. –Com certeza nós teremos outro inconvidado.

-Aceito com o maior prazer. Mas, me escuta. Eu vi o Muralha e contei á ele a oportunidade que eu recebi do presidente. Ele quase chorou de alegria, ainda mais quando eu falei que foi você que me indicou. Opresidente Grão Figorredo não tem boas relções com o pessoal da imprensa. 

     Senti uma beliscada de anzol no coração quando ouvi sobre o sobre a atitude do Muralha. fui ao fogão para disfarçar. A nossa reunião realizada ontem foi satisfatória, embora, ainda não tenhamos chegado á consolidação de uma parceria entre os interesses de Jamesan Américo.  As propostas dele não foram claras o suficiente, para me convencer de que sua ideologia faria bem á danação atrasileira. Américo falou muito da tal Democracia. Eu achei que seria a namorada dele, mas não era. Ele quer que eu seja o expoente de um sistema político para o Atrasil, mas para isso eu teria que orquestrar uma revolução em terras Dospiniquins. Prometi pensar á respeito, mas para falar a verdade, a única coisa que eu sei liderar são os campeonatos de corridas de Mobiletes. Eu não me lembro de ter mencionado o nome Anamara G. Lobo na reunião.

-Aí, o Barreira me falou que ele também está muito feliz também.

Agora o anzol fisgou de vez o meu coração.

  -Tudo bem. –me sentei. –Você sabe algo á respeito do que estão desaparecidos?...

  -Eles estão em um lugar no interior de Toiás, por serem ameaças á população. Você tem que falar é com a Edileusa. Ela tem conhecimento do perfil de cada um. 

-Não sei como encontrar essa Edileusa. Depois eu darei um jeito de me encontrar com as namoradas deles. –desliguei a chama do fogão. -Vamos almoçar. Pode se servir primeiro.

-Eu não espero que me chame duas vezes. –levantou-se, pegou o prato e garfo. 

Servindo-se, Anamara não percebeu que eu recebia outro convidado. Se bem que, eu não preciso convidar o Fumaça para uma refeição. Parado na porta, ele aguarda a vez dele. 

-Entra neguinho. Chega junto.

-Valeu DJ, você é meu chegado. Hoje eu vim cerrar a boia, porque o negócio tá brabo. –pegou o prato. Bom de rima e de apetite.

-E ontem, anteontem...

-Foi ainda pior. Mas o cheiro da sua comida, cada vez fica melhor. -Dá licença, Anamara, a fome que eu sinto não sara.

O Pico da neblina foi reproduzido no prato dele.

-Valeu DJ. Tõ indo nessa. As suas panelas ainda sobrou comida á beça. 

-Eu pensei amo você, ao prepará-la.

Saiu levando o prato. Mais um que não será lavado por mim.

Anamara o observou saindo com o prato cheio de comida. Percebi que ela entristeceu-se. Ao sentar-se, Anamara se põe a comer, calada. 

-O que foi, Anamara? – me sentando perguntei.

-Um colega meu, da imprensa, estava redigindo uma crônica que alertava ao governo á respeito do descaso com os pobres. Eles são minora nas escolas e no mercado de trabalho.

-Baseado em estatística, ou ele também tem um vizinho Fila-boia?

-São números Cruzeiros. O fumaça é mais um dos desempregados, por não ter escolaridade suficiente. Nem o ensino fundamental ele tem.

 Mais um motivo pra eu entrar na política e fazer uma verdadeira revolução social. Os pobres terão diplomas acadêmicos ao concluírem o Mobral. Serão contratados para gerentes e executivos de multinacionais, apenas por comprovarem que venderam picolé nas ruas, ou que já carpiram lotes. 

-Complicado. –balbuciei, depois de engolir. -Não existe nenhum projeto social voltado para a causa pobretão analfabeto?

-O governo faz vista grossa. Dados levantados pelo ministério da educação indicam que a principal causa do analfabetismo é a pobreza. 

-A solução seria excluir os brancos e Incluir os negros na rede pública de educação?

-Não DJ. O correto seria erradicar a pobreza extrema. Existem brancos e negros muito pobres. Dar privilégios á negros seria expô-los á condições de raça inferior. Isto é nocivo á sociedade Fragileira.

-Unh, unh – mastigando – Nisso, eu concordo com você. Na verdade, os negros sempre foram desprezados, não por serem os piores, sim, porque no passado eles surpreendiam os brancos, com suas qualidades. Uns antepassados da Fumaça eram hábeis no cultivo da mandioca e conheciam de toda a técnica para tratar a terra e fazê-la produzir bem. Quando eles desembarcaram aqui no Atrasil, chegaram com pompa e boa reputação, mas, uns brancos enciumados e despeitados, os ultrajaram e os fizeram escravos...

-DJ, como você soube disso? –soltou os talhares e cruzou os braços. 

-Foi o Fumaça que me contou essa história, mas eu pensei que ele queria apenas que eu dividisse com ele a mandioca que eu havia fritado para eu a comer na janta.  

-AH, não, DJ. –riu. –Me deixe comer sossegada... dividir a mandioca.

Ela ficou ciscando a comida com as pontas do garfo. Está achando ruim a comida, ou querendo me dar uma má notícia.

-O Vinícius está morando na panificadora. –disse, procurando um guardanapo para limpar a boca.

-Limpo com a toalha da mesa. Eu não tenho aqui em casa essa regalia que você procura.

Usou as pontinhas dos dedos para limpar não sei o quê nos lábios.

-Sobre a mudança do Vinícius para a panificadora, eu acho que é para ele não chegar atrasado ao trabalho. –deduzi.

-Não, não é por isso. È que os pais dele não aceitam o fato de ele ser... você sabe.

-Fora de casa e morando na panificadora é que ele vai queimar rosca com vontade.

-JD, você não leva nada á sério mesmo hein!

-Come aí mulher, e deixe de ser dramática.



                                      *

                                                                   

Tem gente que pensa que eu sou mais bobo do que pareço ser. O indivíduo me ofereceu um preço que não dava nem pra comprar a placa de endereço da casa que a minha vozinha deixou pra mim. -tadinha que Deus á tenha no céu, porque aqui na terra, ela tinha apenas a mim de parente. Mas para mostrar que os bobos também ficam inteligentes quando o assunto é dinheiro, eu fiz á contra proposta e a ofereci por um preço que daria pra comprar a quadra inteira de casas. O mão de vaca pulou igual bode, mas me ofereceu o equivalente que dá pra pagar a minha casa e a do vizinho. Quando eu fechei o negócio pra não haver mais redução do preço do imóvel, o comprador disse que ia levantar á grana e entraria em contato comigo. Dei á ele o telefone da casa do Jaime Américo, só pra dizer que eu não estava muito preocupado com dinheiro. Eu não tenho telefone em minha casa, e se tivesse, lá não tem umas quatro empregadas pra atender ao telefone e dizer: residência do Desembargador Américo. Com quem deseja falar? Só de ouvir essa anunciação, o camarada vai pensar assim: Puta merda! Eu vou fechar logo o negócio por que o dono da casa é rico e não tá nem aí se não vendê-la á mim. Aí ele vai dizer assim: fala para o seu patrão que venha buscar o dinheiro. Eu vou ficar com a casa. A empregada não vai saber do que esse cara tá falando, mas eu vou ficar sabendo, porque eu disse ao Jaime, que se alguém ligar na casa dele falando sobre a compra de um imóvel, me avise por que o vendedor de herança sou eu. Eu não vou mudar da minha vila, pra essa vila aqui de jeito nenhum. Eu fiquei sabendo que tem uns camaradas aqui por nomes de Ratinho, Jacaré, Gambá, Falcão, Calango, e mais alguns bichos doidos. Esses caras são tão muito loucos que qualquer dia, a Avenida do povo, irá se chamar Avenida só deles. De tão brabos que eles são. Mas se eles vacilarem, eu e o Jaime daremos um jeito de armar uma pra eles, e renomear a rua com o nome de: Avenida das gentes boas. Quero vê-los sendo brabos lá no inferno, dividindo espaço com o satanás e sua turma. Depois eu vou dar um jeito de me encontrar com a amiga da minha prima e tentar fazer mais um bom negócio. Em seguida, eu vou me encontrar com os meus amigos. Já estou com saudades deles. 

Dias atrás, eu consegui os números de telefones de umas gatas. Olhando para o céu, dando uma de astrônomo fico pensando que, amanhã será lua cheia, então será a noite ideal para o luau com as naninhas. O Jamesan falou que sou eu quem decide qual será a noite pra gente tomar um banho de lua com as garotas, porque da outra vez foi ele que marcou os esquemas. Jaime Américo tem-se revelado um amerdicano preocupado com o desenvolvimento social e econômico do nosso Atrasil. Eu estou gostando das ideias dele. Mas ainda não entendo como poderemos chegar á um acordo diplomático, quando o acordo exige a mudança de toda uma estrutura política fechada e controlada pelos militares, para um novo sistema ao qual, o povo teria participação na escolha dos seus representantes federais, estaduais e municipais. Eu fico imaginando o quanto a população ganharia ou não ganharia com essa mudança. –apagando pensamento para dar lugar á outro. Estalando os dedos. Entre o próximo, na cachola...

...Só de pensar que naquele dia no Lavajato eu podia estar lá no autódromo fazendo o Pullmam da Mirela andar só com as duas rodas laterais, desbancando aqueles fritadores de pneus que acham que são os poli-positions do circuito e, fazendo a mulherada me carregar no colo... Vou até parar de pensar por que senão quando eu encontrar o Ferrugem, eu vou pôr ele de bandeira de largada da fórmula 01 e passar por cima dele. Brincadeira... Eu gosto daquele cara de bonequinho de cenoura.

Tem que dar certo esse negócio da venda da minha casinha, pra eu poder me casar com a Paola e ter uma vida digna com ela. Mesmo sendo que nós todos iremos morar juntos eu não deixaria que o pai do Carlos arcasse com a obrigação de construir e mobiliar o nosso galpão moradia. É questão de dignidade. O Jaime também não concorda. O Carlos falou que ele estava brincando e que ele também é um cara com sangue nas veias. Aí eu disse á ele que mostrasse á todos que ele é independente, e gastasse o dinheiro da mesada que ele recebe do pai dele com... Antes que eu terminasse de concluir o conselho, eu já tava levando tapas e bicudas no traseiro. Eu ia dizer pra ele comprar um carro do ano para cada casal de noivos e pagasse o combustível pelo o resto de nossas vidas. O problema é que tudo que eu falo, eles levam na brincadeira e o meu lombo é quem sofre. Á cada dia eu fico mais desanimado.

São muitos os fatores que contribuem para o desânimo de um rapaz. Por exemplo, o fator relacionamento afetivo, -esse é um dos piores -, e é o fator x para o meu estado atual.  Soraia me deixou assim. Pensei em tomar um banho e me deitar, mas ainda era cedo. A cama podia esperar até que eu voltasse de madrugada. 

Eu precisava ganhar tempo, mas primeiramente, dinheiro. Lembrei-me do meu amigão bom de grana. Jaime Generoso Américo. Fui até á ele. Quando nos encontramos, damos um toque de mão e um abraço ombro á ombro. Uns passantes ficaram olhando eu e o Jaime se cumprimentando. Uma das primeiras maravilhas da natureza continuava sentada, mas com um sorriso no rosto.

-Deixe-me te apresentar á Maria Eduarda. -ele me pediu para fazer-me o enorme favor. Dei a mão á ela.

-Prazer... Eu sou á Eduarda!

-Imagine o prazer que sinto em conhecer-te, linda! -falei dando um beijinho na mão dela. -Meu nome é DJ. 

Ela sorriu e continuou em pé.

-Você gosta de ler? –perguntou se sentando.

-Esse é o meu hobby. –com classe.

Jaime se sentou também. Eu continuava em pé.

-De qual gênero de leitura você gosta de ler.

-Eu comecei lendo tio patinhas... -ela riu. Jaime continuou sério. –Depois eu passei para um gênero mais simples de leitura... 

-Qual?  -continuava rindo ao perguntar.

-Platão... Machado de Assis, Karl Marx... Agora eu estou lendo Antologia de vidas celebres. Comprei esse jornal pra ver na página cultural o que temos de novidade literária.

Ao me ouvir, a perfeição da beleza feminina arregalou os olhos, admirada. Jaime deu outro toque na minha mão. 

-Esse é o meu amigo DJ. –disse, apontando-me o dedo.

-Eu pensei que você gostasse de jogar bola, ir ao cinema ou passear por aí. Mas eu vejo que você tem um hobby bem bacana.

-Pois é, Maria Eduarda, todas essas coisas comuns eu pratico e qualquer um pode praticá-las tambem. Mas, ler não é pra qualquer um. Tem que ser culto e ter bom gosto. 

-Poxa, gostei! –confessou sorrindo. -Ele vai com a gente Jaime? 

-É claro que vai. 

Eu não sabia para onde a gente ia, mas com o meu amigo Jaime e aquela gata, eu iria á qualquer, depois que eu cumprisse a minha missão.

-Pode crê que vou, mas olha, o lance é sério, Jaime.

-De quanto você precisa. – ao meu pé do ouvido.

-Do suficiente pra eu demorar vir te incomodar de novo.

-Não si preocupe com dinheiro. Só peço á você que pense na proposta que eu te fiz.

-Eu já pensei. E, os meus aliados já estão na linha de frente, mas eu ainda acho que ele estão correndo um risco muito grande, e, eu temo pelas vidas deles. 

-Quem são eles?

-Bom, eu só conheço um deles, mas esse um tem mais dois coligados, e juntos, eles formam o partido dos Ativistas inativos. Renato, Flávio e Diego.

-Tínhamos muitos sonhadores assim lá nos Estranhos Zunidos. E foram por intermédio deles que nós amerdicanos chegamos aonde eu quero que o Atrasil chegue. E você, é a pessoa certa para hastear a bandeira da democracia... você está me ouvindo?

Eu, hipnotizado olhando nos olhos da Eduarda.

-Ah, sim. Chegarmos á desmontocracia...

-Não foi isso que eu falei, mas tudo bem, eu já providenciei para que você reconsiderasse a minha proposta. –enfiando a mão no bolso.



                                   ***


Usando a minha ficha telefônica restante.

-Oi Soraia! Você se lembra da minha voz?

-DJ, é você?

Quando uma garota se lembra da sua voz imediatamente, ou ela ficou afim de você, ou a sua voz é mais marcante do que a do Lombardi.

-Sou eu sim!

-Venha para a panificadora! Estamos esperando por você.

-Já estou indo.

Atendi a solicitação. Quando eu cheguei, elas estavam conversando á respeito de alguém, mas com certeza não falavam de mim. 

-DJ. O que você foi fazer ontem? –Soraia me perguntou com a colherzinha na mão.

-Soraia eu fiz tantas coisas que já nem me lembro mais. –desconversei. -Come aí. Esse pudim deve estar uma delícia.

-A balconista disse que você adora pudim. –Soraia foi enganada pela Soraia.

-Ela perguntou se uma de nós duas quer te...

-Olha lá quem vem chegando Soraia. –cortei a fala da Melissa, mas com razão porque eis que estava entrando na panifichonete, aquela que é a musa inspiradora de um grande amigo meu.

-Cibelle. –disse Soraia, quase gritando.

-Maninha. –Melissa, batendo palminhas.

-Surpresa! Á loirinha é irmã da Cibelle, e a Soraia que por ela eu enchi o tanque da mobilette pra chegar onde eu estou não me disse nada á esse respeito. 

-Oi meninas. Oi DJ.

-Oi Cibelle, que bom que você chegou. –falei me levantando. –Sente-se. –ofereci á ela o assento que eu estava. –Melissa, sente-se aqui do lado de sua irmã e me deixe sentar ao lado da Soraia.

-Obrigada! DJ. – Cibelle agradeceu se sentando.

Eu notei que Soraia deu um empurrãozinho em Melissa e ela foi logo se sentar com a sua maninha.

-Cibelle. Eu já contava com a sua presença, e, por isso eu cedo esse pudim á você. –Menti. Eu odeio pudim. O cheiro do ovo me causa repulsa.

Antes que Melissa pudesse dar mais uma de suas intromissões na conversa alheia, eu resolvi ir ao banheiro, mas não disse a elas onde eu estava indo. Regra número 622: Em uma lanchonete, nunca diga que você vai ao banheiro.

 A Cibelle chegou. Agora a história muda. –converso sozinho dentro do banheiro. Deixe-me anotar na caderneta. Número 01: Estou com Soraia, Cibelle e a Melissa. Número 02. Fazer com que as garotas se distraiam. E eu preciso ser muito cauteloso com a Cibelle principalmente porque ela é conservadora. E não devo usar de malícia com a Melissa por que ela é moralista. Soraia tradicionalista. Já deu pra perceber. Guardo a caderneta, molho a ponta do dedo, passo-o nas sobrancelhas e volto para as garotas.

-Me dê licença. –pediu-me, um rapaz na porta do banheiro. Se eu não saísse logo, ele ia molhar outras partes dele.

-Meninas... Eu estou de volta. –anunciei ainda em pé.

-Senta aqui DJ. 

Mas é claro que eu vou me colar á você Soraia. –pensei. 

-Obrigado pela cortesia. Cada vez eu fico mais feliz por ter conhecido alguém como você. Declamei com a voz parecida á do Cid Moreira. Elas se entreolham. Ou me acharam engraçado, ou então se conscientizaram de que eu não sou um rapaz qualquer. Tentarei descobrir qual das duas opções.

 -Posso te abraçar Soraia?

 -Aí... Na boa! – ela aceitou tirando os cabelos presos detrás das costas, dando lugar pra eu colocar o meu braço direito.

-Vocês dois formam um casal perfeito. – disse Cibelle, pegando um guardanapo.

-Eu nunca encontro alguém pra formar um casal perfeito. – Melissa lamentou fazendo cara triste.

-E o Flávio, Melissa?

-Ah Soraia!... O Flávio só quer... 

-Melissa! Dá um tempo.  Ôh! Melissa não concluiu a fala, mas eu entendi que ela queria dizer que o Flávio só queria dar uns amassos nela. Aproveitei e dei um cheirinho no pescoço de Soraia. Ela pressionou minha cabeça no ombro dela. Cibelle arqueou as sobrancelhas olhando nós dois.

-Então, Soraia, eu estou preocupada com ele. Já era pra ele ter chegado lá em casa.

-Desculpe-me Cibelle, mas, você está preocupada com quem? – perguntei já sabendo de quem se tratava.

-DJ! O Renato ficou de ir à casa da Cibelle depois que ele saísse do trabalho. – disse Soraia. 

-E daí? – perguntei fazendo cara de quem não estava entendendo o motivo da preocupação. Essa expressão me custou ter que desabraçar a Soraia.

-E daí que ele saiu as 4h00min. Do trabalho e foi pra casa do Flávio que já estava com o Diego e, ele me ligou dizendo que já estava vindo á minha casa, e isso já era 4h30min. De repente o Renato não conseguiu falar e o Flávio pegou o telefone e disse que eles chegariam á minha casa em vinte minutos.

-Mas agora que são 7h20min. –respondi olhando no meu bobo.

-Aonde você acha que eles estão DJ? –perguntou-me Soraia segurando a minha mão sobre a minha perna.

Regra número... sei lá: Jamais dedure o cara que você mais admira e os melhores amigos dele. Mesmo que eu soubesse, eu não faria isso.

-Talvez ele fosse comprar alguma coisa pra te levar de presente Cibelle.

-Não DJ. Ele disse que iria me... – ela deixou de dizer o que eu já sabia pela boca do próprio Renato: chamá-la em casamento para enfim, libertá-la do fardo pesado do conservadorismo imposto pelo pai dela.

 O tal Flávio, pelo jeito, só se aproxima de uma garota, com segundas intenções, e como ele sabe que não tem chance nenhuma com a Cibelle por causa do Renato. -pra falar a verdade ninguém tem. Pois bem. Ele deve saber que se a Cibelle não se casar com o Renato, provavelmente ela vire freira e se mudará para um convento. E, sendo assim, ele não vai estar nem aí, ou lá sabe onde, preocupado se ela se zangue com ele. Eu também acho que não haverá problema nenhum se eu der um espetadinha na moral do tal Flávio com as garotas. 

-Cibelle. -falei seriamente. –Melissa, Soraia. –Inclui as duas. –Vocês vão me desculpar, mas o Renato é o cara mais bacana que eu conheço. 

Elas estavam todas atentas ao meu pronunciamento. Dei uma pausa pra ver a reação delas...

-É mesmo. Eu queria ter um namorado igual ao Ren...

-Melissa, cale a boca... Dã! – Soraia de novo, fazendo sinal de abilolada.

-Continue DJ. –disse Cibelle.

-Desculpe-me Melissa, mas o seu namorado não deve ser certo da cabeça, ou então ele é apaixonado pelo Renato. –falei. -Será que ele é homossexual? – perguntei á elas olhando para o Vinícius atendendo um garanhão parecido com o John Travolta no balcão.

-Cós íamos nos casar também. –disse Melissa se levantando e indo até ao garanhão. -Olha ali o Fumaça. –ela avisou e foi-se.

-O Fumaça e a mamãe estão aqui Cibelle. –disse Soraia.

Cibelle não deu muita atenção por que ela queria ouvir o que eu tinha a dizer do Flávio, do tal Diego e do amor da sua vida. Mas eu percebi que o garanhão era o Fumaça.

-Fala DJ. O que o Flávio e o Diego aprontaram com o Renato?

-Cibelle, pelo vistos, eles estavam ansiosos para ir até á casa de vocês e ás chamarem em casamento, só que alguém não concorda com as uniões casamentais entre eles e vocês...

-Olá garotas! –Olá garoto! –cumprimentou-nos uma mulher que parece a Benny Anderson. 

-Olá! – repeti o cumprimento. - Quer se sentar? – perguntei me levantando.

-Não. Obrigada. Nós já estamos indo. –respondeu pegando na mão de Fumaça que já se aproximava de nós.

-E aê DJ... Como é que é rapaz... Firmeza. –falou me estendendo a mão.

-Beleza Brow. –respondi imitando a voz dele.  

-Gostei do “Brow” Mas o novato aqui é você camaradinha. 

-Dei um toque na mão dele. -Pode crê. –consenti. - Aí cumpade, eu pensei que nunca iria encontrar alguém que soubesse que a palavra “Brow” significa novato. –comentei a surpresa. -Mas, essa palavra se escreve com U no final ou com W? –desafiei o Jonh. Soraia me olhou como quem achava que eu forneço mais significado de palavras do que o dicionário.

-Tanto faz, o importante é que nós a entendemos.

-Agora você achou Fumaça. –disse a mulher. -Bom, nós já vamos. Cuide bem da minha filha hein DJ.

A mãe da Soraia me recomendando a cuidar de sua filha! Eu tô podendo mesmo. Olhei para o balcão e vi Soraia me olhando. Flor-de-lis atendia uma cliente entregando a ela um enroladinho. Ela queria um pastelão. Vinícius errou o salgado porque ele estava encarando Fumaça saindo abraçado á mãe da Soraia. Pela a expressão nos olhos da Flor-de-lis, ele estava pensando assim: Ai!  Eu queria estar no lugar dela. – minha opinião livre de qualquer preconceito. Nem com mil cirurgias plásticas, facial e corporal o Vinícius tomaria o lugar da mãe de Soraia. Exploda-se Vinícius!

 Olho para o lado direito do balcão, vejo Paola escrevendo num guardanapo... Ela me olha e faz sinal que é pra mim o bilhete. Eu disfarço e volto a conversar com as duas garotas.

-Então Cibelle... Como eu estava dizendo, esse Flávio não quer que o Renato se case com você e nem com nenhuma outra garota.

-Ah... mas o Flávio é mesmo um canalha. –disse Soraia me abraçando pela cintura.

Cibelle faz cara triste, ajeita os cabelos e não consegue esconder a tristeza.

-Eu quero ir embora. – disse, se levantando.

-Cibelle sente-se aí. –pedi com jeitinho. Ela não me obedeceu.

-Cibelle... Espere. Vamos ouvir o DJ.

Agora, ela se sentou.

-Eu quero dizer a vocês duas... Cadê á Melissa?

-Ela foi embora com a Andreza e o Fumaça. –respondeu Cibelle olhando para os pratinhos vazios. Apenas os olhos dela estavam cheios, mas de tristeza.

Quando você quer desmanchar um plano arquitetado por um riquinho desmiolado que só pensa em dar uns amassas numa gatinha igual á Melissa, você precisa ser um bom estrategista para não deixar ir tudo por água abaixo. Se tudo der certo, eu vou fazer parte do grupo de Renato, e eu confesso que sou o fã número 01 daquele camarada. 

-Eu acho que a gente devia investigar essa situação, por que esse Flávio deve ser meio maluco. 

-Você acha que ele fez alguma coisa de errado com o Renato?

-Cibelle, eu não estou querendo dizer que ele é um psicopata, eu só acho que ele deve ter dado um jeito de impedir o Renato de vir te encontrar. E o Diego também deve está metido nisso. -limpei apenas a barra do Renato.

-Eu concordo com o DJ, Cibelle. 

-Mas o Diego me parece ser um cara tão bacana.

-É Cibelle. Mas por causa do Renato e do Flávio ele faz qualquer coisa.

Isso é que é amigo. Eu estava começando a gostar dos dois caras. Prometo parar de ferrar o Flávio. De agora em diante eu vou dar apenas algumas esporadas nele. 

–Se vocês toparem nós vamos até a casa dele para investigarmos esse sumiço. -sugeri.

-Não gente! Isso é caso de polícia. –Cibelle falou com razão.

O Renato teria que me desculpar, mas pra limpar a barra dos três eu tinha de enfiar á espora nele também.

-Olha garotas... Será caso de polícia se o Renato tiver ido forçado, porque assim fica caracterizado um sequestro, mas se ele foi por vontade própria aí... 

-É verdade Cibelle. –Soraia me apoiou.

-Se o Renato fez uma coisa dessas comigo eu não quero ver a cara dele nunca mais. 

Agora Cibelle não estava triste mais. Ela estava grilada.

 Soraia e eu, ficamos calados enquanto Cibelle juntava os cabelos e os jogavam ás costas. Ela também se calou e nós três ficamos pensando. Eu acariciava o cabelo de Soraia que encostou a cabeça em meu ombro. Cibelle cruzou os braços e balançava as pernas.

-Eu tive uma ideia. Vamos á casa do Flávio. Uma de vocês duas sabe onde ele mora?

-Nós temos o telefone e o endereço dele lá em casa. Mas eu não tenho coragem de sair procurando por eles. -Cibelle disse isso. 

Tava na cara que ela não teria coragem. Ela é muito certinha e pacata. Eu poderia resolver esse caso sozinho, mas eu tenho pena dessas garotas por elas levarem a vida de modo sem graça. A maior aventura delas deve está escrito nos diários delas, e eu até imagino o que seja: Eu hoje puxei o rabo de um gato. Vou dar á elas a chance de experimentarem o meu jeito de viver a vida.

-Cibelle o que você faz na vida além de estudar? – perguntei em forma de desafio.

-Como assim DJ?

-Eu não estou te entendendo DJ.

Primeiro, a Cibelle e depois Soraia, estranharam a minha pergunta.

-É o seguinte, eu acho que vocês precisam de um pouco de emoção. Entende? 

-Elas se entreolham.

-E aí? Vocês topam desvendar esse caso?

-Eu topo. –respondeu Soraia decidida, e em seguida me deu um selinho. Oh Alegria meu! 

-E você Cibelle? Vai ou não vai?  perguntei vendo- a ajeitando os cabelos novamente.

-Tá ok! –suspirou. –Eu vou. -com certeza no suspiro dela saiu toda a adrenalina que tinha acumulada dentro de si a vida inteira.

Cibelle e Soraia dão as mãos uma á outra. Eu escuto Cibelle dizer seja lá o que Deus quiser, e Soraia dizendo apenas... Yes! Quero ouvi-la dizer Yes, é na garupa da minha Mobí.

A primeira parte do sumiço eu já sabia. Tratava de um rapto de menor de idade. Restava descobrir para onde foi que Flávio e Diego levaram o Renato, e, eu acreditava que o Renato não foi por vontade própria.

-Garçonete. –chamei a Soraia.

-Já vou Jotinha! – Vinícius respondeu enxugando as mãos.

Enquanto ele vinha em nossa direção eu pedia a Soraia que pedisse á ele a conta.

-Pronto. Fala. –disse ele com cara de nojo.

-Traz a conta. Por favor! – Soraia pediu.

Dirigi-me ao banheiro... 

Falo sozinho no banheiro. Beleza. Eu teria que proporcionar ás garotas algumas horas de aventuras, mas para isso eu tenho que bancar o Sherlock Holmes. Seria moleza. Dureza seria para minha Mobilette. Á menos que eu arrumasse uma condução maior... Mais uma arrumadinha nas sobrancelhas... O cabelo está bacana... Os dentes, limpos e brancos iguais á chicletinho Trident... Se vire Jotinha, opa! Jotinha o cacete. Fui.

 -Êh, êh... Aí, sai fora maluco. –Intimidei um penetra que queria se sentar do lado da Cibelle. Se ela quisesse eu teria deixado, mas ela pegou na mão da Soraia e as duas já estavam saindo vazadas.

-Qual das duas é a sua namorada? –perguntou- me o penetra com cara de ralo, cheio de espinhas no rosto.

-As duas. –respondi por saber que o prego tinha tipo de estudante colegial que fica o dia inteiro lendo revistas pornográficas.

-Ah, então tá bom. –disse ele convencido de que era verdade.

-Tá bom mesmo prego. E fique sabendo que o meu apelido é martelo. Se eu te der um cascudo, vai doer até a sola do seu pé.

As meninas me esperavam na porta de saída. Soraia me chama e me entrega uma fichinha de caixa e um guardanapo escrito nele alguma coisa. Eu os pego e vou pagar a conta. Entrego a ficha ao atendente do caixa, ele á espeta num espetinho no canto do balcãozinho.

-Vai o troco de bala?

-Manda aí.

O velhaco quase me encheu a mão com balinhas macias. 

Saí da panifichonete.

-Então DJ... Qual é o plano? –quis saber Soraia.

-Por onde nós vamos começar?

-Aí Cibelle... senti firmeza na atitude... O lance é o seguinte. Nós vamos primeiro á casa do Flávio interrogar alguém por lá. 

-Vamos levar a Melissa com a gente.

- É claro Soraia. Ela será muito útil. Mas tem um problema... Como vamos nós quatro? A minha Mobí não comporta todos nós juntos.

-A gente vai de ônibus. – Soraia sugeriu.

-Não. Ele mora muito longe! –Cibelle não quer surrar sua calça jeans.

-Vocês conhecem alguém que tem um carro?-  perguntei deixando elas surpresas.

-Você sabe dirigir DJ?

-Aqui é piloto de fuga Soraia. –gabei-me.

-O que é um piloto de fuga?

-Soraia, você já assistiu 007?

-Lógico.

-Pois então... A partir de agora, se o Renato estiver em apuros, o James Bonde vai parecer piloto de velocípede comparado á mim.

Consegui fazer as duas rirem. Enquanto elas riam, eu conferi o que a Soraia me escreveu... Eu quero que você me deixe em casa hoje. Ás dez horas eu saio. Ass: Soraia. 

-DJ! O que é que você está lendo aí?-quis saber Soraia se aproximando de mim.

Regra número Tal: Nunca mostre pra garota que você sonha em curtir altos lances com ela, que uma balconista gata pra caramba, quer que você á leve á casa dela depois das dez horas do expediente. 

-Só estou conferindo os planos que eu tracei para a nossa investigação. 

-E o carro DJ? A mãe da Cibelle tem um.

-Beleza! Nós precisamos apenas de um mesmo. –falei contente. –Será que ela empresta pra nós Cibelle?- perguntei empurrando meu Veículo vermelhinho. Montei... Dou uma pedalada... Brenhenehnehnen. Pegou.  Se um mosquito assentar em cima do pedal da minha Mobilette, é preciso que eu corra para segurá-la pra evitar que ela saia empinando de uma roda sem mim em cima dela.

-Soraia me abrace... Cibelle, segura em sua amiga e deixe os cabelos voarem. -falei sussurrando. Elas me ouviram. Provando que meu motor não é barulhento. E nem eu.

-Ai! DJ vai devagar hein.

-Que nada Cibelle. Acelera DJ.


   

                                                                               ***


Minutos depois...

-Pare, DJ. Já chegamos. – Soraia avisou. 

Eu acho que a Cibelle veio com os olhos fechados, pois ela nem percebeu que nós passamos uns quinze metros da casa dela.

 -Nossa! Você é louco DJ. -disse Cibelle sem saber que eu e minha Mobilette não temos parafusos soltos.

-Nitroglicerina pura minha filha!

-O que é nitroglicerina?

-Ah, Deixe quieto, Soraia!

Estacionei na calçada e pergunto á Cibelle qual seria o nosso plano para nós conseguirmos o carro emprestado da mãe dela.

-O pior é que a minha mãe não te conhece.

Penso um pouco e...

-Eu vou dizer á ela que eu sou irmão do Renato. Essa vai ser a primeira mentira.

-E a segunda?

-A segunda será surpresa pra vocês. –respondi. –E pra mim também. –pensei. –Vamos lá. – incitei.

-Vê lá o que você vai dizer hein DJ. 

-Não esquenta não Cibelle. 

Tranquilizei as duas. Eu senti que a Soraia pôs fé em mim. Ela me deu outro selinho.

Trennnnnn. Cibelle tocou a campainha.

Uma Quarentona de pele clara, veio nos atender. Só podia ser a mãe da Cibelle. Com todo respeito. Ôh coroa bonita!

-Vocês chegaram cedo meninas. –disse ela, simpaticamente. Abriu o portão e esperou que entrássemos.

-Boa noite senhorita. –bajulei sendo sincero. -Você não me conhece. Sou o DJ. Mas por certo conhece o meu irmão...

-...Renato. Entre. Venha para dentro.

Missão primeira. Comprida. Ela acreditou. Nós entramos e ela me mandou sentar. Já estava me sentando.

-A propósito. Eu sou casada.

–Desculpe-me, senhora, por ter te chamado de linda senhorita.

As meninas riram. A mãe de Cibelle demonstrou que só não havia gostado de ser chamada de senhorita. De linda ela gostou. Percebi pelo sorriso que ela deu. Agora chegou o momento surpresa pra todos.

-Senhora... Antes que você vá para o quarto, eu preciso tratar de um assunto muito sério com a senhora...

-Pode me chamar de “Você”

Se não fosses casada, eu te chamaria de meu amor. –pensei.

-Tudo bem. Então, sem mais conversa longa, eu quero lhe pedir o seu automóvel emprestado para ir buscar um amigo no hospital...

-O seu Felisberto mamãe. – disse Cibelle tornando-se minha cúmplice.

Eu não conhecia esse tal Felisberto, mas, se ela disse “Seu” É porque ele devia ser um velhinho. 

–Então? Você me empresta o seu carro? – perguntei vendo-a indo em direção ao quarto.

-Olha garoto, tome cuidado hein. –orientou-me entregando-me a chave do possante. – Você vai sozinho?

-Não. Sinceramente eu preciso que as suas filhas e até mesmo você se puder, que venha conosco. –arrisquei tudo pra ganhar ¾. Ela não podia vir com a gente. 

Cibelle e Soraia ouviam a minha lorota, abraçadas no sofá. Ôh cumplicidade! 

-Desculpe-me,  mas eu tenho tanto trabalho para resolver e eu vou ficar sozinha aproveitando para analisar algumas propostas, e o carro não caberia todos nós, mas vocês podem ir. Eu vou ficar aqui torcendo por vocês e pelo o professor do Renato. 

-Eu agradeço pelo carro, pelas meninas e muito mais pela sua preocupação e boa vontade.

-Tudo bem! -disse ela, indo para o quarto.

Até me doeu ter que mentir á ela, mas foi por uma causa justa. Sinceramente eu também estou preocupado com o meu amigo e, agora ele é meu irmão.

Soraia fechou as mãos e disse Yes. Cibelle veio em minha direção.

-E a Melissa, Ela vai com a gente ou não?

-Cibelle, se a Melissa ficar, ela porá tudo a perder. Ela tem que ir com a gente é claro! –falei baixinho.

-Então vamos logo. -apressou-nos Soraia.

-Mamãe onde está a Melissa?

-Ela está na casa da Soraia. –Salete respondeu lá do quarto.

-Então nós já vamos. Tchau mamãe.

-Aí passatão AP. 1.8. Hoje você cola o ponteiro danado. –falei. Soraia ouviu e chacoalhou a mão sorrindo para em seguida me dar outro selinho e entrar no possante.

-Cadê a Cibelle? – perguntei á Soraia dentro do carro.

-Ela está ligando pra Melissa. –respondeu ligando o som.

♫ Stay in aliving. Há, há, stay in aliving. Bee Gees. ♫

Cibelle saiu da casa e abriu o portão. Eu liguei o carro e engatei ré.

-DJ. E a Mobilette?

-Pode deixar ela aí fora Cibelle. Ninguém vai roubá-la não. -respondi despreocupado.

Cibelle entrou no carro.

-Pegou o endereço? –  perguntei.

-Está aqui. Pega! –me entregou o papel escrito.

-Aí... O riquinho mora no setor de mansões! Áh moleque! 

Guardei o endereço no bolso da camisa, engatei logo uma segunda e sai mansamente. Eu só engato primeira se for pra subir uma ladeira tipo o morro do Mendanha.

-A gente vai pegar a Melissa aonde? 

-Segue por aí que a gente encontra com ela.

Quarenta metros depois...

-Cadê a mamãe? –perguntou-nos Melissa, se sentando ao lado de Cibelle no banco traseiro. – DJ é você quem vai dirigindo? –Perguntou colocando o rosto entre os bancos da frente.

-Não Melissa. É o Alan Prost Goiano. –Respondi e saí fritando pneus.

-Calma DJ. – alertou-me Soraia, quase rumando á cara no painel.

Eu atendi ao pedido dela porque nós estávamos numa via urbana, mas logo chegaríamos á rodovia, aí a BR 153 ia se tornar pista de autorama. Se a Cibelle não começasse á descabelar atrás de mim.

-Desligue o som Soraia, porque hoje é sábado, e se eu for ao embalo dessa música, nós vamos chegar lá ontem.

-Mas esta música é tema de os embalos de sábado á noite.

-Pois é.

-Deixe ligada gente! Essa música é muito da massa. –Melissa preferiu.

-O que você acha Cibelle? – perguntei.

-Ah pessoal eu não sei de nada. Eu só quero encontrar o Renato.

Eu percebi que ela estava muito triste e isso seria compreensível, eu estava tranquilo porque eu sabia que o Renato estava com os seus melhores amigos. Todavia a minha primeira missão era não deixar que as garotas, principalmente a Cibelle, ficassem ainda mais preocupadas pensando que o garoto da vida dela pudesse estar fugindo de livre e espontânea vontade de um relacionamento sério com ela. Por isso eu achava que o Flávio e o Diego não devia se meter no romance dos dois. Eu não tenho muita experiência com esse negócio de paixão e amor. Mas, eu entendia que o Renato e a Cibelle parecem ter nascidos um para o outro. E por outro lado, eu pensava em Flávio e Diego. Pelo jeito, eles dependiam muito do Renato, assim como o Renato dependia muito deles também. Eu só sabia dizer que, eu queria estar sempre com eles quando nós nos encontrássemos.

-O que foi DJ? Por que você está tão calado? –perguntou-me Soraia segurando minha mão sobre o câmbio de marchas.

-È porque esses pés de plumas aí na frente não abrem espaço pra eu ultrapassá-los e fazê-los engolirem fumaça... Aí... Abriu. Já eram, suas tartarugas de bengalas. –coloquei a cabeça pra fora e gritei. – Vummm.

Depois de algumas ultrapassagens seguras, eu dei uma maneirada pra fazer a rótula depois de abandonar a BR. Faço meio círculo e estaciono no posto de gasolina.

-O que foi? Acabou a gasolina DJ? –Soraia perguntou olhando no para os ponteiros do painel como que conhecesse o ponteiro marcador de combustível.

 -Não. Eu vou fazer umas ligações lá na casa do Flávio. Vocês fiquem aí dentro. -dei a ordem já descendo do carro.

Sigo ao telefone público sem nenhuma ficha telefônica pra ligar, mas isso faz parte do plano. Vejo uma morena de minissaia preta e bustiezinho que mais parece um sutiã. Ela passou por mim rebolando mais que a Pantera Cor-de-rosa. Nem me deu ousadia. Foi direto a um caminhão parado no pátio do posto. Prefiro a Heavy-Metal. Pensava eu enquanto caminhava rumo ao orelhudo.

Disco o número do telefone sem depositar fichar e sem ligar a cobrar. Na primeira ligação alguém atendeu. Na segunda também. Na terceira, idem. Em todas, as ligações caíram. Isso também fazia parte do plano. Boto o telefone do gancho novamente e volto para o carro. Enquanto isso eu procuro a morena. Quase vejo a cor da roupa intima dela na hora que ela subia na cabine do caminhão. Espero que o caminhoneiro tenha preservativo.

Entro no carro. 

-É isso aí. Vamos nessa. –falei ligando o motor.

-Pra quem você foi ligar DJ? –quis saber Cibelle.

-Quando chegarmos lá, vocês três ficarão sabendo.

-A maninha e a Cibelle disseram que você á meio maluco. Mas é um cara bacana.

-Só três quartos e meio de maluquice. E olha que eu estou usando três quarto de sanidade por causa de vocês. –falei e saí fritando os paralelepípedos do calçamento do posto. O frentista só ergueu o boné.



                                                                              ***


Minutos mais...

-Estamos chegando, DJ? –Cibelle olhando pelo o vidro.

-Chegamos. Olha aí o tamanho da placa de endereço. Parece o placar do Serra dourada.

-E agora? O que a gente vai fazer DJ? –perguntou-me Melissa.

-Melissa, você vem comigo. Só você. Eu quero apenas que você chore.

-Por que só ela DJ?

-Não fica com ciúme não, minha linda. –Dou um selinho na Soraia e digo: -Isso também faz parte do plano. Desce Melissa. Vocês duas fiquem agachadas aí.

-Ai DJ, Espera!

-Chega aqui... É o seguinte. O Flávio me falou que a empregada é muito inteligente e o nome dela é Edileusa. –menti. Quem me falou foi o Renato. –Então eu toco a campainha, e quando ela atender você fará a sua parte. 

Passei a fala pra ela, e ela me garantiu que havia entendido.

Dim. Dom.

-Pronto. Quem é?

-Edileusa. Sou eu... A namorada do Flávio. Abre o portão, eu preciso falar com o pai dele. –em desespero.

Prênnn. O portão se abriu... A porta da entrada da casa se abriu também.

-O quê que foi menina. – Edileusa perguntou ainda mais apavorada.

Agora o ator DJ Bauduetto, entra em cena.  

-Se acalma Melissa. –acalentando-a em meus braços. –Eles estão bem. Não precisa ficar desse jeito.

-Óh, minha nossa! O que aconteceu?

-Traz água com açúcar para ela, Edileusa.

-Venham, entrem. –convidou-nos indo a nossa frente apressada

-Fique tranquila Melissa. Eles estão bem. -continue assim. Você vai ganhar o óscar. – cochichei ao ouvido dela.

-Não DJ... Eles foram sequestrados. Aiiiiii meu Deus do céu!

Edileusa escutou e quis voltar para consolar a jovem atriz, mas resolveu ir preparar a água doce. Nós entramos na casa, e, que casa. Só a sala de jantar é do tamanho do refeitório de um presídio. Eu e Melissa fomos atrás de Edileusa até a cozinha.  Escutei o barulhinho da colherzinha tocando as laterais do copo.

-Pronto. Bebe Melissa. Se acalme garotinha. –disse carinhosamente, afagando os cabelos de Melissa.

 Eu sentia-me um ator coadjuvante diante de tanto talento.

-Ela está muito abalada, Edileusa. –com a minha voz parecendo a do Tarcísio Meira.

-Vem meu bem. –Edileusa, abraçando Melissa sobre os ombros e segurando o braço dela. –O que está acontecendo. –Edileusa Interrogou sentando Melissa numa cadeira ao redor de uma mesa do tamanho de um heliponto.

Melissa debruçou-se sobre a mesa. Eu chamo Edileusa para perto da pia da cozinha. Se a pia estivesse cheia dágua ficaria parecido com uma banheira Jacuzzi, de tão grande que é. Edileusa abandonou Melissa e vem até á mim.

-Olha Edileusa, eu sempre falo para o meu irmão parar de ficar andando com o Flávio, Porque o Flávio, qualquer pessoa que o vê, diz que ele é um filhinho de rico. 

Comecei o meu teatro vendo Edileusa girando a cabeça igual coruja prestando atenção em mim e na atriz de dramalhão mexicano. Arriba! Melissa. Pensei em dar o famoso grito de ”los Panchos”

-O que está acontecendo? –desespero, vindo dela.

-Acontece que hoje eles viram o resultado de minhas previsões.

 -O que foi que aconteceu?

-Um bandido ligou dizendo que sequestrou os três, e agora, eles querem o resgate. O pai do Flávio vai ter que desembolsar a grana.

-Não é possível. O pai do Flávio estava com eles no gabinete.

Dessa eu não sabia. Isso não estava no meu script. –pensei. 

–Mas foi isso que o sequestrador disse ao telefone. –falei por não ter o que dizer sobre o bonachão.

-Vocês estão de brincadeira, não estão?

E agora?

-Então eu vou chamar a mãe da Melissa pra vir conversar com você.

-Onde a mãe dela está? 

-Está lá dentro do carro, pronta pra entrar aqui e quebrar tudo. Ela só não entrou porque a Cibelle está desmaiada no colo dela. Não é nem por causa do Renato, por que ela nem gosta dele, porque ela sabe que ele é um tremendo de um picareta. –falei. -Aí Renato, foi mal. – pensei. –Se você não quiser falar com a mãe da Melissa, você espera que, o sequestrador irá ligar aqui. Mas se o pai do Flávio estiver com eles, ele não liga aqui não. –Joguei a ultima carta.

Se ela for ao carro conferir, tomara que a Cibelle e a Soraia estejam deitadinhas, que aí eu digo que as duas desmaiaram. 

Edileusa soltou os cabelos, depois os prendeu novamente e nada de ir em direção a porta. Ela estava caindo. 

-Alguém ligou aqui três vezes, ainda á pouco. –disse, lavando as mãos que nem sujas estavam. Apenas suadas pela tensão do momento.

-Vamos embora DJ. –Melissa, se descabelando e batendo os pés. Só falta ela molhar a madeira da mesa com as lagrimas, para ela ganhar o papel principal em tragicomédias.

-Olha... ôh...

-DJ. Meu nome é DJ.

-Então, eu vou falar o que aconteceu...

Edileusa delatou ao meu pé do ouvido, o plano arquitetado para tirá-los de cena. Terei que ser bom ator para interpretar o papel de um personagem compreensível.

-Vocês podem ficar tranquilos. Esse negócio de sequestradores são eles querendo fazer suspense e assustar á gente. Logo ele liga para mim, dizendo que passou um trote em vocês.

-Você quer dizer isso a mãe da Melissa?

-Eu quero minha mãe. –Melissa dramatizou com a cabeça sobre os braços em cima da mesa. 

-Vai TJ...

Ela errou meu nome.

-DJ. –a fiz recordar.

-Desculpe-me! Vai. Leva ela. E saiba que eu não fiz isso por mal.

Olho no rosto bonito dela e sinto que ela está quase implorando para eu não entregá-la a polícia pelo crime de rapto de menores, que ela não o cometeu. Mas foi cúmplice. 

Com compreensão eu consegui tirar a aflição do semblante da empregada. Em mim permanecia a tristeza e a revolta. Com Edileusa e as garotas, eu conseguiria disfarçar, porém, eu ia cobrar de quem fosse preciso, por aquele ato de desumanidade para com o meu amigo Renato e seus amigos. A partir de então, todos eles seriam os meus melhores amigos, e, eu lutaria pela liberdade deles.

-Tá ok!  Nós já vamos embora. Se você quiser nos acompanhar até ao portão e aproveitar para falar com mãe da Melissa...

-Não. Agora sou eu que estou abalada. –disse ela, lavando as mãos novamente. 

Olhei para a mesa, a Melissa já havia saído de cena. Com certeza ela já estava dentro do carro afundando o assoalho de tanto sapatear batendo palminhas, aplaudindo a si mesma pela encenação melodramática que ela protagonizou dentro da cozinha que mais se parece o estúdio de Hollywood. Melissa mereceu uma ponta numa novela. Daria ibope.

-Tchau Edileusa! Deixa que, eu, fecho o portão. –eu estava chocado.

-Tá bom! Tchau JT...

- DJ. Mas que coisa!... Edileusa, você toca piano e canta também?

-Sim. Inclusive eu estava ensaiando quando vocês chegaram.

-Você sabia que há males que vem para o bem? Eu procuro uma parceira que saiba tocar piano, pra eu e ela fazermos um teste numa audição musical, Que vai haver no centro de convenções.

-Você toca igual ao seu irmão Renato?

-A única coisa que eu toco Edileusa, é a vida pra frente, mas eu sigo a vida cantando.

-Eu soube desse teste de audição, mas eu não sou muito boa com a voz.

-Se for pra eu cantar ao seu lado, eu dou uma de ventríloquo e faço a sua parte também. Eu te dou um tempo pra pensar. Eu tenho o seu telefone e sei onde você mora. Eu só preciso que você diga sim.

Quando uma garota não está disposta a conversar por causa da tensão do momento, eu sempre ponho palavras na boca dela. Se bem que eu queria era pôr a minha boca na...

-Sim DJ.  Me ligue qualquer dia para marcar.

-Edileusa eu confesso á você que estou muito feliz pelo sim, e por você ter acertado o meu nome dessa vez. Depois eu te ligo... As garo... A Cibelle e a mãe dela me esperam. Tchau.

Ela sorriu e fechou a porta.

Experiência número 4.000: Quando uma mulher sorri pra você com uma mão na maçaneta e com a outra alisando a madeira da porta, e ainda por cima leva uns dez segundos te olhando sair, é porque ela te achou interessante, mas pode ser também, porque a porta da mansão é a réplica da porta da catedral católica... Hun, não sei não... uma empregada doméstica numa casa do tamanho da Casa Branca do tio San, não teria tempo para tocar piano.

Se as garotas souberem que eles estão em situação de isolamento, elas irão cair em depressão. 

Caramba. Que situação! 

Entrei no carro.

-Aí... -falei fechando a porta. –Que tal a gente aproveitar o carango e dar umas voltas nuns lugares bacanas?

-Vamos! –Melissa, batendo palminhas.

-Eu topo. Yes. –Soraia.

-Vocês só podem estar ficando malucos.

-Eu tô brincando Cibelle. Aqui é responsa. 


                                                                            ***


A Melissa não escutou o relatório que a Edileusa me passou sobre o isolamento dos meus amigos. Então eu disse a elas que eles foram levados, pelo pai do Flávio, até á uma cidade interiorana, para se alistarem ao exército no sábado, por que sendo no interior e no final de semana, seria mais fácil para eles não serem recrutados. Elas não podem saber da verdade ainda. As minhas mentirinhas não prejudicam á ninguém. Nem pra ferrar um pilantra eu seria capaz de mentir, mas para ajudar os meus amigos, o Pinóquio vira santo perto de mim.

-DJ, por que o Renato nunca contou pra gente como você vive a vida. –Quis saber Soraia.

-Por que a minha história sou eu mesmo que conto. Pra ninguém aumentar um uma vírgula e nem um ponto. Tudo que eu falo de mim é a mais pura verdade.

-Pelo que a gente viu. Eu não duvido nada. –disse Soraia me dando um beijinho no pé da orelha.

-Eu só não acredito que você tenha entrado nos quintais dos outros pra roubar coco. Você não leva jeito pra ladrão. - Cibelle foi boazinha comigo.

-Você era ladrão DJ?

-Não Melissa meu amorzinho! -apertando as bochechas dela só pra vê-la fazer beicinho. A Soraia quase arrancou uma lasca da minha costela. –Quando eu invadia os quintais nos setores nobres de Atrasília, eu fazia só por aventura. Eu podia ver uma carteira cheia de dinheiro ou qualquer coisa valiosa que eu não pegava. O bom era dar uma de macaco e subir no pé de coco, mais veloz que um mico estrela.

-Por falar em macacos. Você já foi ao zoológico? – Cibelle quer saber.

Soraia pareceu ter gostado da pergunta, porque ela grudou em mim igual á Jana faz com o Tarzan. Só faltou o cipó, mas ganhei outro beijinho e uma coladinha de rosto, dela.

-Eu fui, mas já faz quase um ano... Só que eu não quero mais ir ver os animais presos.

-Por quê? –Melissa perguntou.

-Para Soraia! –Ordenou Cibelle vendo Soraia mordendo o meu pescoço, me impedindo de responder.

-Deixa Cibelle. É melhor eu sentir cócegas feitas pela Soraia do que sentir o que eu senti na última vez que eu fui ao zoológico.

-O que você sentiu? Fala, fala! –Melissa bateu a milésima palminha da noite.

-Eu senti a pior coceira da minha vida.

-Por quê? –Cibelle perguntou, rindo.

-Fomos eu e uns amigos meu no confinamento dos coitados animais. Só que nós encontramos algumas... Posso falar Soraia?

-Pode. –consentiu, me soltando para apertar a liga nos cabelos.

-Então. Aí nos encontramos algumas gatinhas por lá. E como eu não sou trocha, eu percebi que elas estavam lá somente pra ver o bicho homem...

-DJ! Eu pensei que você me perguntou se podia falar era por que eu estava beijando seu rosto. Mas você quer falar é das garotas. Pode parar.

-Espera! Acalme-se! Deixe-me terminar. Eu vou continuar Soraia... Vem aqui! –Chamei puxando-a pelo braço. Ela firmou o corpo e nem saiu do lugar.

Regra número tal: Quando á garota que você está gostando que ela fique atrás de você te dando afeto e calor humano, não está gostando do começo da sua história, mude o rumo da história para não ter que ver essa garota mudando de lugar deixando seu rosto sem beijinhos e suas costas sem agasalho.

-Aí. As meninas apareceram, e cada um dos meus colegas conseguiu paquerar uma delas, só me sobrou uma que quando eu á vi, eu pensei que á girafa havia escapulido do cercado dela e veio me dar ás boas vindas... - Soraia agora está de braços Cruzeiros, em pé, só que, entre as minhas pernas. – Então. Aí eu fingi que tinha caído pó de mico em minhas costas e vazei para o lago e fui banhar com roupa e tudo.

Se a Soraia soubesse que naquele dia eu fiz passeio romântico navegando num pato canoa no lago das rosas com uma garota que parece a Bruna Lombardi quando era moça, quem estaria abraçando o meu pescoço agora era o guidão da minha Mobilete, ao invés da Soraia.

 -Ôpa! Você me derruba Soraia.

Ganhei outro beijinho, mas a Mobilete quase ralou a pintura no muro.

As três garotas ficaram admiradas por eu estar contando á elas um pouquinho só das minhas aventuras. A reação da Cibelle foi pura e simplesmente ajeitar os cabelos detrás das orelhas, e depois colocou as mãos no rosto e disse: meu Deus! Você é maluco DJ.

A Soraia disse que vai me apresentar a algumas de suas, outras amigas que ficam se gabando por simplesmente engaruparem nas motos de seus namorados e grudarem nas cinturas deles pra eles empinar de uma Rena por Quarenta metros apenas.

A Melissa não disse nada, mas eu á escutei batendo palminhas e sapateando pela milésima segunda vez.

Com certeza ela vai parar de assistir. E o vento levou, pra sentir o vento jogando os cabelos louros dela pra trás, estando ela sentada na garupa da minha Mobí.

Por falar em Mobí. Eu estou escorado ao banco da minha vermelhinha e á veroniquinha está abraçadinha á mim, escoradinha nas minhas perninhas.  

-E namorada, você tem? 

Regra número 1000l: Nunca diga á uma garota que a sua lista com os nomes das garotas que você já beijou, está no segundo caderno de vinte matérias.

-Não Soraia. Infelizmente eu não dou sorte com as garotas. – menti, para não ser comparado com o Zé bonitinho. Se eu e ele estivéssemos numa praça cheia de mulheres, só sobraria mandioquetes pra ele.

-Conta outra DJ. Vocês acreditam meninas?

-Ele não tem porque não quer. –Melissa acreditou.

-Tomara que o Renato não se junte á você. –Cibelle não acreditou e ainda me rogou uma praga. 

-Aí. Que tal vocês me contarem da vida de vocês. –Sugeri dando três balinhas para cada uma delas. Ainda me sobrou quase um pacote no bolso da minha calça jeans. Quando eu voltar á panifichonete eu vou tomar um lanche e pagar com as balinhas que o cara do caixa me deu de troco. Pagarei com a mesma moeda.

De repente nos aprece uma linda mulher. Meu Deus quem será essa deusa grega de pele clara, cabelos na altura dos ombros, olhos claros, lábios convidativos á beijos degustativos?

Se ela não tivesse uns quarenta anos, eu diria que é a mãe da Cibelle. Se for verdade, o Renato está bom de namorada e de sogra. Espere aí... Ela é a Salete mesmo. 

-Meninas! – Disse Salete se aproximando. –advinha quem está chegando?

-O Renato mamãe! –Exclamou Cibelle apaixonada.

Dava pra sentir o coração dela mais acelerado do que turbina de avião de caça da Aeronáutica.

-São eles mãezinha? –Perguntou Melissa colocando a balinha na boca.

Eu ouvi o estalo da balinha sendo quebrada pelos dentes da Melissa. Eu acho que ela não tá nada bem com o Flávio. Ou então quer dar umas voltas comigo na Mobí envenenada.

-Pelo jeito não são eles não. Né Salete. – Soraia deduziu. Ela foi a mais perspicaz, porque quando á Cibelle perguntou se era o Renato, Salete fez cara de que ela não havia acertado.  Só a Melissa foi quem não percebeu quando a Salete abraçou as duas e entre elas, balançou a cabeça demonstrando que não era o Renato e seus amigos.

-Me deixe adivinhar. –Pedi olhando Salete toda produzida com um vestido vermelho de decote em V que dava pra “ver” um pouquinho do quanto ela sabe ser sensual. E um ventinho causado por um carro que passou á uns oitenta por hora na avenida, trouxe o cheiro do perfume que ela está usando.  Coisa boa é ter nariz e olhos. –Pensei.

-Vai DJ. Chuta. –Ela me desafiou ajeitando o vestido nos ombros.

-Ôh marido de sorte! –Pensei. –Como é o nome do seu esposo. – perguntei.

-Você acertou. É ele mesmo.

Eu nem tinha dito o nome do sortudo.

-É sério mamãe? –perguntou Cibelle.

-Você está brincando mamãe. –Disse Melissa com ar de decepção.

-Ih! –Exclamou Soraia me dando um cheirinho no meu cangote, escondendo o rosto.

 -Sim filhas! –ela á elas. –O nome dele é Adolfo Nasismoro. –disse á mim.

-Adolfo Nasismoro, o ex-síndico, e agora pré-candidato á presidente? – perguntei não acreditando que aquela linda mulher é casada com um sem vergonha, safado, pilantra e todos os adjetivos que possam representar um mal sujeito como aquele... Eu vou até parar de pensar naquele indivíduo, porque senão, até os ancestrais dele vão sofrer a minha cólera por ter dado origem àquele... Estrume. 

-Que bom! Mas isso quer dizer que eu estou indo embora. –falei.

-Não DJ! Fique pra você conhecer ele melhor. –Salete me fez essa proposta sem graça.

As três garotas me deixou sozinho com Salete. Ô falta de respeito! Só as perdoo por que elas não sabem quem é a coisa ruim que está chegando. 

-Olha Salete, eu te agradeço muito por tudo, mas eu tenho que ir embora.

-Que pena DJ! As meninas gostariam tanto que você ficasse, e eu também gostaria que você conhecesse melhor o meu marido.

-Acontece que a minha Mobilette está com o farol queimado e já é noite.

-Mas agora que são oito horas. –Me informou olhando no seu reloginho dourado.

Só não desejei ser o marido dela porque eu não levo jeito pra canalha, mas ao ouvir Salete me pedindo pra ficar, eu quis ter o que ele tem em sua casa. 

-Façamos o seguinte, Salete.  Qualquer dia eu venho aqui com o Renato e os nossos colegas. 

-Eu já estou com saudades dele. Traz ele aqui amanhã mesmo. Eu quero saber o que ele acha do Adolfo Nasismoro.

-Amanhã á essa hora a gente vem.

-Combinado! –me dando a mão. - Você vai lá dentro se despedir das meninas? –recolhendo a mão para ajeitar o vestido no ombro esquerdo. –Ficou bom em mim esse vestido? –pondo a mão na cintura.

Pensando: Que rebolado.., Ah sim... o Vestido ficou feio, comparado a sua beleza. Continuava pensando.

 -Sim, você ficou muito bonita. –falei.

-Obrigada! Vamos entrar. –vendo a minha babação.

Confesso que estou encantado com essa mulher, mas ela é casada. Mal casada, mas é.

-Não. Daqui mesmo eu vou embora.  Diga á elas que esse pedaço de noite foi maravilhoso.

-Tudo bem. Eu falo.

-Tchau Salete. Tô indo nessa. Brênhenhenhen.

 Minha Mobilette sentiu o peso da minha ira por que, eu dei apenas meio pedalada.

-Tchau rapaz. –Me acenou com a mão.

É Renato! Cuida-se amigo por que gente que não presta não gosta de gente bacana.

Eu só não sei como a Salete e as garotas não sabem sobre aquele sacana. Mas também a distância maior que essas garotas devem ter percorrido, foi da maternidade onde elas nasceram até ao bercinho em suas casas. Bilu, bilu. Tetéia.

Ele e o pai falecido dele vão pagar tão caro pelo que os dois fizeram no passado distante e recente, que, até os futuros pais nem terão coragem de registrar seus filhos com esses nomes para não contraírem dívidas comigo. Agora eu já sei quem é que está por trás do plano para isolarem o Renato Líber, Flávio Iguald e Diego Frater. Adolfo Nasismoro, não quer que as meninas namorem e casem com os meus amigos. Ele já está preparando o golpe para desarticular os avanços do desenvolvimento democrático da nossa danação. 

Liberdade, Igualdade e Fraternidade. –grito em pensamento e empino a roda da minha Mobí.

Opa! Acabou o Tínner. Terei que empurrar.  


                                                                                 *


Eu tinha que encontrar um meio, legal, para ter os meus amigos de volta. Destrinchei os códigos da Constituição fragileira que ainda eram frescos, mas esquecidos pelos formuladores de leis inoperantes no meu Atrasil varonil. Encontrei uma brecha na lei de defesa do cidadão, mas infelizmente, os direitos dos cidadãos comuns ainda não vigoravam na nossa bendita república, que, ironicamente eu não podia compreendê-la como sendo “Coisa de todos”.

Fui ás pressas á Assembleia legislativa de Atrasília, para ver se eu encontrava algum figurão influente e gabaritado para apoiar a minha causa. Foi em vão. Todos os magistrados se negaram á me ajudar, por temerem os laços largos da ditadura, que, nos porões do militarismo os ameaçavam envolvê-los em suas amarras. 

Imaginei que eu pudesse contar com a complacência de alguns executivos que frequentam o centrão, mas, para eles, os meus amigos representavam riscos á suas ideologias conservadoras que só favorecem ás elites da sociedade.   

Então eu decidi que, eu, Divino Justino, seria aquele que enfrentaria tudo e todos que tentasse me impedir de ter ao meu lado, Renato Líber. Flávio Iguald. E Diego Frater. Em nome da justiça, do progresso e do desenvolvimento humano da danação Fragileira. 

É isso aí. Ficou legal o meu discurso de companha contra os opressores, que aplicam suas regas de moral e conduta á população. Dos meus três amigos, um é meigo e singelo, este é o Diego. O outro é humanista e sociável, este é o Flávio. O outro é um livre pensador, este é o Renato. Todos foram perseguidos e isolados. 

Não existe assédio que eu não consiga resistir, quando eu tenho algo mais importante para resolver. A Anamara, gatíssima, sexy, que por mim tem tara insana, foi á minha casa logo de manhã, vestida em lingerie transparente e me perguntou se eu gostava da cor do conjunto da obra. Eu estava no sofá traçando a minha estratégia de combate. 

-Eu gosto do enchimento douradinho de sua tanguinha, e desses botõezinhos amendoados no centro das cópulas do seu sutiã. –foi o que eu respondi á ela.

 -Então, os apreciem sem moderação. –Anamara sugeriu, saliente e se jogando em cima de mim. Sabe quem quer dividir a mandioca hoje? 

-Cuide da casa por mim, e, assim que eu voltar, eu te recompensarei. –sai ás pressas.

Abasteci o meu estômago com arroz, feijoada e farofinha de carne seca, e enquanto isso eu aproveitava para rever os meus planos de ação, na mesa do restaurante. Sodoma e Gomorra. Moisés e Paulo de Tarso. Só não me lembrava dos nomes dos livros e números de capítulos. No estômago da minha Mobilete, eu coloquei um litro de Tínner, porque a minha grana está regrada. Mera precaução. A correria será intensa e a batalha muito árdua. Portanto, toda economia será necessária. A minha parceira de todas as horas não reclamou da alimentação do dia. Na primeira pedalada ela mostrou que estava satisfeita com o diluente adicionado em suas entranhas mecânicas. Pelas ruas, garotas e mulheres solteiras tentavam impedir o meu avanço rumo ao meu primeiro confronto que será com, o padre Omíssio. Por isso eu pedia á todas elas que torcessem, rezassem e orassem pela minha vitória. Parado no sinal vermelho, fui logo sendo abordado por mais algumas fãs.

-DJ, me leve pra dar uma volta com você em sua Novilete!

-Outra hora, minha gatinha.

-Ah, magoei!

-E eu, DJ, você me busca na faculdade hoje á noite? 

-Se eu sobreviver á essa guerra eu te levarei e buscarei todas as noites.

-Credo, DJ. Você assusta a gente.

-Tá podendo, hem rapaz. –disse-me um condutor de um automóvel, do meu lado. 

De repente, dou uma torcidinha no corpo para a esquerda, e vejo uma porção de garotas correndo em minha direção. Acelero preparando para a arrancada. Os duas que querem que eu seja o chofer delas, seguram, uma no guidão e outra na garupa da Mobí. 

-Meninas, eu voltarei. –sinal abriu... fui.  Pelo retrovisor microscópico da minha Mobí eu via as duas garotas se engalfinhando na pista por minha causa. A disputa entre as duas será desnecessária, pois eu sou de todas elas.

Não existe distância capaz de fazer a minha vermelhinha pedir arrego. Cortei bairros e mais bairro, para chegar à Rua 10 no centro de Atrasília, onde o padre Omíssio tem sua paróquia sede. Meus passos seguem fazendo ecos pelo salão gigante da catedral. Algumas irmãs com ares de piedade, - para com elas mesmas -, me olham de cima á baixo, e arranham as gargantas, fechando os olhos em seguida. Eu respeito a casa de Deus e de todos os santos, por isso, continuei andando lentamente, e quase com as pontinhas dos pés. Se algumas das irmãs abrissem os olhos e me vissem, acharia que eu era um gatuno querendo roubar do altar algum objeto sagrado. 

É enigmático o poder que emana do interior de uma igreja. É como, que, ao entrar porta adentro você fosse invadido por um sentimento de culpa por todos os seus atos errados cometidos conscientemente, e até por aqueles que você não faz ideia de tê-los cometido.  Então a gente sente-se acusado por simplesmente existir. 

Um serviçal menor de idade, vestido como um pastor de ovelhas, lustra os candelabros com esmero e toda a paciência do mundo, em ritmo do cântico Ave-Maria em Poco-hall. 

 ‘Em nome del padre e del ispiriti santi” escutei a voz ecoar. Olho as irmãs e... –Amen. –ouvi elas dizer em uma só voz. Fizeram o sinal da cruz, de olhos em mim.

 -Aonde eu encontro o seu chefe Omíssio? –perguntei ao lustrador de objetos já lustrados. Ele apenas fez sinal indicando a direção. Eu nunca ouvi a voz desses secretários soarem dentro de uma igreja. Eles, sempre, apenas entregam as indumentárias usadas nas missas aos padres.

Segui pelo caminho indicado pelo adolescente sacristão e me deparei entre paredes e um corredor estreito. No final do beco avistei um caixote na vertical onde uma luz clareia vinda não sei de onde. –è lá o confessódromo.

Penso: o que eu fiz de certo nessa minha vida? Eu não quero tomar muito do tempo sagrado da autoridade que está dentro daquele caixote apertado.

Cheguei sem ter me recordado de nada bom que eu houvesse feito nessa minha vida. E, eu prefiro ser pouco falador e verdadeiro, do que um conversador mentiroso. –pra falar a verdade, ô lugarzinho fedorento é esse aqui. Por isso foi colocado na porta de saída.

-À minha bênção seu padre. –pedi, chegando a cara na aberturinha gradeada. Meu nariz tentou se mudar para a minha nuca. Não conseguiu porque os meus dedos, indicador e polegar o impediu de vazar do seu lugar de origem.     

-Abençoado seja, excomungado. Tens observados os preceitos da eucaristia?

Não deus para eu entender direito o que ele me disse, porque eu sou do tipo ouvinte visual. Para que eu capte o que me é dito, preciso olhar no rosto do meu interlocutor. No momento da fala do padre eu estava tentando afastar a inhaca fedorenta que invadia as minhas narinas. Mas, eu arriscarei uma resposta equivalente ao que ouvi.

-Sim, padre. Eu tenho sentido os efeitos da carestia. A minha mobilete tem funcionado á poder de milagre da multiplicação do combustível, e...

-Você veio confessar seus pecados, infiliz?

-Eu já os confessei ao chefe maior. Eu preciso da sua ajuda. Três amigos meus foram mandados para um campo de reclusão, acusados de aspirarem más influências na sociedade.

-Quem são eles, indivíduo?

-Renato Líber, Flávio Iguald e Diego Frater.

-Sim, eu já fui informado sobre o desaparecimento destes três jovens, e até intercedi pela libertação deles, mas infelizmente, a Santíssima Igreja rompeu com o estado no século XIX.

Hipócrita. De tanto pecado acumulado dentro do caixote, o mal cheiro faz-se pior que enxofre. Isto quer dizer que ele lavou as mãos, feito Pilatos. Lavar as mãos, para mim, significa transferência de culpa disfarçada de boa vontade. Pilatos podia ter libertado Jesus Cristo, porém, ele preferiu deixar que os acusadores o julgassem, para ele ser isentado da culpa pela morte do Messias. 

-Padre, Quem te informou sobre os meus amigos foi o Nasismoro ao vir confessar o crime e implorar o seu perdão?

-Eu me recuso á revelar segredos de confissão de um pecador.

-Sei. Foi assim que a sua excelência fez na década de quarenta. Tal como o Pio depois do onze foi conivente com o homem do bigode estreito e curto, vossa “insantidade” também está sendo conivente com o Adolfo Nasismoro.   

Silenciou-se. Estou afetando a consciência dele. E o mau cheiro afetando o meu nariz. Continuarei falando, mas agora confessando pecados cometidos por outro alguém.

-Eu, e muita gente, também conhecemos bem o Nasismoro, e sabemos que ele é na verdade um grande crápula que não tem consideração nenhuma pelas pessoas. Muitas coisas ruins que acontecem no mundo têm a influência do pai do Adolfo Nasismoro. Eu não o perdoo também, por saber que ele também, á algum tempo atrás fez as piores sandices já cometidas por um síndico. Ele mandou que recolhessem os animais domésticos do prédio para submetê-los á uma experiência, prometendo que os filhotes desses animais, posteriormente já nasceriam Pedigrees. Foi um verdadeiro extermínio de animais de estimação. Os condôminos juntaram forças com moradores de outros edifícios e perpetrou uma busca acirrada á ele. Mas, o infeliz desapareceu do mapa e si safou...

Êh, êh, o silêncio continuava.

-Padre Omíssio, o senhor está me ouvindo?

-Ãh, ah sim, continue, amaldiçoado. Eu só estava tirando um cochilo e...

-Ah, vai lavar o rosto. 

Saindo da catedral, eu fazia uma analogia sobre o fato de “eles” ficarem dentro de um caixote com apenas uma pequena portinha gradeadas. Ele não falava como á um padre. E, o caixote de fibra estava cheirando mal.

  “Em nome del padre e del ispiriti santi”

A voz não era o do padre Omíssio.

-Ei, coroinha. –chamei o serviçal. –Quem estava no fedoródromo?

-Era o zelador Omíssio. Ele sempre se esconde para tirar um cochilo na hora de lavar os banheiros químicos que são colocados do lado de fora da igreja em dia de missa especial.  -falou baixo ao meu pé do ouvido.

-Onde está o padre?

-Na pia batismal em ritual de batismo.

A Anamara me pregou outra peça. –O nome dele é Omíssio. Ele gosta de ser chamado de chefe. –Anamara anarquista deu-me essa referência. Ela me paga.

Pequei por julgar indevidamente um padre. Tem nada não. Eu irei ao concorrente dele.


                                                                              ***


Na igreja eu me sentia bem alegre em ver tantos rapazes e moças que escolheram um bom caminho. Durante o culto, eu cantei alguns cânticos e me comportei como á um visitante que estava ali pela primeira vez para conhecer e se socializar com pessoas de estilos de vida tão diferentes da minha. Era dia de ceia específica para rapazes solteiros e moças solteiras. Logicamente, eu não comeria do pão e nem beberia do vinho naquele momento sacro. Mas, eu entendi que, para os que participavam da ceia, o pão e o vinho representam o corpo e o sangue de Jesus cristo-, aquele momento era muito sacramental, tanto era que, alguns até manifestavam linguagens diferentes, enquanto que, outros não se continham em lágrimas ao receberem o pedaço do pão e beberem o vinho em uma espécie de cálice sagrado. –cálice sagrado estava escrito no recipiente do vinho. –quanto á esse detalhe, eu não aprovaria, pois, o que de sagrado seria uma caneca de alumínio fundido com aspecto de copo velho e areado?

Todavia, eu me portei sem demonstrar indiferença á tudo que eu observava naquela hora, e nem em minutos antes, quando eu ouvi a pregação do pastor José Evangel-, o líder de sua própria denominação evangélica. Para mim que sou muito analítico. Evangel não tinha o carisma e nem a agradabilidade comum á todos que se dizem líderes espirituais de um rebanho.  Ele estava também, muito longe de ser comparado á Billy Ghaham.  A eloquência dele passa á alguns quilômetros de distância do BG. Seu desempenho ao portar-se de modo inconstante por gesticular demais e falar descompassadamente atrás da tribuna que, - frequentemente era esmurrada por ele no momento de sua pregação doutrinária, - fazia com que os incautos e simplórios ouvintes, o tivessem como á um ser inspirado pelo espírito santo para poder guiá-los na sã verdade. Geralmente no ápice de suas explanações bíblicas, os quase duzentos congregados sentiam-se extasiados. Relígio não se diferenciava dos demais líderes espirituais que exigem a santidade dos seus seguidores, introduzindo na mente deles o medo, a culpa e as promessas de uma vida abençoada se os tais forem fiéis á obra de Deus e cooperarem com as doações devidas ao trabalho de evangelização. –Devolvam o dízimo ao senhor meus irmãos. Não deixem que o inimigo devore aquilo que vocês devem á Deus. Temos que comprar novos aparelhos de ar-condicionado. Tragam as suas ofertas irmãos e irmãs. –Relígio exortava assim em dia de ceia. Terminou o culto, eu me dirigi á ele para termos a nossa conversa em particular. 

Em cima do púlpito, conversamos á sós.

-Pastor Evangel, eu preciso que o senhor me ajude libertar á três amigos meus, pessoas excelentes, mas que, um lobo devorador os encarcerou num campo de isolamento.

-Aleluia por isso, irmão. Os servos de Deus serão sempre perseguidos, mas jamais abatidos.

A voz dele ecoou pelo salão réplica da arca de Noé, em tamanho.

-Só que, eles correm sérios riscos de serem engolidos pelo devorador, e...

-Eles dizimam irmão?

-Eu acho que o senhor não entendeu. São eles que correm risco de serem dizimados e devorados, ou até exterminados de vez.

-Eu não sei de quem nós estamos falando. Esclareça-me, por amor de Jesus. –braços cruzados sobre o tórax. –Mas, eu já profetizo vitória nas vidas deles, em nome de...

-A libertação dos três, será também, a nossa vitória contra o inimigo de todos nós.

Agora ele levou a mão direita no queixo e o cofiou com ar duvidoso.

-Você deve estar falando de Sadraque, Mesaque e Abedinego...

-Não senhor, eu venho pedir ao senhor que ao invés de somente orar e fazer campanha de orações use o poder de sua instituição e exija a libertação do Líber, Iguald e Frater...

-Sangue de Jesus tem poder. Á estes três não têm conversão que os façam mudar para melhor suas vidas, e muito menos a vida de toda a danação fragileira. Não devemos nem falar os nomes destas criaturas dentro de uma igreja. 

A minha testa começou á expelir suor. A minha contrariedade me deixando uma pilha de nervo. Meu olhar enfureceu-se.

-Vai julgando, infeliz. Quando os ditadores proibirem vocês de receberem altos salários, eu quero ver quem é que vai assumir a tribuna. 

-O senhor Jesus assumirá em nosso lugar...

-Aí sim. Quando o pastoreio for de graça, vocês abandonarão os rebanhos. 

-Suas calúnias não atingem á um homem de Jesus como á mim. –as mãos são erguidas para o teto da igreja. -Somos conservadores dos princípios morais cristão, e jamais daremos lugar aos inimigos de nossas almas.

-Desisto. A paz do seu senhor fique contigo, pastor. –bati os pés por três vezes e dei ás costas á ele. 

-Não ande em má companhia...

-Ah, vai vigiar e orar. –com um gesto de mão eu o mandei ir ás favas. Eu duvido que algum dizimista tenha um relógio tão valioso quanto ao dele. E posso afirmar que o do presidente da república precisaria de mais dezoitos quilates de ouro para então chegar aos ponteiros do Rolex dele. Riquezas ele ás amontoa e ás conserva aqui mesmo na terra e não ás divide com ninguém. Ele devia usar era um relógio de bolso.

-Olá jovem. –disse-me, sorrindo, uma bela de uma garota dos cabelos que forma uma cortina negra que cobre sua cabeça e as panturrilhas.

-Olá irmã Iemanjá.

-Tem misericórdia!

-Os meus três amigos, também precisam de misericórdia, mas o seu pastor é um mercenário. –lancei um olhar furioso para o impostor de Davi que gesticulava  abrindo os braços e pregava para as paredes.

-Não, ele não é o pastor. Ele é o novo convertido José. Quando o pastor Bomnifácio não está presente, ele atende o culto. 

Perdoai-me, oh Deus, em nome do senhor Jesus por eu ter julgado mal um pastor por causa da solicitude de um neófito.

Recordando: “Anamara, eu preciso unir forças para libertar uns amigos meus”. ”DJ, procure o Evange...” -Anamara me dizia ao telefone no momento em que os três segundos da ligação á cobrar expirava. Ôh jornalista que só me faz entender as coisas de modo errado.


                                                                               *


Se me apelidarem de cotonete, eu aceitarei o apelido numa boa, porque eu vivo dentro de um orelhão.

-Oi Edileusa! Você se lembra da minha voz?

-DJ é você?

Quando uma mulher se lembra da sua voz imediatamente havendo conversado com você uma única vez, ou ela ficou afim de você ou a sua voz é mais marcante do que a do Lombardi.

-Sou eu sim.

-Venha pra cá rápido! Eu preciso de você.

-Já estou indo.

Malícia número 1567: Se uma mulher está desesperada para te ver numa manhã de sábado, existem muitos motivos para isso. 01: Ela ficou gamada em você. 02: Ela acha que você levou alguma coisa da mansão na noite anterior. 03: Tem uma barata perambulando na cozinha. A 01 não procede por que ela deve ser gamada em outro alguém. A 02 tambem não porque nem mesmo a Melissinha voadeirinha acredita que eu seja ladrão, e ela tem toda razão. A 03 está descartada, porque, barata pra andar numa cozinha daquele tamanho tem que aprender á ler, e o engenheiro da casa teria que ter fornecido o mapa da cozinha pra ela saber onde fica a despensa. De qualquer forma eu fui tão rápido ao encontro dela, que a minha Mobí quase ficou com a cor desbotada.

-Ainda bem que você chegou. – disse Edileusa me abraçando.

Quando você vai ao encontro á uma mulher que se diz ser á empregada de uma casa que se parece com o palácio das esmeraldas, e ela vem toda desesperada te abraçando na porta, existem motivos para isso. Um deles é: Ela está perdidamente apaixonada por você. Segundo: Ela fez promessa de abraçar o primeiro trocha que atendesse ao seu apelo de ir vê-la as 8h30min. Da manhã. Terceiro: O gás acabou e ela precisa colocar o botijão reserva pra não atrasar com o almoço do patrão.

-Fala o que aconteceu minha princesa! –falei segurando-lhe o rosto com as duas mãos e beijando o lindo rostinho dela demonstrando afeto e proteção. E também como pagamento por eu ter esgoelado a Mobí pra chegar aqui mais rapido do que o the flash entregando pizza ganhando por entrega.

-JD! –inverteu as letras. -O doutor Trancado Naves passou mal lá em Paldas Novas e teve que ser levado para o hospital, e agora não tem ninguém que possa ir buscar o Flávio, o Diego e o Renato no clube onde eles estão.

-Se acalma minha querida. –tirei mais uma casquinha, e, foi dos lábios dela. –Me solte e me conte tudo. Como doeu dizer isso. 

Ela me leva pra dentro do castelo e me faz sentar numa das oito cadeiras que imitam o trono da rainha Elizabeth.

-Olha João...

-DJ meu amor! DJ! – fiz ela se recordar dando outro beijinho no rostinho dela. Tomara que ela esqueça toda vez.

-Pois é, JD. Você tem que ir á Paldas novas buscar eles.

-Por que você não disse logo minha rainha? –mais um selinho. Enquanto ela estiver ajoelhada aos meus pés eu estarei cobrando a devoção. -Olha Edileusa. Levante-se, por favor! Então... Não se desespere! –mais um beijinho. Quer saber? Ela tá gostando. Unhhhhhhh. –chupão. -Eu vou buscá-los e trazê-los sãos e salvos.

-Você faz isso por mim? Unhhhhhhhhh. –agora foi ela que me beijou.

Depois do beijo que eu dei nela eu iria até de jumento á Pernamburro buscar os três camaradas, e depois do beijo que ela me deu, se o jumento não pudesse voltar com nós quatro em seu lombo, eu traria os quatro, incluindo o jumento, em minhas costas, á pés. Ô xente bichinho! 

Edileusa me deixou na sala da mesa que parece ter sido feita pra nobreza inglesa se reunir, e foi á um dos cômodos do térreo do sobrado que é a fotocopia do vaticano. Ave-maria! Oh luxo!

-Pega DJ! –disse ela me entregando as chaves do carro. –E esse aqui é o endereço do hotel/clube onde eles estão.

Hotel/Clube. Então não seria um campo de isolamento. Campo de isolamento... não existe campo de isolamento. Campo é um lugar livre. 

-Por que você está tão desesperada meu amor? –dando mais um beijinho nos lábios dela. –Brevemente eu voltarei com as crianças. –prometi vendo-a soltando os cabelos.

Ela prendeu os cabelos novamente e pegou em minha mão me levando até á porta.

-Traga eles de volta antes do almoço. –recomendou abrindo a porta do XR3 vermelho, o sonho de qualquer playboy e a realização do JD. –até eu já estou confuso com as iniciais do meu nome. -Edileusa, eu estou fazendo isso por sua causa meu amor! –falei segurando as mãos dela.

-Obrigada! –agradeceu, me abraçando.

Prometo não tirar mais casquinhas dela para não deixá-la igual cana na mão de Taiano, mas enquanto o portão se abria sozinho...

-Edileusa eu prometo á você que em uma situação menos preocupante eu vou te convidar pra sair e jantar fora. Você aceita o meu convite?

-Claro JD! –respondeu se inclinando á porta do carro para me dar um selinho nos lábios.

-Se eu enviar um bilhete-convite por causa de minha correria diária, e nele estiver escrito as iniciais DJ, saiba que se trata desse mesmo garanhão aqui. Tchau querida! E até breve. 

Saí vendo ela me olhando e acenando com a mão. Se não fosse algumas patricinhas que passavam dizendo: “ai amigas, o que nós vamos fazer hoje?” E as outras respondendo: “ah, hoje a gente vai ao Multirama”. Com certeza eu teria ouvido Edileusa dizer: “volte logo! Eu estou te esperando para te pagar pela diária de chofer”. -Paldas novas... Aí vou eu. Aiô Silver.

Será que nós atrasileiros somos conservadores? Ao se deparar com tal pergunta, a pessoa tende á relativizar o conceito Conservador, com o oposto, Liberal. 

Porém, é bom que se entenda que, para alguém se classificar como sendo Conservador, há de se analisar as seguintes questões: Seus costumes, seus valores pessoais e familiares, sua postura diante dos fatos, sua opinião em relação aos inúmeros conceitos e preconceitos concebidos por uma sociedade á qual considera retrógrada toda e qualquer ideia que possa coibir a liberdade de pensar, agir e se posicionar diante da complexidade da vida moderna na atual contemporaneidade do tempo e tempos. Seriam incoerência e hipocrisia, alguém dizer-se "Conservador" quando na realidade, essa ideologia já não cabe mais nem mesmo nas instituições religiosas, as quais ele ou ela frequenta. Conservadorismo religioso no Atrasil atual, só se encontra em mosteiros, e, coroinha nenhum quer virar frade pra ter que se mudar para lá. No meio evangélico não se encontra igrejas as quais seus membros seguem ás regras de usos e costumes. Tipo, vestidos longos, sem tamancos, sem pinturas, cabelos sem cortes e recato de postura. Se esse conservadorismo for exigido nas igrejas, elas fecham as portas logo cedo.

Na política fragileira atual, conservadorismo é sinônimo de retrocesso social e o falecimento dos três pilares da revolução francesa, - que deveria ser patrimônio da humanidade: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Tendo em vista que o termo "Conservadorismo" nos leva á entender que significa procedência responsável, tradicional e moralmente ética, e em contraponto, "liberalismo" signifique aversão á estes valores referidos, isto faz com que uma pessoa escolha ser conservadora. -em título, mas na prática ela vive liberalmente. Ao se dizer Conservadora a pessoa tem de pensar no modo de se vestir, na escolha das amizades, nos lugares que ela frequenta, as músicas que ela ouve, dança que ela pratica, no trato com a família, na hora de dormir e acordar.  Para ser sincero, conservadorismo é clássico, chique e um belo titulo pessoal, no entanto, é impraticável na vida prática moderna. Mas, esporadicamente alguém tenta ser. 

Conservadores. Hum!


                                                                                 *


Paldas Novas! Paraíso de Toiás do Atrasil e do mundo. Aqui estou, depois de ter levado três horas para chegar. Não é por eu ser pé de pena. O problema foi que eu tive que sair da rota por alguns minutos para seguir um carro que eu vi indo em direção á casa das primas, onde também existem muitos primos disfarçados de mulher, e olha quem eu vi e tirei foto deles com um traveco que se parece com o Fumaça. Nada mais nada menos que, Afonso Nasismoro. O canalha que só de saber que ele estava chegando á Atrasília na noite de ontem já me fez querer mudar de cidade. Só não mudo porque aquele sem prestígio vai ter que pagar caro pelo mal que ele quer causar á Danação fragileira.

Eu com essa polaroide que encontrei no porta-luvas do carro do riquinho, irei tirar tanta fotografia do pilantra, que quando eu terminar vai dar pra escrever um livro de centenas de páginas detalhando a vida daquele traste. O nome do livro será: Autobiografia de um pilantra. Dá-me nojo de olhar essas fotos que foram reveladas instantaneamente pela polaroide importada dos Estranhos zunidos. Eu a encontrei por ue fui procurar uma caneta pra fazer as minhas anotações. Não encontrei á caneta e nem a minha caderneta. Acho que esqueci dentro do carro da Salete que hoje está sendo dirigido por aquele crápula duma figa. Enrolei-me também porque resolvi dar uma passadinha no centro da cidade de Mortinhos, e quando eu cheguei á praça andando lento, percebi que algumas garotas ficaram piscando pra mim iguais aqueles faróis que ficam do lado esquerdo das ruas indicando que logo á frente existe um sinaleiro. E atrás também tinhas umas garotas olhando a placa do XR3, como se fossem guardas de trânsito querendo me multar por excesso de vagarosidade.  Aí eu me sentei no banco da praça, sai do carro pulando por sobre a porta, por eu ter baixado a capota do conversível. Logo, cinco garotas veio me dar ás boas vindas. A primeira pergunta de uma delas foi: Oi! Você é de Toiânia? Antes que eu respondesse á outra perguntou: Você tem parente aqui? Quando eu ia abrir a boca á outra disse: Espere, deixa ele responder a pergunta da Arlete. Lembrei-me de Salete e respondi rapidinho. Eu nasci em Toiânia, sou criado em Atrasília, mas quero me mudar pra cá, desde que eu tenha vocês como vizinhas, e agora eu preciso voltar correndo pra dizer á meus pais que eu encontrei o lugar certo pra morar. Prazer. Meu nome é DJ Bauduetto. Dei três beijinhos no rosto de cada uma delas, entrei no carro e sai gaisado. Levei vinte e cinco minutos pra chegar onde eu estou agora.

Pousada Armários Clube. Suíte tal. Pan, pan, pan. É aquí.

-Bom dia porteiro! Eu preciso falar com Flávio Líber. Ele está na suíte 14.

-Ok. Deixe-me verificar. –disse ele conferindo umas fichas. –pronto. Do que se trata?

-Olha... O que eu tenho pra falar com ele, é muito importante e eu não posso dizer á você.

-Mas é norma da diretoria senhor. -além de gastar o meu tempo, o cara ainda me chama de senhor. Senhor é o cristo de braços abertos que fica na entrada da cidade onde eu deixei cinco garotas doidas pra verem a minha mudança chegando lá.

-Eu não preciso que você me deixe entrar lá. É só você chamá-lo e, eu dou a notícia.

-Tudo bem senhor. Só um momento. –novamente ele pegou o telefone. –Qual o seu nome?

-Diz que eu sou o DJ, amigo do Renato e preciso falar com eles imediatamente.

Ele discou poucos números.

-Não tem ninguém na suíte senhor.

-Merda. –falei dando uma tapa no balcão de granito. Uma rodadinha coçando a cabeça. –Olha lá o Renato. Aquele conversando com aquela garota segurando um caderno... Sei lá o que é...

-Sim senhor! Eu estou vendo. –saindo detrás do balcão. –Hei, rapaz de camisa cinza.

Renato escutou. O atendente acenou com a mão. Renato vem vindo ao encontro dele.

-Sim. O que foi? -ele perguntou ao autofalante humano.

-E aí Renato. –falei.

-DJ. –gritou abrindo o portão de entrada. –Caramba, você aqui.

Depois de um aperto de mão e um abraço, eu o chamei em particular.

-Renato, vocês precisam ir embora agora!

-O que aconteceu com a Cibelle?

-A Cibelle está te esperando para o casamento. –falei rindo.

-Deixe de brincadeira e diga logo por que você está aqui.

-Vá chamar os seus amigos. Quando vocês estiverem aqui eu darei a notícia.

Renato percebeu que o negócio era serio e foi ao encontro dos dois amigos.

Se esse porteiro tivesse me deixado entrar, a Edileusa veria a gente só na hora do jantar da sexta que vem. Mas o caso é serio. O pai do riquinho está mal. Por certo ele está sendo bem cuidado pelos melhores médicos. O problema pior será o do Renato com aquele infeliz do seu futuro sogro. Ter uma imundície daquele como sogro, seria melhor casar com uma cascavel, ter uma Nágea como cunhada e uma Sucuri como sogra.

Ih! Olha os três correndo rumo ao quarto. O ruivinho parou pra olhar para mim. Com certeza o Renato já falou de mim pra ele. De onde eles saíram está escrito sala de jogos, vai ver tem mais bancas de jogos do que nos cassinos de Las Vegas.

Eu vou ser sincero com esses caros, por que se eles são amigos de fé, teremos que unir forças devido ao tamanho do problema que nós teremos de enfrentar.

Segundos depois eles já estão do lado de fora.

“Pom-pom”. –buzinei chamando á atenção deles.

-Uai! Aquele lá é o seu carro Flávio. –disse Diego admirado.

-Ôh Renato o que ele está fazendo dirigindo o meu carro?

-Eu vim buscar vocês. –falei descendo e dando ao dono do carro o direito de dirigi-lo.

-O que está acontecendo? 

-Bota marcha aí e vamos embora. Á caminho eu conto tudo.

O cabelo de cobre me obedeceu, e pôs o carro pra andar. Renato se sentou no banco traseiro ao meu lado. Diego e Flávio não sabem se olham pra frente ou se ficam telando eu e o Renato.

-È o seguinte. Eu vou começar mais ou menos assim... Vocês são amigos de verdade ou é um trio de bundões? –perguntei e esperei a resposta de um dos três. Mas o Flávio foi quem ao invés de responder, fez outra pergunta pra qualquer um responder.

-Qual é a desse cara? É claro que nós somos amigos Ôh...

-Aí, não fica nervoso não Ôh... Fitipaldi! Você dirige bem pra caramba hein colega! –Chamei-o de piloto de fórmula 01 e de colega por que pelo início da nossa conversa, logo ele me faria voltar a pés para Atrasília.

-Fala logo o que você tem pra falar DJ. –ordenou-me Renato parando de rir.

Agora, apenas o Diego é que estava sentado de lado no banco nos olhando. Vou dar ás notícias dos meus modos pra não deixá-los mais tensos ainda.

-È o seguinte Paulo Fittipaldi. –falei e escutei-o perguntando qual é a desse cara de novo. Ele não estava indo com a minha cara, e ele teria de ir com o meu corpo inteiro para Atrasília. Vou falar sério agora.

-Desculpa aí Flávio. –coloquei a mão no ombro dele, ele deu apenas uma olhadinha de lado como quem diz, tire essa mão daí. 

–O seu pai andou comendo umas coisas que fizeram mal á ele, e teve de ser levado para Atrasília. Ele está internado, mas passa bem. - Falei.

-Merda! –disse ele esmurrando o volante. –o meu pai andou tomando aqueles remédios de novo!

-Que remédio Flávio? –Diego perguntou olhando-o.

Afrodisíaco. –pensei.

Renato olhou pra mim e riu em silêncio. Ele deve ter pensado o mesmo que eu.

-Deixe pra lá. O importante é que ele vai ficar bom logo.

Renato e eu Demo uma tapinha nas mãos, sutilmente para o Flávio não perceber que nós tínhamos avinhado á respeito dos venenos, quer dizer, dos remédios que o magnata ingeriu.

O Flávio ficou mais tranquilo. Ele estava até dirigindo mais devagar... 

-Flávio, Atrasília é para á direita. - o alertei antes que ele fizesse a rótula ainda no centro da cidade. –Ô loirinho, dá uma de copiloto e auxilia aí o comandante na direção. - o loirinho me ouviu. Eu já nem via mais os olhos castanhos dele.

-O Flávio queria era voltar para o clube. – Renato observou.

-È lógico! E aquelas gatinhas que nós...

 -Flávio eu não quero jogar água no seu fogo não.  Más, o bicho vai pegar lá em Atrasília, á menos que nós sejamos amigos de verdade.

Ao me ouvirem todos ficaram espantados. Flávio para o carro próximo á uma lanchonete na avenida á qual está lotada de garotas bonitas. Ô lugar pra ter gente bonita. Tem uns camaradas aqui que parecem atores de filmes de aventuras.

-O que está acontecendo lá que eu não estou sabendo.

-Vamos descer e ficar aqui nessa lanchonete. Eu quero comer alguma coisa. –convidei á todos. Nós entramos e nos sentamos. O ruivinho não está nem aí pra saber á notícia que eu tenho para dar ao Renato. Ele está de olho é nas garotas.  Se ele não tomar cuidado vai acabar na enfermaria do hospital onde o pai dele está.

Se cuidem enfermeiras plantonistas!

-Pessoal me escutem! –consegui a atenção de todos. Estamos todos com os cotovelos na mesa. –Renato você se lembra do Afonso Nasismoro?

-Como eu iria me esquecer daquele nazista?

-Quem é esse cara? - quis saber o loiro.

-O que ele fez á você Renato?

Pela curiosidade e á expressão dos dois deu pra notar que á amizade deles é firmeza. Estamos juntos galera! –Pensei.

-O que vocês desejam. –perguntou-nos uma garçonete que deve ter sido mandado pela revista playboy.

-Quatro Cocas-Colas. –Renato escolheu.

Ela foi buscar o pedido de Renato. Eu vou esperar ela voltar e depois peço um Mirinda, pra alegria da galera vendo-a outra vez, principalmente a do ruivo que nem está prestando atenção em mim.

-Vocês viram, que gatinha?

-Não Flávio! Só quem consegue enxerga miragem é ruivo. –respondi.

-Aí... Qual é a desse...

-DJ! A partir de agora vocês têm um novo amigo. –Renato me apresentou aos dois.

Pegamos na mão um do outro e selamos á amizade.

-Só que é o seguinte DJ... Entre nós não rola esse negócio de ficar tirando sarro um do outro não. Falou? –Diego me alertou.

Depois dessa eu só tiraria sarros em pensamento. 

-Pode crer! Então Renato... Aquele safado está de volta. 

-Problema dele. Qualquer dia a gente se topa e aí ó... Dane-se!

-Esse é o meu amigo Renato que não tem medo nem de campo de extermínio. Falei me levantando, apontando o dedo á ele e continuarei falando. –Vocês sabiam que ele o pai do Renato foi quem projetou o túnel para a fuga dos...

-... Dos judeus, do holocausto?

-Era, mas a escavação deu no alojamento dos soldados, e houve fuga em massa dos ratos que infestavam as celas dos prisioneiros, e eles foram parar nos dormitórios dos nazistas.   

 -Como é que foi isso Renato? 

-Foi um erro de cálculo no projeto. Mesmo assim o nome do meu pai foi incluído a lista de Chíngados, por ele ter posto o fim ao Apartheid social que separava os ratos nos campos de extermínio nazista. Depois eu conto, Flávio.

-Por que você ainda não nos contou Renato? -Diego quer saber de tudo também.

Nesse instante chegou a coelhinha Playboy.

-Suas Cocas! –disse ela sorrindo quatro vezes.

-Garota! Troque uma Soca-Sola por uma Mirinda, por favor!

-Só um momento! –foi-se.

-Eu fiz isso por você Flávio.

-Ãh! O quê.

-Nada não. Esquece.

Os três riram. 

-Está aqui a sua Mirinda. –falou a garçonete.

-Aí gatinha! Sabia que você é a gatinha mais gata de todas as gatas que eu vi aqui em Paldas?

-Obrigada gatinho! –agradeceu passando os dedos no rosto do gatólatra ruivo, e foi saindo.

-Espere aí! - pedi. Ela voltou. –Você ainda não ouviu a minha opinião e as dos meus outros dois amigos.

O ruivinho ficou me olhando. Renato e Diego baixaram as cabeças rindo.  Eu me levantei para falar...

-Você é tão gata, mas tão gata, que faz as gatas do meu amigo aqui, parecer o Gato de botas. 

Renato e Diego riram tanto que quase fizeram chuva de Soca-Sola. Flávio gaguejou querendo me superar más teve que ver a garçonete gatíssima pegar no meu rosto com as duas mãos e me dar um selinho estre as sobrancelhas.

-Tchau gatinho! –disse ela, e depois foi atender outros clientes. Nem esperou a opinião dos outros dois. Ela sabia que eles não iam encontrar uma felina pra comparar com a minha.

Renato e Diego ergueram as mãos pra eu dar uma tapa em cada uma delas. Flávio coçou a cabeça, mas depois fez o mesmo que os dois fizeram.

-Um á zero pra você. – ele deu o placar.

Se eu fosse convencido diria que eu daria de goleada nele. Sentamo-nos.

-Então Renato...  Aquele sacana voltou.

-Você já falou isso. –disse o ruivo.

-Mas eu já falei que ele é o pai da Cibelle?

Silêncio total. Renato cruzou os braços e fica me olhando. Ele sabia que eu estava falando á verdade. Diego e Flávio coçaram as cabeças. Os dois ainda não sabiam o tamanho do problema.

-Bebam aí os seus refrigerantes. – disse Renato friamente.

Nós obedecemos. Depois de alguns segundos ouvindo apenas o barulho das pessoas na lanchonete, Renato começou falar.

-Vocês dois se lembram do que a Luna falou?

-Áh caramba!-exclamou Diego levando as mãos á cabeça.

-Bem que a Lua previu. –Flávio debruçando na mesa.

-Bem que a lua previu! A única coisa que a lua pode prever é mudança de estação. –falei por não saber do que se tratava aquela conversa de Luna e lua.

-Luna é uma mística que eu conheci. O nome dela significa lua, DJ. Ela disse que alguém entraria em nossas vidas, e o que será é o que tem que ser.

-Espera aí! Vocês não estão acreditando nessa conversa, seus supersticiosos?

-Não é superstição. Realmente aconteceu...

-Flávio cai na real... 

-Ôh DJ... A moça falou isso ontem e hoje aconteceu...

-Diego deixe o DJ falar. Eu acho que ele deve entender dessas coisas.

Todos ficaram me olhando como se eu fosse um pai de santo.

-Deixe-me dar um exemplo... Deixe-me ver... Já sei! Flávio, o seu pai está doente. Isso é uma comparação. Agora me pergunta o que vai acontecer com ele.

-O que vai acontecer com ele?

-O que tem que ser será! Pronto.  Qualquer coisa que acontecer é porque tinha de acontecer. Entenderam? Isso é autossugestão meus amigos. Esse negócio de astrologia, misticismo, e o escambal, são pura ilusão.

-Mas ela disse o que será é o que tem que ser! 

-È só mudar á colocação das palavras da frase pra dar um ar de mistério, Diego.

Os três ficaram refletindo no que eu falei. Eu aproveitei pra dar uma olhadinha na gatanete anotando os pedidos de alguns clientes. Anota o meu ai. Eu quero me casar com você e ter lindos chaninhos. Miau! 


                                                                                ***


Rimos um pouco e continuamos bebendo nossos refrigerantes. Pareceu-me que eu havia tirado o encucamento das cabeças deles. Eu disse á eles que seria muito fácil prever que uma garota qualquer viria á entrar na vida deles á qualquer momento, por que eles são uns caras muito bacanas e aonde quer que eles estejam juntos, com certeza as pessoas saberiam que eles são pessoas de bem com a vida e com os que se aproximam deles. E, eu percebi que são essas qualidades que fazem que nós seres humanos possamos nos relacionar melhor com nossos semelhantes. Estou na fila do caixa para pagar á conta. Olhando para os três na mesa, vejo-os conversando e olhando pra mim. Pelas expressões em seus rostos, Renato, Flávio e Diego concordam em eu fazer parte do grupo deles. Estou feliz por isso. 

Atrás de mim tem duas garotas chamando o meu antigo e meus novos amigos de gatinhos, e querendo adivinhar de onde eles são.

-Somos de Atrasília. –falei me virando para elas.

-Nós duas moramos aqui!

-Você é irmão daquele moreno claro de camisa cinza? –perguntou-me uma ruivinha.

-Vamos lá que vocês ficam sabendo o que somos um do outro.

A ruivinha soltou os cabelos que ficou parecendo á camisa da seleção holandesa na cabeça dela. A branquinha ajeitou a calça de moletom cinza e á camiseta branca e depois cochichou alguma coisa no pé do ouvido da ruiva. Deviam estar decidindo quem paqueraria quem.

Pagando a conta, só não gritei que era um assalto pra não espantar a clientela. Ôh refrigerantes caros cumpadre! Se comêssemos algumas coisas, o XR3 teria de ficar na penhora. Se o caixa perguntar se eu quero o troco de balinha, eu digo que tenho que encher o tanque do carro pra ir embora.

-Pronto. Vamos lá garotas! Vocês também foram lesadas, ou só se exploram turistas aqui? –perguntei, fazendo-as rirem.

-Chegamos! Aí galera, essas aqui...

-Oi gatinhas! Eu sou o Flávio Líber! –o ruivo, sem saber á qual das duas ele daria a mão e beijaria no rosto, primeiro. Tres beijinhos em cada uma delas. Ele continuou em pé.

-Oi! Eu sou o Diego! –disse o loiro ajeitando a camisa gola polo.

Antes de ele se sentar, Renato saiu do canto da parede para si apresentar também.

-Oi! Eu sou o Renato! Tudo bem com você? Qual é o seu nome? -perguntou antes de beijar a ruivinha.

-Meu nome é Silvia. Prazer Renato!

-O prazer é meu! -tres beijinhos.

-Oi! Renato!  O meu nome é Tanilla. -disse a branquinha.

-Oi Tanilla! O Seu nome é diferente e muito bonito!

Ôh Camarada charmoso. Se não fosse ele, nós quatro conheceríamos ás meninas apenas por “as meninas da lanchonete arranca couro” A ruivinha amarrou os cabelos. Pelo jeito não gostou do que o Renato disse á sua amiga.

-Aí gatinhas! Sentem aqui com á gente! –O ruivinho ás convidou.

-Diego! Faça o favor aqui. –o chamei. –Vamos conversar ali, nós dois.

Ele pegou em meu ombro e nós saímos.  Renato e o Ruivinho se sentaram lado á lado, de frente ás garotas. Vai ver o Renato ficará com a Tanilla, e Flávio se vira com á Silvia. Eles são ruivos... que se entendam.

Diego e eu escoramos no carro.

-Diego, nós temos de ir embora. Á Edileusa está se descabelando de tanta preocupação.

-E agora? Os dois estão com as garotas?

-Dá uma de volante e si vira loirinho!

Ih! O cara perdeu o rumo! Está girando para um lado e outro coçando a cabeça.

-Diego, pare, senão você fica tonto. –falei segurando nos ombros dele.

-O que a gente faz agora?

-Seguinte... Segue reto aqui nessa calçada. Na primeira porta á esquerda tem uma lanchonete que se chama: Esvazia bolso de turista. –ele riu. –Aí você entra e sai de lá com os melhores amigos seus. Entendeu?

-Faz isso você!

-Eu estou chegando agora na patota!

-Falou então. Lá vou eu!

Ele foi. Eu fiquei vendo o movimento das pessoas. Aqui tem mais gente do que na Avenida Paulista.

-Oi cachorrinho lindo! –elogiei um poodle que passeia com uma senhora que tem os cabelos da cor dos pelos dele. Branquinhos.

-Bom dia garoto! –disse-me á vovó.

-Bom dia senhora!

Au, au. –o algodão doce de quatro patas quase mordeu um desatento que passou lendo um livro e acertou a perna na fuça do cãozinho.

-Oh shit! That brave dog! –disse o turista pulando igual saci.

Eu não entendi o que o branquelo resmungou. Mas á senhorinha disse apenas assim: Vamos bibi! E pegou a nervosinha nos braços.

O loirinho estava demorando em voltar. Tive que agir á meu modo.

-Aí. Que tal vocês darem o último beijinho para a gente ir embora?

Os quatro atenderam minha sugestão. Tirei uma foto de cada casal, Demo tchau, e elas se foram andando de ré e acenando com a mão.

-Você sabe dirigir DJ? –perguntou-me o ruivo.

Olha a pergunta. Eu vou responder com toda educação e seriedade.

-Flávio, para chegar até aqui, eu tive que ir á base aérea de Nadápolis, fretar um avião cargueiro, embarcar o seu carro dentro dele e pedir a tripulação pra colocar um paraquedas no Escort e, quando estivesse passando sobre o hotel onde vocês estavam, eles nos jogassem do avião. E foi assim que aconteceu. –falei ao lado da porta do motorista. Renato e Diego quase arrancavam os bancos dianteiros de tento rir.  Flávio me jogou a chave do conversível e entrou primeiro do que eu no carro. Antes que um dos três me desse uma catracada pelo sarrinho que eu tirei do ruivo, eu vou logo expondo o meu plano para nos vermos livres do Afonso Nasismoro.

-Você é paraquedista de avião. –esse foi o Diego.

Não, débil mental. Sou paraquedista de trem de ferro. –pensei em responder. 

-É o seguinte, galera... nós temos que trabalhar em equipe para desmascarar aquele safado. Daqui pra frente vai ser assim...

-Não teríamos chances contra ele. –Renato me desanimou.

-Que papo é esse? –perguntei.

-Para que nós pudéssemos vencê-lo, teríamos que ter conquistado á Katia Demo.

As caras dos três me fizeram perceber que eles eram uns fracotes que não deram conta de cumprirem uma suposta missão.

Flávio cotovelou a porta e usou a mão direita para abafar a orelha do mesmo lado. Dos dois imprestáveis no banco traseiro, eu só ouvia os assovios baixos. Até para assoviarem, eles eram incompetentes.

-Quem é essa esfolosada?

-Você nunca ouviu falar da Demo Katia?. Para consertar o Atrasil, somente ela poderia. – disse Flávio, com admiração pura.

-Fodeu, nós nem conseguimos chegar perto da Demo Katia. –Diego revelou.

-Droga. –Renato resmungou. –Sem ela não terá como viabilizar a fundamentação da democracia. O Nasismoro poderá estabelecer o seu governo tirano sem nenhum embargo de leis, direitos e deveres democráticos. Napobolão lutou tanto em defesa dos três altares...

-Pilares da demoniocracia, esclerosado duma figa.

-O Renato está errado também. São os pilares da...

-Esquece Flávio. –interrompi a terceira asneira. -Sobre o comando daquele baixote os tranceses rebolaram contra os ogreses. Se for para os atrasileiros navegarem em barcas furadas, vocês mesmos afundam o barco.

Ficamos em silêncio á pensar.

-Caramba. Os princípios políticos daquele imprestável são os legados deixados pelos antepassados dele.

-Quais são eles, ruivinho? –quero saber.

- Evolua e os faça regredir á primatas. Coma e os faça passar fome. Viva e os deixe morrer. 

-Estamos ferrados. –falei, num desânimo. –Alguém aí me diga onde está a tal Demo Katia e em qual orifício do corpo dela ela enfiou a bendita varinha mágica. 

-Você me viu conversando com ela lá perto da entrada do...

-Era aquela, a Fada madrinha?

Três hãhãns de uma só vez.

-Qual é o teor da Demo Katia, e do que se trata?

-Essa fala é minha. –O ruivo antecipou. –Declaração dos direitos Universal dos povos, de darem os ânus...

-Da ONU, imbecil. Eu continuo. –Diego falando. –A mágica dispõe que todas as pessoas têm os direitos inadmissíveis e... 

-Imprescritível, idiota. Eu completo. –Renato prosseguindo. –Imprescritível e alienável a procrastinação... 

-Inalienáveis, mocorongo chefe do bando de babacas. Pode calar a boca. Vocês três são uns dementes. A tal carta deve declarar como princípio, que não são os retardados dos governos que fundamentam as normas dos direitos...

-Ah, me lembrei.  Mas sim, a própria população, com suas pendências e pedâncias. 

Dá-me burralidade igual senhor, pra que eu não me considere melhor do que estes idiotas, e que eu consiga me sentir tão imbecil quanto á eles.  

-Eu não sei por que alguém em são juízo mandaria três inúteis como vocês para serem emissários em uma causa tão importante para a história da nossa danação. Já estamos naufragando, ainda botam vocês no leme do navio.

-Quem nos enviou, foi o libertador Trancado Naves.

-Então, o arrependimento está matando ele. Agora, me diga apenas qual foi o motivo pelo qual vocês não conseguiram engambelar a Demo Katia.

-Foi ele não. –Flávio protestou. –Foi o vice, Juré Euquiarmei.

Êh, êh, eu o julguei mal.

-O que vocês representam?

Houve troca de tapas no banco traseiro.

-Eu me apresento primeiro. – disse Diego depois de ganhar uns empurrões do Renato. –Eu represento a fraternidade. O meu lema é: dê o que é seu á quem você quiser. Pode ficar com Soraia, se você a quer.

-Obrigado. Mas, não me ofereça algo que é exclusivamente seu. Fala aí, Renato.

-Agora é a minha vez. -Flávio se posicionou. –Eu represento a igualdade. Somos todos iguais, homens, mulheres, tanto faz. Sabe aquele porteiro do clube? Pois é, eu e ele, trocamos...

 –É a vez de Renato, o líder dos três patetas.

-Me deixe falar logo o que eu represento. Eu represento a liberdade. Estou sempre livre para quem queira experimentar relações informais, diferentes, e também quebrar tabus moralistas.

Vejam só, por quais indivíduos eu quase fundi o motor da minha Mobí e a minha cuca.

-E com toda essa acessividade vocês não conseguiram ter acesso á Demo Katia?

-Perdemos tempo com a irmã dela. Elas são gêmeas e são parecidas uma...

-Não, Flávio debilóide, elas são gêmeas, mas bem diferentes uma da outra. 

Dá-me paciência, senhor. Penso esfregando o rosto freneticamente.

-O Flávio e o Diego estão certos, DJ. As duas são parecidas e diferentes. Uma é confusa, a outra, mais confusa ainda.

-Eu esperava mais de você Renato. 

-A gente espera que você cumpra a sua fama de Dom Juan da periferia. - disse Diego.

-Que papo é esse?

-É isso mesmo. Nós não conseguimos conquistar a Demo Katia porque a irmã dela despereceu do mapa, mas achamos que ela esteja rondando pela cidade. –Flávio foi injustificável.

Eu ainda não estava entendendo de qual era a do trio de inúteis. Mas, eu não fugiria de um desafio. 

-Antes das apostas, apresentem-me a proposta.

-DJ, se a gente voltar sem Demo Katia, nós seremos considerados uns incompetentes. Acontece que, ninguém conhece nenhuma e nem outra das duas, no Atrasil. Complete o meu raciocínio, Flavio. –Diego pediu ajuda.

-Deixa comigo. É o seguinte, a danação fragileira precisa de uma idealogia qualquer...

-Ideologia, cabeção. Esse cabeça de vento tem o célebro cheio de...

-Cérebro, Renato. E, se a cabeça dele é vazia, não existe nem uma plaquinha informando que nessa imensa cabeça jaz um cérebro. –o corrigi. –Continue.

-Então, se você conquistar uma garota e a emprestá-la á nós, a gente pode levá-la em lugar da irmã gêmea Demo Katia. O único mau que pode acontecer com a troca será a instituição do fascismo nas sociedades fragileira. Mas, os atrasileiro são receptivos á isto.

-Não sei não. Cedo ou tarde o povo perceberá que manter ás aparências custa caro.

-Ahá. - Renato gritou. –A encontramos. Olhem só a genérica ali ó. 

Olhamos juntos para a esquerda.  Ela estava jogando uma ficha telefônica pra cima e, indo em direção ao telefone.

-Se você á conquistar, nós á lavaremos. Se não conseguir, nós ficaremos aqui em Paldas Novas, e que si dane a danação fragileira.

Renato desafiou-me, eu aceitei o desafio. Patrioticamente, marchei rumo á Demo Katia. Realmente, ela é encantadora e fascinante. Seria dispensável comentar sobre os encantos dela, mas, um detalhe apenas, ela parece ser bem pobre ainda. Ao chegar perto dela no orelhão, eu á ouvi dizendo para o alguém do outro lado da linha, que, ela estava usando a última ficha dela, e que precisava encontrar um lugar para enfim ela poder estabelecer-se definitivamente.

-Oi gatinha! Passa-me o número do seu endereço.

-Eu não tenho endereço, mas eu sou da Trécia e estive morando na Trança. Viajei pela Oropa e Estranhos zunidos. Aqui nas Amerdas eu ainda não encontrei amparo.

Abordei uma Cigana. Eu não emprestaria as minhas fichas á ela de jeito nenhum.

-O telefone lá de casa tá com defeito. Eu tô ligando para o Tio Jamesan Américo. A gente ficou de nos encontrar aqui no Atrasil. Ele ficou de me dar guarida por aqui.

-Me passe o número dele pra eu ligar qualquer dia pra saber como você está.

-Você tem caneta?

-Não.  Mas, eu consigo decorar até os números sorteados da loto durante o ano inteiro. Eu acho que eu o conheço, mas, pelo nome de Jaime Américo. Pode falar. 

-O tio San é um mascarado mesmo! –sussurrou, mas eu a ouvi. -Que pena, eu esqueci o número do meu tio.  –beleza ela sorriu. 

-Os meus amigos me disseram que eu sou tão feio e, você é tão bonita que eu nem conseguiria te levar para Atrasília...

-Eu me sentirei bem em qualquer lugar. Vamos. –foi logo me puxando pela mão.

Os abobados festejavam babando. 

-Você me faz sentir-me um rei. Agora entre nesse carro com os meus três vassalos, e, eles te levarão ao meu castelo em Atrasília.  Tchau! –falei destravando a porta. -Vê se não se esqueçam de me mandarem o Fumaça e a minha Charrete de duas rodas.

-O que nós e o povo atrasileiro iremos fazer com a falsa Demo Katia? –Renato perguntou, ao meu pé do ouvido.

-Façam o que vocês quiserem com ela. Ela já é batida e bem rodada em outras partes do globo terrestre. Agora, vazam daqui e me deixem usar o meu charme, meu magnetismo e a minha lábia. Em cinco segundos eu farei o que vocês levaram uma semana para não o fazer. Deem um jeito de me mandarem o meu colega Fumaça e a minha mobilete. Mas, ela não tem gasolina, e o Fumaça está desempregado. Si virem.

-Deixa com a gente. As diárias no hotel foram pagas com o dinheiro dos nossos apoiadores. 

-Quem são eles, Diego?

-O povo atrasileiro.

Enquanto isso, trabalhador como eu não têm dinheiro nem para encher o tanque da mobilete.

-Renato, fale a verdade. Por que vocês vieram parar aqui, e deixaram as suas namoradas esperando por vocês para os matrimônios?

-È porque os nossos pais acham que nós somos aberrações da natureza humana. 

-Que vocês são gays, não é isso?

-Não, não é isso. È que, eu sou ateu progressista. O Flávio é socialista. O Diego é comunista. Mas, nós somos apenas delicados e dóceis com as pessoas. Mas, para eles essas qualidades significam viadagem. Nós soubemos que a Lorrane foi expulsa da casa dos pais dela, quando eles souberam que ela era sapatão. Antes de você chegar, ficamos sabendo que o Vinícius foi mandado embora da panificadora, porque o patrão dele descobriu que ele é gay. 

-Sem comentários. Sigam viagem. A gente si vê por lá. 

-No Armários Clube, você vai encontrar muitas pessoas iguais á nós, ao Vinícius e a Lorrane. 

-Saberei lidar com todos eles. -falei, palpando-lhe o ombro.

Tô cansado. Vou atravessar a rua e ir me deitar no banco da praça. Confiro os estremos da rua. Beleza, antes de aquela Variant chegar perto de mim eu já terei atravessado a rua, mesmo que fosse de joelhos. 

Pés no asfalto, lá vou eu... opa, a Variant é turbinada... vai pra lá disgrama... freia...



                                                                        ***

 

Acordei assustado. Que sonho mais esquisito. Que dia é hoje, e que hora é essa?

O Rádio ainda está ligado na mesma programação. A voz do Brasil.

-Só roubalheira. Vou voltar á dormir. Virei e travesseiro e...


Bom, galera, pelo que deu para perceber, no período da ditadura militar, assuntos como Homossexualismo, preconceito racional, ateísmo, pobreza e corrupção, eram tratados de formas diferentes, ou, nem eram comentados. Na continuação, vamos nos divertir com os fatos, conceitos e acontecimentos em um país “quase” democrático. 



                                                                      *1988*


 -Ãh, ãh, onde eu estou? Quem é você, beiços de índio negro com alargadores de lábios?  

-Sou eu, o Fumaça. Você está variando. Fique deitado aí.

Sentei-me na cama, desobedecendo a ordem do meu amigo beiço de sola.

-Eu devo estar variando mesmo. Quando vi essa sua bocona se aproximando da minha cara, eu pensei que estava sendo atropelado por uma Patrol. O que aconteceu comigo?

 -Eu estava vindo ao seu encontro, mas o meu carro está com defeito na barra de direção e ficou variando na pista.

-Que carro era? 

-Uma Variant 73. Só quinze anos de uso.

-Ô nego ruim de matemática. De 73 para 85 são doze anos. –corrigi e pulei da cama.

Fumaça sacudiu a cabeça e se pôs á estender o lençol.

-Você ainda está variando. –disse, ajeitando o travesseiro na cabeceira. –Estamos no ano 1988. Você ficou em coma por três anos. Eu cuidei de você.

Corri para um lado e outro dentro quarto mobiliado apenas com duas camas de solteiro, uma mesinha de tábua com um vaso de planta gigante de folhinhas ralas e serrilhadas, e um filtro dágua no canto. Não dava para acreditar que eu teria passado três anos, inconsciente. Fui até ao pé de planta, e então constatei que era verdade. Era um pé de maconha já em fase de troca das folhas.

-Fumaça, você agora está cultivando maconha?

-Só para o meu consumo. Os fornecedores estão abusando no preço. De manhã um baseado custa 5 Cruzados. Á tarde, 10. Á noite, 15. Ninguém aguenta.

-Deixe esse vício de uma vez, infeliz, ou serei eu que darei um desbaseado no pé do seu queixo.

-O bagulho é e sempre será doido, custe o preço que custar, se eu não tiver dinheiro, eu cultivo pra eu fumar.

- Desisto. Me diz aí, o que mudou no Atrasil com a democracia? 

-Muita coisa. Em primeiro lugar, o presidente eleito Trancado Naves, mudou-se para o além, e quem assumiu a presidência foi o vice.

 -E então?

 -Ele mudou a moeda, de Cruzeiro para cruzado. A taxa de juro subiu, e com isso as pessoas estão vendendo o que elas possuem, para depositarem o dinheiro em caderneta de poupanças. Eu vendi a sua casa e depositei a grana. Um mês depois, o dinheiro havia rendido mais de 80% de juro.

-Beleza. Estamos ricos então.

-Só que, eu havia negociado a compra da Variant no dia anterior. O dinheiro da casa daria para pagá-la e me sobraria muitos Cruzados. Mas, quando eu recebi a importância do valor da sua casa, a infração já havia consumido mais da metade da grana. Mal deu pra pagar a Variant. Fiquei devendo 20% do valor x.

Segurei-me para não dar um Cruzado de esquerda no queixo de bigorna dele. O nêgo deixou que a inflação nocauteasse a herança que a minha pobre avó me deixou.

 -Mas, neguim, e a Anamara?

 -Ah, a Anamara envolveu com o Jamesan Américo.

-Puta merda, - eu dando tapas no vento. – Agora é que ela será poderosa mesmo. 

-Você deve estar falando da Anamara G. Lobo...

-Sim, é ela mesma, a jornalista que só me enfiava em roubada.

-É meu amigo, - meneou a cabeça.  – Ela não é mais a mesma. Ficou poderosa e aliou-se á alguns poderosos também, ou vice-e-versa. Anamara G. Lobo atualmente é uma grande influenciadora de ideias e promulgadora de conceitos á sociedade fragileira.

-Que nada, ela sempre foi assim. Mas na verdade era eu que não entendia o que ela me dizia. Depois eu entendi que ela me mostrava àquilo que eu não queria enxergar, mesmo já tendo visto.

-É, pode ser, - disse, teclando a mesa – Mas é o seguinte, ela tem mantido relações estreitas com o Jamesan Américo. - me olhou com desdenho... sorriu mostrando as únicas coisas que ele tem de branco, os dentes. Até a parte branca dos olhos dele já é avermelhada de tanto ele fumar maconha.

-O Américo é muito rico e influente. Eu só não entendo por que foi que ele me escolheu para sair em busca da democracia, sendo que, com a grana que ele tem, poderia pagar o exército, a marinha e a aeronáutica para aquela missãozinha mixuruca. 

-Ele te escolheu por causa da sua bravura. A democracia tinha que ser conquistada com muita luta e determinação. E somente você possui essas qualidades.

-Então ele está decepcionado comigo. Eu não dei uma tapa em ninguém para conseguir me apossar da falsa democracia.

-Você disse falsa?

-Sim, falsa, imitação, impostora.

-Então é por isso que o Atrasil ainda não se tornou um país democrático em definitivo. Você ouviu falar da Carta Magna?

-Eu não sei de Carta mágica nenhuma. A última carta que eu recebi foi a que a minha avó me deixou dando o direito de eu ser o herdeiro de um casebre feito de placas de cimento, coberta com telha de amianto, lá na Vila Muqueirão em Toiânia. Presente do governador Pires Sivende Rachado. Mas, os três esclerosados me falaram da tal Demo Katia, Varinha mágica, coisas desse tipo.

Fumaça bateu palmas e abandonou a janela.

-Temos que encontrá-las. A democracia só poderá ser instituída após a proclamação da constituição atrasileira, prevista para este ano, mas temos que encontrar a Carta Magna. Com ela encontraremos a verdadeira Demo Kátia ou vice-versa.


                                                                              *


Entramos na Variant e fomos á uma pequena mercearia para comprarmos algum alimento.  Pegamos um pacote de pão bisnaguinha, uma lata de sardinha e um Baré Tutti-Fruti.

-Você tem dinheiro aí, Fumaça?

-Só uma merrequinha. Mas vai dar pra pagar as mercadorias, se formos rápido. Segura o repositor de mercadorias aí. 

-Por que nêgo?

-Ele tem um etiquetador nas mãos. Deixa quieto. Corre.

Eu não entendi, mas corremos para o caixa.

-Receba aqui, ligeiro. –disse Fumaça á mulher no caixa.

-São 350 Cruzados. –disse a cobradora fazendo a maquininha cuspir uma tirinha de folha com o valor da compra.

Antes que Fumaça sacasse o dinheiro do bolso dele, o etiquetador chegou metendo as mãos nas nossas mercadorias.

-Aumento de preço. –disse ele...

-Aumento de preço uma ova. DJ vai lá fora e chame aquelas donas de casas lá. 

Vi uma renca de mulheres passando com caderninhos e canetas nas mãos. Elas seguiam em direção á um grande supermercado no outro lado da avenida.

-Quem são aquelas mulheres?

-São as fiscais do governo. Elas fiscalizam os preços das mercadorias nas gôndolas dos supermercados. 

-Mas, e a SUNAB?

-Tá deixando correr solto. As mulheres são voluntárias e acham que estão contribuindo com a normalização da economia popular. 

-E, elas são assalariadas?

-Não, mas sentem orgulho de exibirem os brochinhos com a descrição: sou fiscal do governo. Vai lá, antes que a minha grana não dê para pagar a conta aqui.

O etiquetador balançou a cabeça, num gesto de desistência.

-Tudo bem, pode passar dessa vez. –o remarcador de preços temeu as fiscais do governo.

Saímos da mercearia.

     Eu já estou tão acostumado com a minha Mobí, que até ando á pés com a mão direita fechada movimentando para cima e para baixo, como se eu estivesse acelerando a envenenadinha. Meus lábios emitem o ronco do motor.

-Fumaça, cadê a minha Mobillette?

-Eu a vendi e depositei a grana. De acordo á inflação saltitante, daqui á três meses você vai poder comprar uma frota de motos DT 180.

-Eu não cometeria o mesmo erro que você cometeu. Á não ser que você me empreste o dinheiro pra eu pagar a frota antes de sacar a minha grana no banco.

-Eu dou um jeito. Mas aí eu terei que ser seu sócio. Dependendo do tempo gasto na transação, o meu dinheiro terá que passar por uma correção monetária também.

Ah nêgo esperto!

-Para onde vamos agora? –perguntei.

-Procurar a Demo Katia.

-Já sei. Ela está hospedada no Armários Clube aqui em Paldas Novas. É logo ali. Vamos andando mesmo, para economizar gasolina, senão, no entrar da bomba na boca do tanque, o dinheiro que te sobrou dará pra pagar pelo combustível, mas na saída, a Variant terá que ser deixada para o dono do posto em pagamento pelos cinco litros de gasolina.

-Pior de tudo é que eu nem sei se sobrou o equivalente á cinco litros.

-Então, vamos fazer rastros, nêgo dos pés de estojo de violoncelo.

Caminhando pela rua em direção ao clube, eu e recordo de uma vez que eu estive na Explanada. Eu vim numa excursão, dentro de um ônibus apelidado carinhosamente de Lata-velha. Vez e outra eu tinha que descer para pegar as calotas que caíam pela estrada. Mas o que mais me marcou, foi quando um amigo meu me convenceu de que se eu subisse até ao nascente do Rio Explanada, que seria no pé de uma serra que supostamente repousa um vulcão, eu conseguiria cozinhar ovos de galinha, pois do pé daquele vulcão origina-se as águas mais quentes de todo o complexo hidro térmico da região.

Comprei uma dúzia dos ovos mais caros que eu já havia visto e uma panela também mais cara de todas no estado de Toiás. Não que os ovos tivessem saídos da galinha dos ovos de ouro, nem que a panela fosse feita do mais nobre metal existente no planeta. É que na cidade das águas termais tudo é mais caro mesmo.

Pus-me a subir o morro, superando todos os obstáculos que surgiam, tais como pedras, mato, cobras e outros animais peçonhentos, até em fim chegar num lugar que eu julguei ser a nascente das águas caudalosas, pois eu confesso ter queimado a minha mão em uma pedra do lugar. Depois de constatar o alto grau de temperatura do rochedo, determinei ser ali o local de cozimentos da dúzia de casulos dos piupius.

Com cuidado para não escorregar e ser escalpelado pela água que eu julgava ser mais quente que vapor de caldeira, eu consegui encher de água a panela mais cara que os cálices do rei Salomão. Havendo colocado os ovos dentro da panela, eu tratei de depositá-la entre umas pedras onde a água formava uma represinha rasa e fumaçante. Depois de todo esse ritual efetuado, cuidadosamente eu fiquei de pé esperando que o conteúdo plásmico dentro das doze cápsulas brancas ovais viesse solidificar.

Três horas depois ainda de pé para não queimar as nádegas eu resolvi conferir o resultado, á essas alturas só restavam seis ovos porque de meia em meia hora eu quebrava um pra ver se havia cozinhado, para então voltar para o ônibus e comê-los com sal e pimenta-do-reino.

Resultado final: Se eu esperasse mais umas duas horas eu teria trazido de volta seis pintinhos para o meu amigo Fumaça agasalhá-los debaixo das asas.

     Chegamos.

-DJ, que maravilha é esse lugar! 

-Então Fumaça. Do portão dá pra imaginar que aqui pra ser o paraíso só falta ter Adão e Eva como proprietários.

-Como nós vamos entrar aí? Deve ser cara a diária. Use a sua identificação de agente especial do exército.

-Não vai rolar. A moral dos militares está em baixa. Mas, deixa comigo. –falei indo á portaria. Fumaça ficou hipnotizada que nem Alice na entrada do País das maravilhas. Não saiu do lugar nem pra me acompanhar para assistir a minha negociação com o porteiro.

-Bom dia, amigo. 

-Bom dia. O que deseja?

-Eu e o meu amigo, estátua de ametista sem polimento, viemos usufruir das regalias desta pousada.

-Vocês fizeram as reservas? –digitando um teclado sem tirar os olhos do monitor.

-Sim. Há três anos, eu e mais três companheiros deixamos pagas as nossas diárias, mas tivemos que partir antes do tempo. Confira no registro de entrada de clientes. Deve estar numa pasta-arquivo.

-Não será preciso senhor. Informatizamos todos os nossos registros. Se houve mesmo essas reservas, com certeza constarão aqui no computador. Quais são os nomes?

-Renato, Flávio, Diego e Divino Justino.

Os dedos dele correram soltos nas teclas.

 -Lamento senhor, mas para Divino Justino foi reservado apenas um período de três horas.

*Recordando: - Vai rápido DJ. Eles têm que estar aqui antes da hora do almoço. 

Oh Edileusa apavorada e muquirana duma figa. 

Quando eu me virei para dar a notícia ao Fumaça, ele já estava fungando no meu cangote. 

-Deixa essa parada para o economista Mariozan. –falou á mim, o Mariofumaça.

Afastei para trás e dei passagem ao barulhento.

-Olha, porteiro, eu sou o contador que cuida das finanças do senhor Divino Justino. Portanto, exijo que ele seja ressarcido. Devolva á ele a importância que foi paga pela hospedagem dele neste lugar, á três anos atrás.

O atendente franziu a testa, mas aos pouco, um riso foi se formando nos olhos dele.

-Eu não vou nem precisar chamar o gerente. –enfiando a mão no bolso. –Tome os cem paus e caiam fora daqui, seus pobretões.

A ofensa deixou Fumaça com os olhos faiscando.

-Calcule aí na calculadora do computador: Cem Cruzeiros, convergidos em Cruzados, vezes o equitativo inflacionário, mais juros e correção monetária correspondente á três anos de moratória, multiplicado por...

-Chega, chega. Considerem-se sócios desse clube.

... E o portão se abriu. 


                                                                              *


Não tínhamos bolsas, malas e nem mochilas para ás jogarmos nos sofás da suíte, mas fizemos com que nossas bundas se alegrassem um pouco por se sentirem aliviadas do desconforto dos bancos da Variant. Pra variar, depois de termos agraciado as buzanfas com a maciez da espuma dos confortáveis sofás, nós nos dirigimos ao barzinho dentro da sala. Ajeitei-me na cadeira alta rente ao balcão e esperei Fumaça calibrar o copo dele. 

-Pra mim não. –falei tapando a boca do meu copo.

-Se você quiser eu peço ao garçom que traga um suco de jabuticaba pra você.

-Suco de jabuticaba o caramba. De preto já me basta você.  Eu tô com vontade de fazer você beber essa merda vermelha aí, de uma vez só.

-De uma vez só eu não dou conta não. Mas até sairmos daqui eu garanto que esvazio a adega.

-Eu não duvido nada. Que negócio vermelho é esse aí?

-DJ, isso aqui é Campari. Só ele é assim. -fez o comercial da bebida e á bebeu de uma só vez.

-Só ele é assim o quê?-perguntei.

-Só ele é doce no começo e amargo depois.

Fiquei batucando o banquinho enquanto pensava um pouco.

-Então, vamos tomar banho e trocar de roupa. –sugeri.

-Você está sujo?

-Eu me banhei lá no quartel. 

-Então não precisa se banhar de novo. Deixe-me ver. -ele se aproximou de mim e deu uma fungadinha que quase sugou a minha camisa. -Você ainda está cheiroso.

-E você?

-Eu tomei banho antes de você.

-Faz o seguinte então. –falei. -Eu vou dar uma volta pelo hotel, e você vai tomar banho de novo. Quando você diz que tomou banho antes de mim, é porque a última chuveirada sua foi á uma semana atrás.  Eu vou ver qual o local melhor pra gente passar essa noite.

-Seu sem graça. –criticou entornando o copo.

Deixei o beberrão dentro da suíte e segui pelo enorme corredor que dá acesso ás dependências do Hotel/Clube. Do lado esquerdo eu vejo as piscinas, deques, e também um quiosque estilo cabana, com turistas bebendo em volta do balcão e outros, e outras dançando, erguendo os copos e cantando musicas acompanhados de um pequeno conjunto de instrumentistas que tocam violão, pandeiro, tambor e triângulo. Deve ser reggae ou música baiana.

*Esse tanto de portas nesse corredor deve ser das suítes. Tomara que os nossos vizinhos sejam gentes boas. -continuava pensando. 

-Ôpa.

-Foi mal senhor...

-Senhor? O que isso amigo... Pega a sua bandeja.

-Obrigado. -disse o garçom meio tenso.

Antes de soltar a bandeja eu observo o garçom, olhando fixamente nos olhos dele.

-Você foi maltratado aí dentro desse quarto não foi?

-Tem pessoas que parecem que estão de mal com a vida senhor...

-Pode me chamar de DJ. Mas o que foi que aconteceu lá dentro?

-O cliente requisitou uma cuba. Um guaraná e um chá mate. Só que ele não avisou que queria o chá quente, eu o levei frio, aí ele me perguntou qual o melhor jogador do mundo... Eu respondi que era o Pelé. Aí ele me xingou de burro e disse que era pra vir outro garçom pra atendê-los.

-Bom! Pelo que eu entendi, aí dentro tem três clientes. Empresta-me aí o seu blaser e a bandeja.

-Já sei! Você vai entrar lá se passando por garçom. -disse o rapaz tirando o blaser.

-Bingo. Você acertou. Empresta-me a bandeja também. Fala lá para os seus chefes que um cliente derramou as bebidas em suas roupas, e ele insistiu pra lavá-las.

-O meu superior não vai acreditar nessa história e vai querer vir conferir.

-Diz á ele que a religião do cliente exige que todo erro que ela comete com alguém ele tem o dever sagrado de repará-lo.

-Será que dá certo?-coçando a cabeça.

-Todo comércio turístico respeita a religião de seus clientes. -garanti ajeitando o colarinho.

-De onde você é?-quis saber demonstrando admiração.

-De Toiânia, perdido em Atrasília. Vai lá... Depois eu te devolvo as Coisas.

O garçom seguiu para o seu posto. 

Toc-toc.

-Sí. Lo que quiera?-perguntou-me o homem abrindo a porta.

Merda! Um vizinho de continente.

-Eu sou o garçom que veio trocar a sua bebida. -falei pausadamente.

-Usted és más um brasileño. Solo una cosa... Quien és el major jugador Del mundo?

*Esse gorducho é aguentinos.

 -Eu acho que é o Maradona.

-Bueno! Bueno! Usted comprende de futebol. -disse satisfeito e me puxando para dentro da suíte.

-Aquel és mi mujer. -o homem mostra á mim uma senhora gorda, sentada no sofá. -Esta és mi hija. –apresentou-me uma linda garota. 

*Caramba que gata!-Penso ao ver uma linda aguentina se aproximando de mim. É uma pena eu não saber falar o idioma espanhol.

-Olá!-disse ela.

-Olá! -disse eu.

O homem foi pegar o copo de chá gelado. A garota continua perto de mim que estou embasbacado com á beleza dela. Continuamos calados nos olhando.

-Eu gostaria de saber conversar com você, mas eu não sei falar sua linga. –confessei gesticulando batendo a mão no meu peito e no ombro dela, falando bem baixinho.

A garota ficou rindo sem deboche.

-Eu falo e entendo o seu idioma. -disse ela. -Nós moramos no Frio Grande do Sul.

-Áh bom!-exclamei sem graça. -Você vai ficar dentro dessa suíte o tempo todo?

-Não agorinha Á gente vai dar uma volta pelo clube.

-Eu tenho um amigo...

Lá vém o meu futuro sogro.

-Entonce usted conoce Maradona, El dios Del futebol?-Viva aguentina!

-Viva boca Juniors! -vibrei.

-Guita fuera. -disse o homem abrindo a porta. -Yo soi Riverplate.

-O que ele disse?

-Ele disse pra você sair pra fora.

-Anda. Guita fuera. –repetiu a desfeita pegando no meu braço.

-Ele quer que você vá embora. Você disse boca Junior. Ele torce pelo River Plate. Maradona é paixão nacional.

-Mas ele joga no...

-Bamo, Bamo. -O homem me apressa.

-Depois a gente se fala. Meu pai é muito fanático.

-Tudo bem! Tchau!

Saio com as mãos pra cima passando pelo gordo enfurecido.

-Hijo de La madre. -pronunciou o homem.

Voltei correndo para a suíte.

-Fumaça. –gritei fechando a porta. -Vem cá. 

-O quê que foi? -perguntou passando gel nos cabelo.

-Pra que gel nessas molas de binga? 

-Cê tá é com inveja.

Ignorei.

-Me diz aqui... Como é que a gente diz á uma garota aguentina que ela é linda, bonita, e o caramba que for, mas eu quero aprender falar coisas bonitas pra ela. Você fala espanhol?

-O Espanhol é fácil. Senta aí. Ò... Fala assim ó... La primera vez que te vi me enamoré.

-É fácil mesmo. –me animei. -Mas eu vou falar só isso? A garota é linda!

-Que jeito que é ela?

-Ela não é loira e nem morena... E nem ruiva. Ela tem a pele clara assim... depois você vai conhecer ela.

-Ela é gata igual a Lorrane?

-Muito... Não. Sei lá!  Depois você vai ver ela.

Fomos para o sofá, onde Fumaça iniciaria á me ensinar o idioma de “Los Hermanos”.  

-Cala a boca, senta aqui e me ensina a falar espanhol.

-DJ, com poucos minutos você aprenderá o básico pra ganhar essa gata. Vamos lá então... Fala assim pra ela: Chica que quiero besar tu boca.

-Chica! Mas eu nem sei o nome Dela.

-Chica quer dizer gata.

-Fala a frase toda. –Exigi.

-Gata eu quero beijar a sua boca. Você entendeu.

-Entendi. Fala mais aí. –pedi.

-Por que nós estamos falando baixinho?- ele quis saber.



                                                                              ***


Chegou a noite, fomos até ao bar molhado ao lado de uma enorme piscina. É sexta feira, o local não tem muitos turistas, mas para mim e Fumaça, as garotas que estão por aqui são suficientes para trocarmos com elas um pouquinho de prosa.

-Fumaça, olha essa ali de lencinho cor de rosa amarrado na cintura.

-O quê que a gente vai beber? –Quis saber se sentando na cadeira de plástico branca.

Eu também me sento.

-Vai lá e busca alguma coisa pra gente beber, por que aqui não tem garçom não. 

Ele obedeceu e foi até ao balcão. 

Eu estou me sentindo um estranho. Alguns rapazes passaram por mim, de mãos dadas ás suas garotas e se sentaram nas cadeiras, ocupando as mesas com suas bebidas tropicais, e também bebidas enlatadas. 

De repente eu vejo a filha do aguentino fanático, chegando e se sentando sozinha ao redor de uma mesa um pouco distante das demais.

*È ela! 

Fumaça se aproximou com uma laranja e um caqui.

-Qual que você quer?

-Por que você não trouxe uns ponches?

-Os preços das bebidas aqui, já estão super inflacionados. Teríamos que ser sócios majoritários.

-Me dá a laranja... olha ali quem chegou.

-Aquela lá é a aguentina? –fez essa pergunta sugando a água do coco pelo canudo. –Ela se parece com a Demo Katia. Só que menos loira.

-É ela mesma. Espera aqui. –falei me levantando. 

-Aonde você vai? 

Não respondi e segui em direção á ela.

-E seus pais? Onde estão? –perguntei encarando-a nos olhos.  Comigo é oito oitenta.

-Ficaram na suíte. Eles acham que está um pouco frio aqui.

-Más, o Frio Grande do Sul é muito frio.

-Sim. Mas tem apenas dois meses que nós moramos lá. Nós viemos pra Toiás fugindo do frio. Talvez viremos morar aqui.

-Em Paldas novas?

-Não. Em Toiânia. Capital.

-Que bom! Eu sou de lá.

-Que coincidência legal! –disse ela. 

Eu e ela sorrimos olhando um nos olhos do outro.

-Você não quer me convidar para sentar um pouco para conversarmos mais á vontade?

-Nós já estamos conversando. –ela respondeu me deixando de cara no chão.

-Você fala tão bem o português.

-Eu gosto de estudar outras línguas. –disse ela levantando para sair.

-Espera! – a impedi de andar. -Eu decorei algumas frases pra te dizer.

-Eu prefiro poetas autênticos. –falou voltando á andar.

Dei uma olhada para o Fumaça que já estava conversando com uma morena em volta da mesa. Ao voltar á atenção para á aguentina, ela já havia se retirado uns dez metros de distância.

*Beleza! Ela quer que eu á acompanhe. 

-Hein moça! Espere! –apressando os passos. Ela apenas deu uma viradinha para trás e continuou andando. Eu a alcancei. -Eu poderia ser autêntico falando no meu idioma. –falei tocando o braço dela e fazendo-a parar. -Você é muito bonita! –tocando o rosto da garota. 

-Gracias. También es un niño hermoso. 

-Olha, se for pra falar no seu idioma eu não vou conseguir ser autêntico.

-Eu quero ouvir o que você decorou pra me falar. –disse pegando em minha mão.

-Vamos nos sentar ali naquele banquinho. 

-Se a gente se sentar ali, o meu pai logo vai nos ver.

Ao ouvi-la, peguei na mão dela, e nós dois encostamos ao enorme paredão lateral do hotel/clube.

-Por favor, não ria de mim. –pedi.

-Claro que não.

Penso um pouco para pronunciar.

-Ojalá pudiera darte un beso. –falei pondo a mão entre os cabelos e á orelha dela.

-Confieso que yo también quiero besarte ahora. Mas, o meu pai está bem atrás de você nesse instante. 

Virei-me e dei de cara com o homem que se tornou o maior desafeto de todos os tempos.

-Hijo de la madre, lo que quiera con mi hija?

Saída de emergencia. Cebo nas canelas. O baixote ficou me excomulgando e fazendo juras de me arrancar o escalpo. Podia jogar truco sobre minha camisa ás minhas costas.

Eu quase derrubei a porta. Se ela estivesse trancada, eu a arrancaría com potal e tudo. Nessas horas de fuga alucinada a gente perde o freio.

Na suíte, Fumaça estava escolhendo algo para dosar os copos que ele já havia colocado no balcão do bar.

-Que cara é essa, DJ? Você não conseguiu conquistar a garota?

-Você só me ensinou dizer eu quero te beijar, te namorar, e você é linda, Em espanhol, e ela não quis nem saber desse papo furado. Aí me apareceu o gorducho. –ofegante, fiz o relato. 

–Bebe uma, só de raiva. 

Enquanto ele serve as bebidas eu penso. Eu vou fazer ele parar de beber.

 –Áhhhhhhhhhhhhhhhhh! – falei prolongadamente.

-Caramba! -disse se assustando. –O quê que foi DJ? Merda! Eu quase quebrei a garrafa de licor. –com uma mão segurando a garrafa e a outra no peito. –Fala logo DJ!

-Ela me perguntou se eu bebia bebida alcoólica, eu respondi que não. Aí ela me disse que as pessoas que bebem são propensas á receberem os espíritos que vagueiam nas trevas, vindos de outras dimensões.

Dessa vez eu fiz cara séria para fazê-lo acreditar no que eu disse.

-Eu não vou beber mais não, - assustado e arrepiado.

-Você pode beber se quiser. Na escuridão das trevas, nem os espírito te enxergam. 

-Eu hem.! Quero não. –tampou a garrafa e guardou-a. – Aonde nós vamos? –perguntou saindo detrás do balcão.

-Eu vou é dormir cedo.

-Eu soube que vai haver um baile no salão de festas, Porão. Antes de ir ao baile, eu vou pitar um fininho, já que eu não bebo mais.

E o meu tiro saiu pela culatra. O fininho dele é da grossura do tronco do braço do aguentinos pequenote e furioso. 



                                                            ***


Vestimo-nos á caráter de uma conferência anual dos chefões da máfia americana dos anos 40. O salão está lotado de gente bebericando em taças de cristal. Eu acho que nós entramos de penetras em uma festa financiada por Al Capone e sua trupe. 

Nossos trapos não serviriam para nos colocar á altura dos bem vestidos que estão presentes nesse baile. Felizmente, encontramos as roupas que foram deixadas pelos nossos três antecessores, Idiota, imbecil e calhorda. As roupas de fino acabamento, deixadas por eles vieram bem á calhar para mim e Fumaça. Vestidos com elas, evitamos sermos barrados no baile. Fumaça já engoliu duas azeitonas que acompanhava as taças de Martini que nos foram servidas. Ele me garantiu que não vai mais beber bebida alcóolica. O efeito da maconha o faz ficar perseguindo as bolinhas coloridas projetadas no piso pelo globo da iluminação. Feito um calango ele fica balançando a cabeça. A viagem dele está sendo louca. Se eu não puxar assunto com ele, os garçons vão pensar que ele é epilético.

-Ô malandro lagartixa, daqui á pouco você estará dando convulsões. –o chamei de volta á realidade. Ele me olhou, com os olhos em brasas e com o olhar apagado. 

-DJ, você está se parecendo com o Frank Sinatra universitário. –disse, cofiando o queixo.

-Então somos dois astros da música amerdicana arrasando nessa festa. Você só precisa por óculos escuros para ficar idéntico ao Steve Wonder.

-Eu sou fã daquele negão.

-E quem não é?

♪I just Call, to say i love you. - fizemos um dueto.

Já rimos muito por vermos uns homens de queixos empinados, caras de maus, e com roupas que os fazem parecerem gângster. Isso aqui está muito masculinizado. Mulheres que abanam leques ficaram nas suítes. Fumaça está ao meu lado, tal como eu estou sentado, de costas para a parede. Em locais que só tem ratos machos, gatos ficam constantemente na defensiva. Ficamos observando os movimentos e gestos comedidos de todos os convidados que transitam pelo salão. 

-Ô Fumaça, me diga uma coisa, a instituição da democracia privou os homens de serem acompanhados por suas esposas?

-Dependendo do que for decidido aqui hoje, elas continuarão pilotando fogões em suas casas. Mas, eu acho que os maridos ás deixaram em suas residências por precaução. Aqui só tem gente esperta. Políticos não confiam uns nos outros. 

-Festa sem música não rola, Fumaça.

-Eu soube que o cantor Quiabuza compôs uma música especialmente para essa reunião de figurões, e ele viria cantar ao vivo.

-E por que não veio?

-A letra passou por uma análise pelos homens da censura antes de serem confeccionados os convites para a festa. Logo na primeira estrofe o analista entendeu que Quiabuza não foi nem convidado para a festa, muito menos para cantar. A apresentação foi cancelada. Quiabuza está cuidando do estacionamento nesse momento. Eu vou dar á ele uma carteira de cigarros, se de vez em quando ele correr o olho na Variant. 

-O que você achou da música?

-Bem assertiva. Quiabuza errou apenas em um trecho. 

-Qual?

-Numa parte em que ele diz que a festa é para pés rapados como á nós dois. 

Continuamos só observando os poderosos em seus lugares. De vez em quando, uns riem, outros fecham as caras para os seus interlocutores. Outros ignoram as presenças de outros. Fumaça conhece todas as personagens célebres que aqui se encontram.

-Nêgo, quem é aquele que a silhueta dele se assemelha ao cabo de uma vassoura?

-Não estou vendo.

-Perto da tribuna do orador. Lá está ele liberando o garçom para servir o companheiro dele.

-Vi, vi. É o liberal Magro Masquieu. Comandante do gabinete da presidência. 

-E aquele do lado esquerdo da coluna de sustentação do teto, com duas taças nas mãos?

-O das sobrancelhas grossas e desgrenhadas?

-Ele mesmo.

-Limonel Pistola. Foi o homem de confiança do finado Mergulho Barcas. Socialista por convicção, de muita influência. Não serão alguns Martinis que o derrubará. O homem é resiste. 

-Do outro lado tem um sisudo com jeito de general do exército, com os cantos da boca caídos. Quem é ele?

-Vixe, se depender dele, a ditadura ficará presa aqui no Porão Clube. Ele é perseguidor ferrenho da ditadura. 

-Diz logo como ele se chama miolo de escapamento?

-Fuzile Queimacãs. Por ele os ditadores já teriam sido fuzilados e queimados em praça pública. Provavelmente ele será candidato á presidente do Atrasil, no ano que vém.

-Só têm democratas aqui.

-Aspirantes também. Você tá vendo aquele barba-negra sindicalista sentado á mesa do canto e esbravejando com o maitre?

-Vejo.

-Ele é o porta-voz dos metalúrgicos, mas quer defender toda classe trabalhadora...

-Então é por isso que ele está discutindo com o chefe dos garçons. –deduzi.

-Com certeza ele deve estar reivindicando melhores condições de trabalho para os serviçais dessa festa. Aquele maitre é que se cuide. O nome do defensor dos mais fracos é Gula da Silga está fazendo um reboliço na vida dos empregados e empresários do ramo da metalurgia...

-Fumaça, tomara que ele não faça esse evento virar um PeTêco.

-Torçamos para que isso não aconteça, mas se acontecer, pior que isso não fica. Tá muito sem graça aqui. Eu vou queimar uma pontinha lá fora. Agorinha eu volto.


Minutos se passam.  Horas se completam. E nada de acontecer algo marcante nessa noite de festa. Começo á bocejar. Alguns dos mais notórios homens do baile sem música já foram se reunir em uma sala reservada. Gula da Silva já manifestou a indignação dele em respeito á demora, para que os assuntos referentes á Constituição Federal sejam logo discutidos e desfechados. Nesse momento, ele está no centro do salão, puxando a brasa para a sardinha dele. -Com eloquência e voz estalada, ele bota á todos para prestar atenção nas promessas dele.       

–Nunca na história desse país houve tanta morosidade e falta de boa vontade para solucionar os problemas que afetam a classe operária. Eu lutarei em prol de todos os trabalhadores, e serei o melhor presidente da história desse país. Nunca na história desse país haverá um governante mais competente que eu. Nunca na história desse país... 

-E aí DJ, o que rolou? –Fumaça, perguntou se sentando.

-Nessas duas horas que você esteve viajando por aí, não rolou nada ainda.

-Eu quero te contar uma coisa muito reveladora. 

-Fala, Fumaça.

-Três caras estão tentando fazer parte do diário da sua garota. Mas o pai dela quer pô-los pra correr.

-Aquele aguentinos não gosta de nós brasileiros. Eu vou acertar as contas com ele. 

-Venha comigo, eu te levo onde eles estão.

Deixamos para trás a festa mais chata de todos os tempos. Fumaça ia me conduzindo  em meio ao breu da escuridão.

-Me dê a mão, Fumaça, senão eu me perco de você.

-Vem, vem, é ali.

Passamos pelas piscinas e quadras poliesportivas. Uma lâmpada acesa clareava a entrada de um silo. O imbecil do Fumaça nos fez circular o Porão onde é realizado a festa.

-Nêgo, seu solvenizeiro da Jamaica, estamos na parte do fundo do Porão.

-Eu errei o caminho. Chegamos. Escuta a baderna lá dentro.

Colamos as orelhas na porta.

“Não, assim nós não aceitamos, tem que ser do nosso jeito, senão, todos vão ser fodidos”

-Tá havendo uma suruba lá dentro Fumaça. Aquela putinha vai se ver comigo. 

-O que você vai fazer?

-Afaste-se. Eu a flagrarei. -dei cinco passos para trás e arranquei com ímpeto total contra a porta de duas bandas.  -OOOOOOOpaaaa. –passei direto pela porta aberta e me trumbiquei em cima de uma mesa. A minha entrada seria estrondosa, se o meu parceiro não tivesse abrido a porta. O meu estômago foi se colar ás minhas costas. Quando eu me recompus, percebi que todos os homens haviam evadido do local. Não vi nenhum deles. Havia uma folha de papel timbrado, com um escrito: Carta mágica ideia nocional. –Tá tudo borrado, mas eu acho que é isso mesmo que está escrito. Guardei-a no bolso da minha calça. Notei que uma mulher toda esculhambada queria sair sorrateiramente. Era a filha do aguentino querendo fugir pela porta, a qual eu passei vazado por ela. Mas

Fumaça á impediu, segurando-a pelos braços.

-É ela, DJ. A mulher que nós procuramos.

-Demo Katia. –gritei. 

-DJ. –ela vem correndo em minha direção. -Socorro. Não me levem para Atrasília. 

-Sim, te levarei. De gente sem vergonha, lá já tá transbordando, mas cabe mais uma. O meu parceiro te viu sassaricando em grupo. Você foi fuçada e bulida.

-Eu fui estuprada...

-Sua sem vergonha, você estava era estuprando. Terá que se virar com pessoas do seu naipe.

-Não, DJ, não faça isso. Você estará pondo tudo...

-Calado Fumaça. –peguei no braço dela. –Vamos, o preletor fará um bem enorme ao te apresentar á todos e revelar o conteúdo de seu diário pessoal. Abra essa porta ali, Fumaça. Detrás dela está sendo realizada uma cerimônia de apresentação dessa vagabundinha. 

Fumaça, sem querer, me obedeceu, e, estávamos de volta ao salão da festa mais chata de todos os tempos. Fui puxando Demo Katia até a tribuna. Que rufem os tambores. Eis que eu vou trago a única estrela feminina de uma constelação. Vestido branco de seda. Tamancos Luís XV, de salto esquerdo quebrado. Batom vermelho, borrado. Hematomas no rosto e nos braços. Cabelos espevitados. Não cheira á maconha, mas a noite de orgia dela estava sendo louca. 

-DJ, não cometa esse erro. –Fumaça me redarguiu.

-Se você está com pena dela, fique com ela pra você.

-Cê que sabe. –disse, ficando para trás.

Segui á tribuna. A multidão estava estarrecida diante de tal cena. Demo Katia esperneava, mas eu á seguro firme e decidido.

-Pegue preletor Fuzile Queimacãs. Apresente essa dama da noite á todos. 

-Onde está a carta de apresentação dela?

-Está aqui comigo. –passei para ele. 

-Vocês não podem instituir a Constituição com essa carta. Ela foi adulterada. –disse ela.

-E você é uma adúltera. –falei. –Siga com a desmascaração, senhor. 

-Senhoras e senhores. –disse o preletor na tribuna. –Eu apresento á todos vocês, a nossa convidada de honra, Demo Katia. -esperou, mas não vieram as palmas. Apenas olhares desconfiados.

-Leia a carta dela para todos saberem quem é ela, preletor Queimacãs. É você que está mais interessado na tal Democracia mesmo.

-Não temos mais tempo, ela terá que ir imediatamente para Atrasília.

-DJ, DJ. –Fumaça, me cutucando.

Inclinei a cabeça para o lado dele, para ouvi-lo, enquanto eu observava a Demo Katia toda estrunchada sendo levada pelo preletor. Eu começava á pensar que ela não é uma Demo Katia, sim uma Bis Katia.

-O que foi nêgo?

-Você está vendo àqueles três sujeitos que estão saindo de fininhos?

-Tô. São o Renato, o Flávio e o Diego. Deixa comigo. Eles estavam atrás dessa Biscate desde 1985.

Corri até aos três, e os alcancei.

-Viram, como se cumpre uma missão, seus três incompetentes?

-Essa Demo Katia aí é uma prostituta. Ela passou pelas mãos de muitos homens lá dentro daquele cômodo reservado. –Renato apontou para a mesma sala onde os homens notórios foram se reunir minutos antes.

-É por isso que ela está toda esculhambada desse jeito. Parece que tem um século de idade. –falei. 

-Ela estava com a carta-documento dela, mas foi adulterada. –Flávio informou.

-Não seria a Carta magna que seria revisada aqui hoje para ser enviada á Atrasília?

-Justamente. Nós três não concordamos em participar daquela sacanagem.

-Por que vocês não denunciaram esse estupro ideológico? O povo atrasileiro dependerá muito do teor daquela carta. Tudo indica que a Demo Katia não será levada á sério e nem respeitada, por razão do que aqueles infelizes fizeram com ela.

-Nós não temos culpa. –Renato falou pelos três.

-Ah, mas tem sim. Vocês presenciaram tudo e terão que pagar por terem sido omissos.

Quando eles me viram arregaçando as mangas da minha casa, perceberam que levariam a maior surra das vidas deles. 

Correram em disparada. Eu iniciei a perseguição. Corre para um lado, corre para o outro, até que...

-Pare DJ. Chega. Nós nos rendemos. –Renato pediu arrego próximo á borda piscina. -O que você quer que a gente faça para nos redimir?

Flávio e Diego vieram até á nós.

-Vou dar uma chance á vocês três. Vão direto para Atrasília. Façam acordos com os maiorais e limpem a barra da Demo Katia. 

-Combinado. Vamos embora, companheiros. 

Foram.

Com as mãos na cintura eu fico vendo o meu reflexo na água da piscina. Estou decepcionado comigo mesmo. Mereço ser castigado ao invés da população atrasileira.

Vejo outro reflexo detrás do meu. É ele.

-Hijo de la madre. Usted envió a la niña al lugar equivocado. – falou furioso.

-Ô aguentino filho da mãe, a sua filha estava cansada de você. E á partir de hoje nós dois nos tornamos os maiores rivais um do outro.

-Idiota, ella no es a mi hija. Esa puta era que iba a llevar al Ingleses. Me gustó de los atrasileiro. Pero ahora, no me gusta más.

E assim surgiu a rivalidade entre os atrasileiros e os aguentinos.

-Que tal, decidirmos essa situação, no palitinho. No futebol, vocês aguentino não são páreos para nós.

-Vamos a discutir el valor y coraje de nosotros aguentinos y los atrasileiros.

-Eu não sou de violência. –falei já em retirada.

-Te voy enseñar como ser valiente y guerreiro. -correndo atrás de mim.

Escorreguei na borda da piscina e... Tchabummm.



                                                          ***


Nossa, que sonho mais tenso. Onde já se viu um cara corajoso como eu, correndo de um argentino baixote maluco? 

“Em Brasília, 19: 45“

Ainda está passando a Voz do Brasil. Mas que noite longa. Vou voltar á dormir. 




                                                             ###



Como eu disse no início, com uma frase originalmente minha: - O ser humano cria conceitos, e ao discutir sobre eles geram seus preconceitos. –Vamos tratar destes mesmos conceitos, mas, sobre á ótica da democracia.




























                                                         

                             INÍCIO DA DÉCADA DE 90.                                                            

     


-Acorde Soldado DJ atrapalha missão. 

Eu não sei o que eu estou fazendo no leito de uma enfermaria.

Olha só quem me aparece: um conscrito mochileiro, metido á instrutor de treinamentos. O magricelo não deve dar conta nem de superar os obstáculos dos percursos, e ainda quer pagar de maioral. Se continuar, ele vai ter que procurar outro quartel. 

-O que eu estou fazendo aqui. –pergunto esfregando o rosto.

-A bela adormecida, ferrou com a ditadura militar.

-Quem é você, ô Tigre dente de Sabre? É a primeira vez que eu te vejo de corpo inteiro. Seus dentes são iguais tapumes de construção civil. –falei tocando os pés no piso.

-Eu sou novo nesse departamento, mas os seus colegas já me passaram o seu currículo. “Missões desastrosas”.  –e riu feito um menino na frente de um palhaço. O cara nem me conhece e já chega tirando uma. Se continuar, ele vai ter que procurar outro quartel.

-De quem você está falando seu filho da mãe do caralho, e que merda é essa de missão?

-Missão Salve o Atrasil. Mas, você o destruiu. Nós militares nacionalistas, éramos os maiorais. Agora, ficamos em segundo ou terceiro plano. Entendeu imbecil? Até o lençol dessa cama é importado.

“Pow.”

-Você quebrou o meu dente, seu filho da...

“Pow.” Novamente.

-Importe outro dente, babaca. Vaza daqui, ou eu terei que te deixar em situação de fim de carreira por invalidez, ou te exportar para outro quartel.

Ele foi tapando a boca. No piso ficaram dois pedaços de dentes tão grandes como a rampa do planalto. 

De repente vejo entrando na sala, uma mulher vestida de capitã, mas com cara de general com má digestão. Ela tem uma prancheta com folhas em branco nas mãos. De cabelos soltos ela seria mais bonita ainda. Sentou-se. Deve ser a dentista que veio cobrar de mim dois quilos de massa dentária para consertar os dentes do soldadinho banguela.

-Seu nome completo, soldado. –inquiriu sem dizer boa noite, ao menos.

-Divino Justino, DJ.

-Você consegue me dizer qual foi a sua primeira missão no serviço militar?

-Em minha primeira semana no alojamento, eu tive a missão de encontrar quem foi o filho da mãe que amarrou os cadarços dos meus coturnos, um no outro.

-Com certeza foi uma aventura e tanto. –disse ela anotando na folha sem me olhar.

-Dentro de um banheiro a maior aventura é cantar debaixo do chuveiro.

-Você o trancou para impedir que ele estivesse no refeitório na hora do almoço?

-Eu deixei a porta aberta...

-Diz logo o que foi que você fez com ele. –agora me olhou e cruzou os braços sobre as pernas.

-Eu o enfiei de ponta cabeça no vaso sanitário.

A psicóloga inflou as bochechas, fechou os olhos e se recompôs.

-Você vai anotar esse acontecimento?

Não respondeu.

-O que um rapaz igual á você, faz na divisão de fuzileiros do exército?

-Servir á população brasileira.

-Não seria servir a pátria?

-Ela já está bem servida de riquezas naturais...

-Tudo bem. Fale de Demo Katia. Você se lembra de alguém com esse nome?

-Eu a conheci em Paldas Novas, mas, á exportei para Atrasília. 

-Não houve nada mais entre vocês dois?

-Sim. Ela era uma piranha das mais insaciáveis. 

Olhou-me com sisudez, mas, eu notei um leve sorriso nos lábios dela.

-Fale de Demo Katia somente.

-Só sei que ela é tão sem vergonha quanto bandida. 

-Você a enviou á Atrasília. O presidente não gostou de tê-la como residente e de ter tido o tempo de mandato dele reduzido. É pra paga pelo que ele fez com o ex-presidente Grão Figorredo.

-E por onde anda o Grão? 

-Ele não compareceu á cerimônia de entrega da faixa presidencial, e saiu pela porta dos fundos para não ser lembrado pela população, como sendo ele conivente com os traidores. Desde então, nunca mais ele foi visto.

Pelo menos, ele será lembrado como sendo o último general á governar Atrasília por intermináveis seis anos. 

-E o atual ex-presidente Juré Euquiarmei? Ele também acha que eu sou um traidor?

-Fim da sessão. –disse, se levantou. O seu veículo está com o seu amigo na portaria do quartel.

Belo rebolado, o dela.  Eu fico á ver navios dentro da enfermaria... 

Quer saber? Tchau quartel.

Na guarita eu vejo o Fumaça todo sorridente em cima da minha mobilette.

     -Fala aí DJ, como é que eu fico dirigindo essa danada?

     -Igual á um besouro trepando num gafanhoto. –pulei na garupa. - Pilote a máquina, nêgo. A minha cabeça está um pouco zonza. 

    


                                                    ***


Ao entrarmos na casa, me deparei com mobílias novas e esteticamente mais apresentáveis. Particularmente, o que mais me chamou atenção não foram os móveis da sala ampla com sofás confortáveis e aparelho televisor sem tubos, com espessura de uma caixa de fósforos, gigante, mas sim, a geladeira branca com o congelador separado do refrigerador. 

-Essa geladeira é bem mais legal do que a minha, aquela geringonça que para manter a porta dela fechada eu tinha que usar uma câmara de ar de pneu de bicicleta. –confessei enquanto eu devolvia a garrafa de água á moderninha.

-A democracia está trazendo progresso e desenvolvimento econômico ao nosso país.

-Isso é bom. –assenti depois de beber a água e por o copo na pia de granito com bacia inox. –Antes, a pobreza era tanta que, eu me transformei em engenheiro mecânico para manter a minha Mobí funcionando.

Mariozan, ao me ouvir, levou as mãos á nuca e uniu os cotovelos numa demonstração clara, de desânimo.

-Sente-se aí nessa cadeira.

A minha bunda agradeceu pela cortesia. A cadeira almofadada não beliscou as minhas cochas quando eu sentei.

-E os três patetas que foram para Atrasília para resgatar o valor da Demo Katia? Vai ver, eles ferraram mais ainda com a população.

Friccionou as mãos uma á outra.

-Nada disso, eles tentaram ajudar o país, mas foram logo depostos dos seus ministérios.

-Explique-se. –pedi.

-Pois bem, - pressionou os dedos, fazendo-os estalarem. – O Flávio Socialista, assumiu o ministério do desenvolvimento econômico e implantou um sistema de distribuição de renda favorecendo os mais pobres. Com esta política, ele estava conseguindo sucessivamente erradicar a pobreza extrema dos menos favorecidos no país. Mas, infelizmente, ele foi exonerado do ministério, por ter sido considerado antidemocrático, pelos elitistas do governo, que acham que o socialismo não pode ser aplicado em um país o qual o capitalismo impera.

-Êh, êh, socialismo funciona melhor com o capitalismo. Sociedade sem capital financeiro não rola. Há de se entender de onde vem esse capital.

-Correto, mas a alegação da oposição foi que os grandes e mais ricos seriam prejudicados ao dividirem suas riquezas com os mais pobres, porque democraticamente, isto é injusto. Com este argumento, o sucessor convenceu a maioria no congresso, e, o Flávio socialista deixou o ministério.

-Puxa vida, mas que argumento pífio. Era só fazê-los entender que numa sociedade, entre os sócios existem aqueles que possuem uma porcentagem maior, e outros menores. Socialismo não quer dizer sociedade entre ricos e pobres, sim divisão justa da riqueza gerada pelo país, entre a população e o próprio estado federativo. A população comum ficaria satisfeita com apenas um pouco do montante arrecado pelo estado. O nosso país é rico de riquezas naturais e grande gerador de receitas em todos os setores da economia.  E, o capitalismo sendo utilizado de forma consciente e honesta, incentiva á pessoa á enriquecer de acordos o seu empreendedorismo. Tipo assim: a minha parte é cinco mil. Com essa grana eu monto uma oficina de mobilete e vou ganhar mais grana se der certo o negócio. A parte do Fumaça é dez mil, mas ele á usa para fazer um implante de cabelos lisos, a genética capilar dele rejeita o implante, vai cair tudo provavelmente. Isso mostra que ele não foi um bom empreendedor e perdeu toda a grana dele numa vaidade idiota.

-Os elitistas alegam que o socialismo impede o crescimento econômico interno e externo e anula as possibilidades de competir com as grandes economias do mundo. Importação, exportação, etc. e tal.

Fumaça levantou-se e foi à geladeira e pegou duas maçãs. Uma pra mim e outra para ele. Diplomaticamente, ele ás lavou e as enxugou com uma flanela branca e asseadíssima. Quis descascar a minha maçã como ele fez com a dele, mas eu, conservadoramente á comi com casca e tudo.

-Eles negam o socialismo entre a população e o estado de direito, mas utilizam dele para uma sociedade entre eles mesmos. Ou seja, o tesouro nacional é divido entre eles no congresso. 

-Os tempos mudaram, mas, e o Diego? –perguntei.

-O Diego Comuna comandava o programa de inclusão social, dando á todos os pobres o direito de terem educação, emprego e moradia. Estava indo bem, mas não agradou a ala elitista que não apoiou a ideologia comunista funcional da gestão dele.

-Mas que mal há em um comunismo aplicado em um país rico economicamente e de desigualdade social estratosférica? Seria uma mudança de posição benéfica aos dos mais baixos níveis sociais. Os pobres teriam educação, moradia e emprego, assim como as melhores condições financeiras, comumente os têm. Mas, esta conversão de direitos á bens sociais, não quer dizer que seja uma inversão de classes sociais. É simples entender tudo isso.

-Eu também penso assim, mas já não podemos mais seguir as nossas próprias convicções.

Enfio as unhas no meu couro cabeludo, tentando não me deixar ser tomado pelo sentimento de culpa pela minha irresponsabilidade por ter enviado uma prostituta no lugar de uma donzela.

-O que você me diz do Renato progressista?

-Também foi exonerado do ministério da educação. A metodologia dele era o progresso do intelecto, e até aonde ele chegou com sua gestão, tudo estava funcionando muito bem. Mas, a elevação intelectual da população traz dores de cabeças ao governo e aos seus secretariados.

-E por quais ideologistas estes três idealistas foram trocados.

-Pelos idiotologistas: fascismo, alienismo e o comodismo. Mas ainda resta uma esperança. Podemos resgatar a moral dos nossos parceiros e empossá-los em seus ministérios.

-Não tem como. Eles foram exonerados. Não tem mais volta.

-Sim, tem. A democracia concede á eles o direito de serem reempossados.

-Então, eles foram apenas afastados temporariamente.

-Isso. Não foi isso que eu falei?

-Não, nêgo idiota. Você disse: exonerados.

-E não é a mesma coisa?–o imbecil falou tirando alguma coisa do bolso da calça. 

Hum, maconha.

-Nêgo, antes de você acender o cachimbo da “náis”, me fale sobre o novo Atrasil.

-Vou falar rapidinho porque eu tô na fiçura por um back. A inflação está em alta. Isso é bom para o rendimento da poupança. A grana que eu consegui vendendo a sua mobilette continua rendendo juros estratosféricos. 

-Se eu perder tudo outra vez, eu te darei um murro que te lançará na estratosfera.


                                                                 *


Conferi a minha lista de afazeres para hoje e resolvi deixar tudo pra segunda feira, afinal de contas, a noite de ontem não deu pra eu curtir o quanto eu tinha pra curtir. –a grana era pouca. Mas agora eu tô podendo. Pensei em ligar pra Anamara e fazer minha Mobí ficar parecendo o meião do flamengo. Eu de calça jeans e camiseta branca, ela, toda de preto em cima da minha vermelhinha. 

Resolvi dar um grau na Mobí. A última revisão foi feita na década passada.

      -Ô DJ! Seu farol já está trocado e montado.

-Beleza Fausto. Quanto é a parada?

-Quarenta Cruzados.

-Caramba! –quase gritei. -Você trocou só o farol, ou comprou um estoque pra loja?

-O farol é importado original... Você sabe como é né?

-Qual é Faustão? Por esse preço eu compro até os refletores do maracanã. Desse jeito eu terei que ir á concorrência internacional.

-Você é engraçado. –disse, rindo de mim.

Percebi que não adiantava mais chorar.  O filho da mãe pegou minha nota de cinquenta e saiu enfiando a chave de fenda no bolso da calça indo até ao caixa da Autopeça onde eu entrei pela á ultima vez. Se aqui fosse autopeças para aviões e ele trocasse o farol de um jato ainda assim o dono do jato não sairia tão lesado igual á mim.

Dizem que quem canta os males espantam. Eu canto muito, mas eu fiquei mal com o batedor de carteira do Faustão.

-Traga o meu troco logo, ô... eletricista da base aérea. –gritei pra todos ouvirem. Inclusive o dono.

-Tá aqui seu troco. Valeu DJ!

-Valeu os olhos da cara. –falei guardando o meu troco. 

A minha próxima missão será contra a corrupção. E, eu a atacarei começando pela cambada mais estúpida. O fausto me roubou na cara dura. Uma lâmpada de farol não vale mais que 5 Cruzados. 

Depois de sair da autopeça que deveria se chamar autoroubo, eu cheguei ao orelhão para fazer mais uma de minhas ligações. Com certeza, os cartões teriam ajustes tarifários também. Hoje em dia, quando a gente pega uma mercadoria na prateleira e vai ao caixa para pagar por ela, a atendente avisa que o preço subiu naquele instante. É a inflação.  Aí eu canto aquela música: Meu Deus pra quê tanto dinheiro, dinheiro só pra gastar. Que saudade eu sinto do Cruzeiro... 

Atendeu.

-Anamara. G. Lobo, você se lembra da minha voz.

-DJ, que bom te ouvir. Venha me encontrar na confeitaria do planalto.



                                                         ***



Se você marcar o primeiro encontro com uma mulher que está sempre á frente das notícias, chegue antes dela ao local combinado, no mínimo uns dez minutos. Assim você terá tempo para dar uma conferida no visual. Se for numa panifichonete como a que eu estou, sempre existem vitrines pra servir de espelho pra você verificar se a camiseta está legal e se a calça não está manchada atrás, por causa do óleo da mobilette. No meu caso, eu não corro esse risco por que, a minha ainda está zera. -com exceção do farol, dos pedais e do banco que já está com rachaduras idênticas ás do solo da Caatinga Nordestina. 

Eu preciso conferir o meu cabelo, mas, pra isso, me inteirei de que no local onde estou tem um banheiro na lateral do fundo do estabelecimento, e com certeza vai ter um armarinho-espelho logo á cima do lavatório. Fui lá, conferi e voltei. O espelho estava quebrado e o vaso trincado. Andando em direção á mesa, sem desviar o olhar, da balconista mais gata do mundo, eu percebi que o patrão dela é cruel, muito cruel. Ele deu á ela um jaleco que mais se parece uma batina de padre. Se batina de padre for da mesma cor branca, eu acho que roubaram a vestimenta do sacristão da Abadia de Westminster, e deu á ela de presente. Mas ela é tão bonita que se ela fosse invisível, ainda assim, seria eleita á miss balconista do estado do universo. 

Saí fora do Vinícius á tempo, pois, mesmo ele não sendo fotógrafo, poderia ter queimado o meu filme. Ele é gente boa, mas as garotas ficariam surpresas em me ver conversando de perto com um aspirante á bailarina.

Sentei-me de frente para a porta e vi Anamara chegando com uma loiruda que parece ter fios de cobres na cabeça, em lugar de cabelo. 

-Oi DJ. -Anamara me cumprimentou se sentando de frente á mim.

-Oi Dhei!-a loiruda abreviou meu nome sorrindo e me estendendo a mão.

Eu achei muito espontâneo o sorriso dela. Percebi uma falha entre os dois dentes da frente, dela, que comportaria um canudinho de Milk-Sheik entre eles. Dentes assim não acumulam cáries entre eles. Para mim, é a dentição perfeita.  

-Oi senhoritas... Á propósito... Como você se chama?- perguntei sem largar a mão da loiruda.

-Zeza Cardimelo. -ela respondeu me dando três beijinhos.

-Prazer. Eu sou Divino Justino.

Elas riram e se sentaram.

Agora eu estou podendo. Acompanhado de duas lindezas. Pra disfarçar a alegria eu olho para o balcão e vejo a balconista e Flor-de-lis, aliás, Vinícius, me olhando e cochichando. Se exploda de inveja bicha louca. -desejei á Vinícius em pensamento. 

-Senhoritas. -falei arredando a porta canudinhos e o porta Guardanapo. . -Á que viemos aqui?

-Eu vim te conhecer. A Anamara me falou de você. -confessou Zeza.

Senti que ela deu uma balançadinha. Era Anamara dando um chega pra lá na perna dela. Senti também que a Anamara não estava afim de mim, pois, se estivesse ela não teria trazido esse avião. Melhor dizendo, essa nave espacial, que com certeza não está interessada em mim. Sem dúvida ela já tem um piloto para comandá-la. Pra não dizer que eu não irei comandar nada eu dou uma olhada na calçada e vejo a minha Kavassaco no mesmo lugar.

-Devo dizer que me sinto honrado. -falei igual ao Francisco Cuoco cheio de charme. -Dê-me sua mão. -pedi e depois a beijei. - Eu acho que conheço esse cheiro. -funguei. Ela sorriu. -L’áqua di Fiori. –Arrisquei.

Ela sorriu de novo.

-Como você sabe?-perguntou-me Anamara.

-Eu sou bom nisso. -respondi. –Atendente. - chamei Soraia que estava próxima á nós, do outro lado do balcão. Ela veio.

-Pois não. O que vocês desejam?

Enquanto as duas escolhiam os pedidos eu fazia uma avaliação da situação. As duas me acham maneiro, e o chute que eu dei á respeito do perfume foi gol de letra. Porém, o único perfume que eu conheço o cheiro é este por eu ter afanado várias gotinhas do perfume que o Fumaça usa quando vai sair.

Regra número... nem sei quanto. Jamais chute sem saber que vai ao menos bater na trave. Se ela dissesse que era outro perfume, eu diria que havia errado por causa do gosto e do cheiro do refrigerante de laranja que eu acabei de beber.  Estas coisas interferem no sentido olfativo causando confusão de odores.

-E você DJ?-O que vai querer. – perguntou-me a atendente Soraia.

Que tal nós dois darmos uma volta de moto?-pensei. 

-Traga o mesmo que elas pediram. - escolhi sem saber o que era.

-Então tá bom. -disse Soraia com cara de quem sabia que eu não ia gostar do pedido das duas.

-Quantos anos você tem DJ?-quis saber Soraia, a atendente requerente.

-Se você adivinhar, eu te darei um beijo. -prometi pra saber a reação das minhas duas acompanhantes. Elas ficaram atentas. Já era um bom sinal.

-Deixe-me pensar... –batendo a tampa da caneta nos lábios. Não. Eu sei que vou errar.

-Chuta pelo menos. –sugeri doido para dar um beijo na boca mais bonita do que o pôr-do-sol numa praia.

-Depois eu falo. -foi buscar os pedidos.

Meu sonho de beijá-la foi por mar á baixo.

-Dezoito. –arriscou, Zeza, levando-me á sonhar novamente.

-Vinte ou vinte e um. -Anamara ficou na dúvida, mas me fez acordar pra vida.

Eu não tinha mais dúvida de nada. Anamara não quis dar um palpite porque ela não queria perder á oportunidade de ganhar um beijo meu. Zeza e Soraia demonstraram que gostaram da proposta, tanto é, que anteciparam Anamara. Mas eu queria que fosse apenas uma que tivesse reagido de uma ou de outra forma. Numa situação dessa a gente acaba ficando sem nenhuma das mulheres. 

-Vocês duas acertaram. –concordei com todas, mentindo, para ver se ganhava pelo menos uma delas. Eu tenho vinte e... quase vinte e cinco. 

-Eu acertei! Que bom!- a loiruda vibrou batendo palmas.

Se ela fosse um sonho, eu queria dormir até acordar, mas, nos braços dela, claro. 

-Não tem como nós duas ter acertado DJ. –Anamara falou, com as mãos na cintura.

Eu devia me despertar ligeiro, senão, o problema não seria o sonho. Sim minha realidade que iria virar pesadelo. Se eu perdesse a morena Anamara, eu não conseguiria tirar nem mesmo uma sonequinha. Sem a loiruda, eu teria insônia pelo resto da vida.

-Eu admiro a sua perspicácia Anamara, mas eu mostrarei a minha identidade.  - mostro á elas. -Vejam e confiram.

-Nossa! Eu pensei que você fosse mais novo. –disse Anamara alisando o meu documento. 

Então me põe no colo e canta nana-neném pra mim, minha linda. –pensei.

Ela sabe muito bem, qual é a minha idade e o tamanho do meu... quero dizer, a validez do meu documento. 

-Me deixe ver também. –Zeza pediu. –Você é bem mais novo que o meu... –cortou á fala. 

Não me diga que é do seu irmão caçulinha. –falei com os meus botões. Com certeza ela ia dizer que o namorado dela tem o dobro da minha idade. De certa forma eu fiquei satisfeito em perceber que ela não queria me revelar sobre o namorado dela... 

-Amiga! -disse Anamara cinicamente. – É verdade. O seu namorado tem vinte e quatro anos ou mais, á mais do que você. E ele é tão engraçado quanto o DJ.  

...Fiquei mais feliz ainda por ver que Anamara não quis perder a chance de dedurar a amiga.

-Eu fico contente por saber que você encontrou a sua cara metade, Zeza. E você Anamara?

-Eu ainda não arrumei ninguém que queira levar um lance comigo. –olhando os meus olhos ela confessou. Ela disse lance. Esta é uma gíria romântica. Vou entrar nesse jogo.

Reflito: Eu também não teria coragem de levar um lance com uma gata igual á ela. Na verdade eu levaria um campeonato inteiro. 

-Anamara, você quer levar um... – eu dizia.

-Pronto. Tá aqui o pedido de vocês. –disse a garçonete Soraia, cortando o meu barato, e servindo-nos três pudins em caldas. 

-Quero ver você comer tudo. – recomendou e voltou para o balcão.

Anamara parecia querer me ouvir terminar o que eu estava dizendo, pois ela colocou as mãos entre as pernas e ficou me olhando. Zeza deu uma olhadinha rápida em mim, mas logo começou a comer.  Não que eu queira me gabar, mas elas estão dando mole pra mim. Em situações como á essa, o melhor á fazer seria... me transformar em dois, porém, isso seria impossível.

Conferindo a caderneta. -seria o meu pretexto.

-Lamento senhoritas, mas eu tenho um compromisso marcado...

-DJ, nós precisamos de você. 

-Pra quê, Anamara?

-Eu soube nos bastidores do governo, que pode haver um início de recessão, devido à estagnação econômica no período do governo anterior, e o atual governo precisa criar um plano econômico para equilibrar a economia do país. 

Anamara G. Lobo está sempre á frente da notícia. Ô jornalista influente do caramba.

-A retórica do ex-presidente, foi que o golpe em 64 trouxe atraso e estagnação econômica ao Atrasil, e fez com que o país perdesse muitos investidores do ramo empresarial e industrial, e, por esse motivo, deixou-se de arrecadar impostos, gerando muitas perdas em todos os setores da economia federal. Você poderia nos ajudar nessa missão? –Zeza Cardimelo quase implorou. Enquanto ela falava daquilo que eu não entendo, eu comi todo o meu pudim.

-Come o pudim Zeza.

-Eu estou racionando o açúcar. Economia é o meu negócio.

-Pelo meu país eu farei esse sacrifício. –puxei para mim o pudim dela.

Elas não entenderam bem o que eu quis dizer.

-E então, DJ? –Anamara perguntou.

-Eu e Fumaça vamos pensar em um plano de salvação para a economia atrasileira. 

-E será que dará certo?

-Zeza. –falei engolindo o primeiro pedaço de ex-pudim que era dela. –Nossos planos colam. Quem é mesmo o atual presidente. Eu estou um pouco desatualizado.

-F. C. M... 

-O bonitão que comandava a lagoa aonde a gente tomava banho? –surpreso fiquei.

-Sim, é ele mesmo. Eu sou ministra no governo dele. Estamos na segunda semana do governo dele.

*Eu sabia que ela já tinha um piloto que á comandava.

-Eu já adianto á vocês duas, que teríamos que fazer algumas reformas, começando pela administração e manutenção daquela casa de mãe Joana desorganizada. Aqui está uma bagunça. Outra medida á tomar imediatamente, ofertar alguns comércios para outros possíveis donos. Eu fui extorquido por eletricista de motos. Se você, Zeza, e o bonitão me derem autonomia, eu privatizarei oficinas e qualquer outro tipo de empresas que estão nos dando prejuízos.

Zeza sorriu com os dentes serrados, mas eu vi a língua dela, através da falha entre os dentes frontais da boca dela. 

   -Tchau pra vocês. Eu preciso ir ao gabinete do presidente. –disse Zeza se levantando. 

   -Ei, Zeza, espere. Plano econômico para dar certo, tem que atingir á todos. Portanto, nós devemos nos unir para pagarmos á conta. –apontei para os pirex vazios.

   Ela vibrou de alegria, com as mãos fechadas e braços dobrados para cima. 

   -DJ, você é o máximo. Deixe comigo, eu pago a conta.

   Eu e Anamara não entendemos o porquê de tanta pressa e boa vontade.




                                            *



Confiando no Fumaça, eu o mandei ir ao banco para sacar uma grana, pra gente sair de manhã e só voltar para casa, três dias depois. Hoje é sexta feira, será um final de semana pra preto e branco nenhum botar defeito. Vesti minha calça Pierre encardido, calcei meus tênis e me perfumei com o perfume francês do Fumaça. Tô da hora. Só falta o Fumaçoso chegar com a bufunfa pra que a semana que vem nunca inicie nesse mês.  Já estou coçando as mãos de tanta ansiedade.

Vou ver um pouco de televisão. Ligando a TV...

-Êh, êh, esse controle remoto é do Paraguai, ou então é a televisão que veio de lá sem um controle compatível. Deixa quieta.

................. ☼

Fumaça tá demorando...

Escutei o ranger da porta da sala se abrindo e um vulto grafite passando por ela.

-Fumaça, que cara é essa?

-Eu tentei sacar a grana, mas o banco está fazendo revisão de caixa. Mas não se preocupe não...

-Que miguelagem é essa, nêgo? Você comprou maconha com o meu dinheiro.

-Comprei não. Sai lá fora que você vai ver o tamanho da fila no banco da esquina.

-Se tem fila, é porque tem dinheiro...

-Tem não. Pelo que eu soube tudo indica que as contas poupança e corrente serão transformadas em rendas fixas. O governo está privatizando as estatais...

-O bonitão tá vendendo tudo, e junto com o montante das contas bloqueadas, ele vai gastar a grana com a vaidade dele.

-Nada disso. Eu conversei com o Pagador de Contas dele, e ele me disse que em breve, todos os correntistas poderão resgatar o dinheiro aplicado.

-Eu não acredito que o tal PC Faria isso.

-Isso o quê?

-Garantir a devolução da minha grana. –bisca na orelha dele.

-Ele me assegurou aparando o bigode com uma tesoura.

-Ele é cabeleireiro?

-Não sei. Eu acho que ele tem uma tesouraria e faz testes de afiação com o próprio cabelo dele.  O cocuruco da cabeça dele está liso igual os nossos bolsos.

Ô nego que só me trás dor de cabeça. Mais essa. Ele está confiando na conversa de um tesoureiro. Eu tô careca de saber que se tratando de dinheiro, não se deve confiar em ninguém.

-Vamos procurar um bico pra gente fazer e descolar uns Cruzados.

    -O presidente abriu o mercado atrasileiro para os importados. A concorrência nacional vai ter que suavizar os preços para competir com os estrangeiros, e, isso é bom para nós consumidores. Outra coisa, eu vendi a sua mobilette para não perder dinheiro com a queda dos preços dos veículos automotores. E comprei uma muquinha de brau também.

   -Comprou com a minha grana, né espertinho? Por que você não o depositou tambem?

   -Fica frio, eu tô movimentando bem o seu dinheiro. –lambeu o pavio. –O bagulho continua doido.



                                                          *



Vou seguindo sem lenço e sem documento por uma avenida bem movimentado de pedestres gastando as solas dos tênis que me chamam a atenção desde a hora que eu cheguei ao ponto de ônibus. Aulistar, Reboque, Daitoma. Puta merda, essas marcas de calçados não são nacionais. Os bonés e camisetas também não são fabricados aqui. Os atrasileiros viraram consumidores de produtos estrangeiros. Tomara que o transporte coletivo tenha entrado na onda dos importados e tenha o mesmo conforto dos ônibus de Londres na Inglaterra. De dois andares, se possível. Por falar nisso, podíamos importar uma Rainha Alisabete para reinar aqui no Atrasil.

-Quantas horas aí, senhor? –perguntei.

-São nove e meia.

-Obrigado. –reluziu em meus olhos o “bobo” no pulso dele. - Onde o senhor comprou esse relojão de aço puro?

-Isto aqui é um legítimo Breitling projetado em algum lugar na suíça. Já se pode encontrar muitos deles nas lojas de todo o Atrasil. Mas, de onde especificamente ele vém eu não posso te dizer, por já ter me esquecido.

-Mas aqui já tem deles aos montes, Jura?

-Sim, foi nestes montes que o projetista dele vivia. Montes Jura.

-Valeu senhor. Quando eu tiver condições de me exportar até á Suíça, eu vou encomendar á esse relojoeiro, um relógio desses pra mim.  

-Ele já morreu. –respondeu acarinhando o vidro de cristal. –Tenha um bom dia, rapaz.

-É isso aí. –fiz joinha.

  Estou no ponto de ônibus á mais de uma hora esperando o meu buzão. Pela demora, ele deve estar vindo em um navio transatlântico.

 Olho na extensão da avenida e vejo um motoqueiro se aproximando depressa. Olhe só quem é! Mesmo de certa distância, eu posso jurar que se trata do meu melhor amigo...

-Quer carona, amigão? –tirou o capacete.

-Fumaça, de quem você pegou emprestado essa moto?

-Importada, filhão. O vendedor me falou o nome dela, mas eu esqueci. Lá em casa eu te conto. Monte aqui. Temos que...

-Vai logo, nêgo. Eu já cansei de tanto esperar o buzu. –engarupei. Você tem dinheiro aí? 

-Só no banco, mas não podemos sacar ainda.

-Então vamos cavar um saque. Eu importei uma fome africana.

-Ah, o nome dessa moto é Kavassaco. -pedalou... não pegou.

Desci.

    -Fumaça, eu acho que os produtos nacionais são melhores que os importados. Se você continuar teimando comigo e torrando a minha grana, eu vou solicitar um parceiro de missão, lá da África do Sul.

 -Cala-te, estanca o óleo do motor e deixe de conversa fiada.

 -Se eu me calar, uma pedra clamará na sua nuca. Você só tá me dando muito trabalho e prejuízo. –falei verificando o vazamento.

 -O que você tá fuçando aí?

-O motor já era. Essa porcaria estava vazando óleo e você não viu. - passei as minhas mãos sujas de óleo queimado, na cara dele... elas enegreceram mais ainda. A pele da cara do nêgo absorveu o óleo num segundo.

-Tava vazando não. O garajeiro me garantiu...

Se eu estivesse usando um boné, mesmo que fosse importado, eu o teria jogado no asfalto e pisaria nele igual o seu madruga faz quando ele se zanga. 

 -Garantias de rendimento fixo. Garantias de compras. São tantas garantias, que eu já nem me garanto mais. Chega. Eu vou cobrar é do presidente da república. Foi ele que facilitou as coisas para que nós fôssemos enganados pelos importados.

-O óleo tá queimado mesmo. Vamos ao Itamarati?

-É isso aí.

-Então vamos lavar as nossas mãos e rostos...

-Nada disso. –falei passando as mãos lambrecadas no meu rosto.

-È mesmo. Assim os seguranças não poderão nos reconhecer se caso eles queiram nos perseguir depois da desmoralização que nós faremos com o presidente.

Buzinadas de carros e motos na pista congestionada. Quando percebemos, havia uma multidão de pessoas contrariadas comigo e com o Fumaça.

-Ei, seus dois caras sujas, chamem um mecânico para consertar essa moto e tirar ela do meio da rua.

-Nós não temos dinheiro para pagar o mecânico, porque o presidente, sim, o bonitão que vocês votaram nele, tirou tudo que tínhamos, e ainda liberou os estrangeiros para nos passarem as pernas. Tão vendo as nossas caras pintadas, aliás, só a minha, porque a do meu amigo aqui não se suja com óleo queimado, mas ele vai passar creme dental na cara dele pra gente ir protestar contra aquele presidente duma figa.

-Sabe de uma coisa. –disse um motorista de carro. –Eu também vou fazer o mesmo.

“Eu também vou. Vamos lá pessoal, vamos pintar as nossas caras e exigir a saída do presidente.”

“A minha empresa foi á falência.”

“Eu a minha família inteira estamos desempregados.”

“É isso aí. Vamos juntos”

Milhares de pessoas se uniram á mim e Fumaça. Andamos á pés pela avenida em direção ao Palácio da Alvorada. É tanta gente com as caras pintadas, que eu até me perdi do Fumaça.

-DJ.

-Fala Faustão. Você veio protestar também contra o presidente?

-Eu vim protestar contra você por ter me feito perder o meu emprego. O novo dono me pôs no olho da rua.

-Brincadeira. Pra que essa chave grife?

-Adivinha? –ergueu a danada.

Saindo em retirada... Os protestantes me impediram, mas não impediu o Faustão de me alcançar.

-Faustão, não...

Pof...









                                                         *


                                              

Caramba, que sonho mais esquisito. –esfregando o rosto eu tento me levantar.

“Em Brasília, 19: hs e 30 min.”

-Ainda é cedo. Vou dormir mais um pouco. –ajeito o travesseiro e...




                                                         1994



-Caracas! Onde nós estamos Fumaça? Isso aqui tá parecendo o quarto de um peão de rodeio.

-Troque de roupa e vamos visitar as retirantes. Essa fazenda está cheia de gatinhas esperando a gente. Gatinhas, aí vamos nós. Yuuhuu.

-Aí vamos nós o caramba. O que você fez comigo?

-Se acalma DJ! Senta aí.

Ele começará á me dar explicações. Ajeitou a gola polo e se sentou no outro sofá que formava um L junto ao que eu estou.

-A minha cabeça tá doendo... o que foi que você me deu?

-Eu vou te contar tudo...

Depois de alguns minutos Fumaça terminou de me relatar toda á história.

-Só que eu deixei que a importância rendesse mais. Quatro anos depois, o novo presidente eleito passou a mão na grana de todo mundo.

-Vamos cobrar do presidente dos juros altos. Qual é o nome dele?

-Juré Euquiarmei. Foi armação. Ele fez o povo depositar a grana, para em seguida o substituto dele recolher tudo.

-Esse filho da mãe vai ter que me pagar com juro e correção monetária. Nem que pra isso, os dois tenham que entrar em sociedade pra me pagar o que eles me devem.

-Só que é o seguinte. O presidente bonitão Ferrandos Colegas de Mesa tinha boas ideias para o antigo Atrasil. O slogan de campanha dele foi O caçador de marajás.

-E ele conseguiu?

-Até certo ponto. Ferrando abriu as portas do Atrasil para o comércio exterior. Aí, os grandes empresários internacionais começaram á ferrar com os menores, nacionais. 

-E a população não se manifestou contra tudo isso?

-Pintamos as nossas caras e saímos ás ruas. Ferrando caiu no terceiro ano do mandato, mas, quem o derrubou não foi a população. Nosso ato foi marola. Ele só foi deposto porque o congresso decidiu que ele caísse. Um dia, ele e seus secretários foram á casa da tia Dida para tomar umas cervejas e comer porções de amendoim. Na hora de pagar a conta, os ministros, deputados e senadores, perceberam que o presidente Ferrando Colegas de Mesa, estava querendo passá-los para trás, e então eles deram um jeito de jogar ele pra escanteio.

-E o reserva?

-Quem te falou que o Atrasil tinha ou tem reservas? Devia e deve mais do que o resto do mundo todo junto. Já têm marcianos enviando cartas com os dizeres: não consta em nosso sistema ultra tecnológico de cobrança, o recebimento da  primeira parcela  de sua dívida  parcelada em milhão de vezes. Caso já a tenho pago, desconsidere este aviso. Envio postal intergaláctico de Marte... 

-O presidente substituto, neguim. 

-Ah sim. O substituto do Ferrando Colegas de Mesa, é o Itopete Frango. Ele está tentando alavancar o Atrasil.

-Então ele precisará de um rebocador com grande potência, desempenho e força para realizar essa façanha.

-DJ, acredite no futuro.

-Desde o século passado o Atrasil é considerado o país do futuro. –decepcionado comigo mesmo, falei.

-Nós podemos fazer algo para fazer o nosso país crescer.

-Fumaça, esse país sendo desse tamanho, já está difícil para ser alavancado, imagine se ele crescer um pouco mais. Aí, nem a força da gravidade o manterá na posição que ele está. E vai por mim, nêgo, se o mundo gira feito ponteiro de um relógio, o nosso país faz o giro no sentido anti-horário.

–Venha comigo.

Fomos para o celeiro.

-Temos a missão de colocar o Atrasil na poli-positions do desenvolvimento. –anunciou puxando uma lona que cobria um... baixomóvel. 

-Com um fusquinha nós não teremos chance. –coçando a cabeça assegurei. -Seria melhor um pangaré manco. 

     -Eu resgatei uma verba suficiente para deixar a sua mobilette em condições de dirigibilidade...

      -Fumaça, só por você ter me dado a notícia de que eu terei a minha fiel locomotiva para me locomover sem a necessidade de ser carona em um xebinha vermelhinho, já me deixou surpreso com a sua competência e natureza competitiva. Mas, por favor, amigão, não tente me surpreender falando difícil. O país está fora de rumo e indirigi... como é mesmo? Indirigidábidade... -levei uma bisca na orelha esquerda.

     -Aqui nos separamos temporariamente. Você já está empregado, e terá que comparecer ao seu novo emprego, antes da hora do almoço.






                                                                  *



Já é quase meio dia, e, eu já fiz tantas entregas hoje, que a minha Mobí tá soltando é suor pelo escapamento. Ricardo e Andreza são mesmo bons empreendedores. Eles fecharam contrato de fornecer a xepa para o pessoal do ministério da fazenda. Daqui uns dias o Marcelo vai ter que sair detrás do balcão do caixa e me dar uma força nas correrias. E olha que ainda não é meio dia.                                                     

-Pronto patrão. No que posso ser útil? –perguntei ao galã Ricardo detrás do balcão.

-Temos quatrocentas para o tribunal de contas da união.

-Beleza! Eu vou á pé dessa vez.

-Você conhece o lugar?

-Ricardo você sabe quem foi que descobriu o Brasil.

-Claro que sei. Foi Pedro Alvares Cabral.

-É verdade, mas quem o estava cobrindo era eu.

Riu até ficar com cara de choro.

-Você chegou na hora certa. Vai almoçar e deixe que as próximas, eu entrego. A Andreza toma conta do balcão. Você está me ouvindo DJ?

-Eu só estava pensando em unir-me ao Fumaça e aquelas princesas. Posso chefe?

-Fique á vontade.

-Tomara que eu não fique só na vontade por aquelas lindezas. 

Ricardo me deu uma flanelada nas costas. Foi bom porque com isso as belezuras notaram a minha presença.

Ah, já sei.

-Meu grande amigo Ricardo. –falei alto. As belezocas olharam para nós dois. –Eu preciso que você, meu amigão Ricardo, guarde esse dinheiro para mim. Se você quiser aplica-lo em algum empreendimento, pode usá-lo. –Elas se admiraram. –De onde me veio essa mixaria virá muito mais depois do fechamento da concessão com a uma empreiteira multinacional do ramo de infraestrutura. –Ricardo está á ver navios. As lindonas estão vendo em mim um congressista bom de grana. Cochicharei ao pé do ouvido do Ricardo. -É a grana das quentinhas. 

-Entregue ao Marcelo.

-Beleza! É bom que eu, ensino á ele a melhor fração matemática... Multiplicar.

Eu ouvi á Anamara dizer. -aquele lá é o DJ, não é Mariozan? -Fingi que não ouvi e, passei no caixa.

-Marcelo escute aqui o conselho do matemático Oswald de Sousa. Você o conhece?

-È claro! 

-Então... As primeiras lições fui eu quem o ensinou. Quando alguém pagar a conta e sobrar um troco equivalente á duas Cocas-Colas, Você enche a mão dele de balinhas.

-E se eles não quiserem? –O inocente me pediu uma resposta.

-Aí então você faz um vale e diz ao freguês que o vale pode ser trocado por balinhas e chicletes quando ele estiver a fim de adoçar a boca.

Ele quis gargalhar, mas chegou um freguês. 

Eu vou almoçar. O salão do restaurante recebera uma cara nova. As cadeiras que antes eram de plásticos foram substituídas por cadeira de madeiras, cobertas com toalhas alvíssimas e, as cadeiras são todas com almofadas simples, mas confortáveis. O ambiente ficou bem mais agradável, principalmente por que Andreza fez questão de reservar alguns metros quadrados de espaço interno para expor as suas violetas e onze horas sobre uma plataforma de madeira sustentada por meias paredes de tijolinhos envernizados.  O forro de pino foi substituído por gesso trabalhado em sancras ovais. Nada de muito luxo, apenas aconchegante. Velhos e novos clientes gostaram da nova gestão. Mas, eu acho que a dona do comedouro chique seja filha de um deputado ou senador. Já imagino que a grana para essa transformação requintada, tenha saído dos bolsos dos contribuintes. Vou comer tanto, mais tanto, até eu me sentir ressarcido pelo o que saiu do meu bolso para pagar essa reforminha.   

Fumaça, Anamara e as amigas que devem pagar imposto por tanta beleza acumulada em corpo, cabeça e membros, continuam comendo. De vez em quando alguém comenta que a comida é uma delícia, elogiando o tempero das carnes, salada maionese e as cruas.  Já dei uma filmada nas bandejas por mais de uma hora. Desde que o rango saiu da cozinha e veio pra essa piscina de agua fervente. Eu quase pedi farinha pra comer com o cheiro da comida. As maravilhosas não comem macarronada por achar que macarrão engorda. Coisas de mulheres preocupadas com uns quilinhos á mais.

Beleza! Arrozinho á grega, feijão tropeiro, bifinho, uma verdurinha e... chega, senão o pessoal me chama de esfomeado e, o Mariozan também já está me chamando.

-Boas tardes lindas senhoritas. –Coloquei tudo no plural pra mostrar que elas são todas lindas mesmo.

-Sente-se aqui DJ. –disse-me Anamara pondo outra cadeira ao seu lado.

-Obrigado... Mais linda de todas.

*Uuuuuu!!! -disse as outras.

-E aí Fu... Mariozan. –ponho o prato na mesa e dou um toque de mão na do meu amigão cor de vinho tinto.

-O que você faz aqui DJ?-Anamara perguntou.

-No momento só almoçando, mas eu pretendo comprar esse restaurante.

Elas pararam de comer.

-Estou brincando. Eu trabalho aqui de entregador de quentinhas. 

Continuaram a mastigar.

-Eles aqui recebem Tickets DJ. –quis saber Anamara.

-Se for do Mariozan eles recebem até papel de chiclete como pagamento e, ainda devolvem troco.

Elas riem limpando bocas. Mariozan tá tirando o vale-boia do bolso. 

-Deixe pago o meu também Mariozan, pra garantir a minha janta. –pedi. Ganhei uma bisca na orelha.

-Clarice, vai lá e entrega os vales. –Mariozan falou e entregou á ela os tickets.

Ela foi.

Esse pessoal usa a hora do almoço pra contar lorota. Ôh buchicho danado! 

Eu não sei o quanto eles colocaram nos pratos, mas eu só vejo guardanapos embolados dentro dos pratos e copos. Enquanto eles conversam, eu como. A mãozinha da Anamara apoiada em minha perna tá me dando mais apetite. Ôh delícia! 

Fumaça é muito valhaco. Ele se sentou longe da Lorrane e perto da Clarice que tem uma aliança no dedo. De vez em quando ela descansa o braço no ombro dele que está sentado entre mim e ela. Eu tenho que dar um jeito de comer logo e ir entregar marmitex. Ô converseiro meu Deus! Fumaça está querendo convencê-las á irem para algum lugar.

Clarice voltou. O braço dela voltou para o ombro do nêgo. 

-Se vocês me ajudarem eu termino mais rápido. –disse ele á elas.

-Eu não sei se tenho coragem Mariozan. 

-Ah Lorrane! Deve ser divertido. Vamos! –Maria Eduarda á incentivou.

Lorrane não decidiu ainda.

-Eu topo. –falou Anamara.

-Eu também. –Consentiu Clarice.

-Vai ser apenas uma vez Mariozan?

-Só uma hora Isabela.

-Então eu ajudo.

-Beleza! A gente vai daqui á pouco. –Fumaça falou á todas. -Lorrane, que dia é pra eu ir almoçar na sua casa? –cochichou ao ouvido dela.

-Tá bom Mariozan. Eu vou para o sinaleiro com vocês.

A pergunta dele a fez se sentir ameaçada de perder a ida dele em sua casa.

-A gente vai aonde Mariozan. –perguntei limpando a boca.

-Distribuir panfletos nos sinaleiros.

-Eu gostaria muito de ajudar vocês, mas a obrigação me espera. –falei me levantando.

-Espere... Você não vai fazer nem um quilinho? -Anamara perguntou. 

Todas ficam me olhando. Inclusive Fumaça.

-Pobre não tem direito de fazer nem 100 gramas, imagine um quilo. - elas riram. Dei um beijinho na cabeça da Anamara. Um toque na mão do Fumaça. Um tchau pra todas e fui até ao patrão.

-Ricardo, pode deixar que eu entrego as marmitex. 

-Descanse um pouco DJ.

Penso um pouco... Já sei. Fale pro Marcelo ir almoçar que eu fico no lugar dele.

-Boa ideia. Brother... -chamou o irmão. – Vai almoçar.

Marcelo obedeceu ao comando. Eu tomo conta do caixa.  Vou fazer esse dinheiro render igual fuxico de comadres.

-Ricardo, trás vinte pacotes de balinhas, quinze de chicletes e cinco pacotes de Prestígios e Ki cocos.

-Pra que tudo isso?

-Pra eu passar de troco.




                                                              *



Pronto. Minha Mobí está limpinha. Já a lavei. Por dois motivos eu vou acelerar até o ponteiro quebrar aquele pininho que limita a velocidade. 01: Eu quero que ela enxugue logo. 02: Eu quero conhecer logo essa Lorrane.  O Fumaça falou que ela é ruivinha com algumas pintinhas nas bochechinhas. Pra ser genuinamente ruivo ou ruiva, tem que ter algumas sardazinhas no rosto. Quem sabe através dela, eu possa perdoar todos “as cores” raras que existem nesse mundão de meu Deus? Eu não tô grilado com os ruivos... Só com o Fumaça. Tem hora que me dá vontade de esfregar ele para mudar até a cor da sombra dele, mas o cara é gente boa demais! Eu me sinto honrado em conviver com ele. O alto-astral dele é contagiante.

Bren-bren. Tô indo nessa. Fuiiiiiiii... 

-Ôpa! Presta atenção pivete. -quase atropelei o moleque que estava jogando biloca na rua.                                                           

Ainda bem que eu sou o cara do quase. Ser o cara do quase, ás vezes é bom. Só que eu já tô bolado com essa minha sina. Eu quase dei uns beques na Anamara. Quase ganhei na loteria esportiva. Enfim, tudo em minha vida é quase.

Mas por causa do “Quase” eu ainda estou vivo, porque eu quase morri de medo de ter de me casar com Maria vai-com-os-outros. Ela disse que ela acha, - que acha, vai vendo -, que ela pode estar grávida de um buguelinho meu. -Ai DJ, eu não sei se é seu, do birosca, do jamanta ou daquele amigo seu. A gente fez sexo na noite passada, mas foi no escuro, eu nem sei quem era ele. –Fumaça negou de pés juntos, mas demonstrou total interesse em saber como funciona a lei Maria da Penha.

Eu sou até bom de lábia para conseguir uma garota, mas na hora H, acontece alguma coisa pra me impedir de dar o primeiro beijo, nesses malogrados dias de sequidão. 

Certo dia eu já estava sentindo o ar que saia do nariz de uma garota, que já estava com os olhinhos fechados pra gente se beijar... A maldita da minha cadeira quebrou. Eu caí pra frente e acertei a cabeça na boca dela, aí a lindona ganhou um cortezinho nos lábios, e eu fiquei outra vez no quase. Tive que me contentar apenas com abraços e alizadinhas nas costas. Confidenciei ao Fumaça essa minha triste sina, ele me disse que o que vale é a intenção, e com ele aconteceu assim com a primeira garota que ele ia dar uns beques, na primeira festa que ele foi. Ficou um tempão com uma garota chamada Sabrina, de mãos dadas e até abraçou ela, mas quando eles iam chegar aos finalmente, ele sentiu vontade de fumar um baseado e saiu vazado. Eu já consegui mais de quinhentas mil garotas nessa minha vida, mas ainda não consegui beijar uma delas. Fui todo alegre levar a Berenice na casa dela, empinei de uma roda, ela não estava preparada, acertou o nariz em minha cabeça, ela “quase” perdeu o cheirador, eu só ganhei as marcas de batom no meu colarinho. Mas o Fumaça me disse que eu posso considerar que á todas eu dei um beque, mesmo sem beijos. Amanhã será lua cheia, e, eu vou participar de um luau com algumas retirantes. Só falta aparecer por lá um lobisomem na hora que eu estiver “quase” becando a gata.  Só de lembrar que eu “quase” bequei a Maísa. Só não rolou por causa do meu amigo de cor “quase” asfáltica.

Estou “quase” chegando á fazenda do gerente, para ele me apresentar á algumas propostas de aliança entre nós. Tomara que ele não venha me dizer que eu “quase” perdi a oportunidade. 

Ih! A gasolina, “quase” não daria pra chegar. 

Estacionando o Mobí encostando-a á cancela. –fique quieta aí. O pessoal tá todo animado por estar conhecendo á casa do gerente. Ele resolveu fazer com que os convidados se sintam mais a vontade para conversarem e se conhecerem melhor, para firmarmos parcerias sólidas. 

Êh, êh Não é possível que ele tenha convidados alguns índios pra virem á casa dele, e eles estão mandando sinal de fumaça. Ou então, as relações diplomáticas entre todos, estão pegando fogo.  

-DJ, - disse o gerente, de braços abertos. –Só estávamos esperando você chegar. Angelina, este é o DJ, Nosso grande multiplicador de dinheiro de caixa.

-Oi, prazer em te conhecer. –estendeu-me a mão.

-O prazer é recíproco. –beijei-lhe o dorso. 

Ela sorriu.

-Gerente, tem alguma coisa queimando lá no fundo do quintal. 

-É surpresa, Angelina. Venham. Podem, pode chegar que a fazenda é nossa.

Rodeamos a casa e nos deparamos com mais amigas e amigos e, um casal de tiozinhos á beira de uma churrasqueira fumacenta. Eles deviam ter colocado pneus para brasear o carvão. A Angelina seguia agarradinha ao braço do meu gerente. Fernando está de mãos dadas á Rebeca. Cabeça com á Cláudia. Eu, quase fulminei com o olhar, a Lorrane... Ôh gatinha meu Deus! 

-Pessoal... Esses e essas são os seus novos amigos. – o gerente apresentou á todo de uma só vez.

-Vamos dizer “oi amigos” Todos juntos.

Oi amigos. Todos falaram bem alto. Depois batemos palmas. 

-Gerente, onde foi que você conseguiu aliar-se á essas pessoas?

-Pelas minhas andanças nas Amérdicas, Bianca.

-Elas são ricas não é gerente? –perguntei.

-Claro que não. Olha só as roupas delas. Precisa perguntar. Até a pele delas. -Angelina respondeu com aspereza. Ela não foi com a minha cara. E nem eu com o sotaque dela. Vai ver, ela é aguentina.

-Angelina... O DJ não tem a sua experiência ainda não, mas ele é um grande contabilista.

Mas pretendo ter outras coisas dela. 

     -Quem é aquele casal que tá assumindo a churrasqueira? –perguntei. 

-Tio Bolívar e a tia Veneza. Vai lá conversar com os dois.

Vim trocar umas ideias com os dois tiozinhos, que estão com os olhos vermelhos de tanta fumaça. Ensiná-los-ei, á como se braseia carvão.

-Boa tarde, amigos. –falei, abanando do meu rosto a fumaça. Eu vou ensinar á vocês, á como mudar a cor e a temperatura do carvão, e a carne já, já estrará assado. Daqui á pouco ela passará pelo processo de trituração pelos nossos dentes.

-A Carlinha fugiu, para num ajudar a gente. –disse Bolívar. –Depois, ainda fala im casar cum o gerente da fazenda...

-Eita homem. Tu conversa demais.

Já descobri que a Carlinha vai querer que que no casamento dela com o gerente, daqui á alguns anos. – que, eu vá ser o engolidor de fumaça na festa do casamento. 

O gerente é surpreendente.  Ele já preparou a moreninha mais gata do mundo, para daqui á algumas décadas. Carlinha tem 14 anos, mas parece uma moça de dezoito. Quem disse a idade dela foi titia dela.

-Então, seu Bolívar... Vocês dois têm quantos anos de idade e de casados? –abanando a fumaça com um pedaço de papelão.

-Eu tenho 40. Ela... Qual é a tua idade mermo muié?

-Eita homem! Converse direito. Eu tenho 38. Esse bicho velho não sabe conversar e, nem a idade da própria esposa. - dona flor se zangou. Eu a chamarei de dona flor, porque ela se parece com á personagem, mas pelo que nós já conversamos, deu pra perceber que ela só tem um marido e é apaixonada nele até hoje. Falta eles me dizerem quantos anos de brigas eles tem.

-Eita muié valente. Tem 22 anos que eu guento um trem desses... Mas é por que eu te amo minha... –ele deu um cheiro no cangote dela.

-Vá cortar a carne, seu saliente. –ela ordenou depois de ganhar uma cafungada.

Os dois são Taianos, e gentes boas pra caramba.

-Vocês não têm filhos por qual motivo? È o fabricante ou a fábrica que não funciona mais?

-Vixe, aqui é pau pra dar em doido. Né minha véia? –Bolívar quis cafungá-la de novo.

-Sai pra lá homem. –ela se esquivou e ajeitou o vestido charmosamente. Veneza tem uma beleza brejeira. Daria até pra dizer que é a mãe da Carlinha. 

Ele é muito simpático e divertido, e, se der um banho de loja nele, ele vai dar muito trabalho pra ela.

-E o Gerente? O que vocês são dele? –perguntei, mas eu já sei a resposta.

-Ele é a nossa benção de Deus. -ela me fez saber que eu não sabia a resposta.

-O gerente dessa fazenda  é a nossa salvação –ele respondeu cortando a carne.

A expressão nos rostos dos dois e o tom de suas vozes ao falar do gerente da fazenda, me fez ver que ele é mesmo um cara muito especial pra todos que o conhecem. Eu ainda vou descobrir qual é o segredo dele. Ele disse uma vez que o segredo é não ter segredo, eu já ouvi isso muitas e muitas vezes. 

-Carlinha, vem aqui fiinha. –ele chamou a sobrinha que estava velando o gerente e a Bianca.

-Fala tio.

-Vá chamar o pessoal pra vir comer. –Veneza falou.

-Tá bom! –foi. 

Regra número 915: Quando você for convidado á estar entre pessoas que você não ás conhece, procure obter informações sobre todas elas, por intermédio de alguém que não tem papas na língua, malícia, e que também não guarda segredos nem sobre sua vida matrimonial.

-Eu gostaria de saber á respeitas de algumas pessoas aqui presentes. Podemos começar com a Lorrane...

-Home, rapaz, aquilo é muié-macho. A famia dela ispussô ela da casa dela...

-Eita homem linguarudo minha nossa senhora.

Quase! Suspirando, decepcionado.

Vi o gerente me chamando em particular. 

Deixei os meus novos aprendizes de matemática multiplicativa, e fui até ao gabinete do chefe da fazenda.

-Eu soube que você é um ótimo matemático e especialista em cifras. Por isso eu quero te fazer uma proposta.

-Já lhe asseguro que você tem 100% de chance de me convencer. A minha situação tá precária.

-Bom rapaz. –apalpou os meus ombros. –É assim que se fala. Eu pretendo criar uma nova unidade monetária em nosso país, mas não sei por onde começar.

-O meu negócio é trabalhar com os números. Mas na prova dos nove, pode haver uma “inexatidão” que fará que eu corrija os cálculos para chegar á uma unidade real de valores, mas aí, você...  

-Você disse “indexação” para corrigir tudo que é relativo á economia?

-Mais ou menos isso mesmo. 

-Eu não sei se dará certo esse ato. –cofiou o queixo liso.

-Eu só posso dizer á você, que examine bem a sua planilha, porque essa medida econômica deve muito bem analisada, para então ser implantada. O Atrasil já está á ponto de pedir emprestado o jogo de camisas do Vila Nova para servir de bandeira. O azul já foi embora. Quanto ao verde e a amarelo, “ainda elas são” as riscas da...

-Você quer dizer que uma indexação é muito arriscada.

-É isso mesmo. 

Regra número 1994. Se o seu interlocutor gosta de usar palavras que você desconhece e não ás entende, concorde com ele. Eu ia dizer que se as cores verde e amarela da bandeira brasileira ainda são as riscas da bandeira que aos poucos vai se desbotando, daqui á pouco estarão tão transparentes, que a bandeira irá se parecer um pedaço de plástico transparente tremulando na haste. 

O gerente da fazenda fica por alguns segundos fazendo a somatória usando os dedos das mãos.

-O que você sugere para nós estabilizarmos a economia?

-“Ué, revê” o que deu certo e o que deu errado nos últimos anos...

-Você disse URV?

O cérebro dele não processa as informações da forma que elas são enviadas. 

-Isso mesmo. Eu estava revisando os cálculos com os meus assistentes, e notei que o meu déficit é maior que o meu áviti. Só que eu não posso economizar mais combustível com a minha Mobillette. Senão, daqui á pouco ela terá que funcionar á base de xixi de cigarra. Com a minha alimentação e aluguel, também não tem mais como reduzir os gastos. Estou vivendo das sobras do restaurante e morando em uma espécie de paiol, até a volta da égua que estava internada no veterinário para dar a luz. 

-Quanto á isso, o que você sugere?

-Redução do valor da minha dívida. Corte 2/3 daquele monte de dígito e arredonde os valores. Assim chegaremos á uma U. R. V. como disse você...

-Justo, justo.–disse, entusiasticamente. –De início, cortaremos alguns dígitos zero para termos uma Unidade Real de Valor.

Ô sujeito apavorado. Eu ia dizer que o Único Recurso Viável para que eu quitasse o meu debito, seria dar os meus vales-refeições como pagamento complementar da minha dívida.

-Que nome nós daremos á nossa nova moeda?

Coçando o queixo eu fico á pensar, mas não me vem nome algum. Terei que admitir que “realmente” eu não tenho nada em mente.

-É, real...

-Real. Magnífico. O nosso dinheiro se chamará: Real. Lançaremos a URV primeiramente, para fazermos uma correção monetária, em seguida será o Real. Matemático DJ, você é espetacular. Vamos ao trabalho.

Chegamos á consolidação de uma parceria entre os interesses do gerente e os meus.  As propostas dele não foram claras o suficiente, para me convencer de que fariam bem á danação atrasileira. Na despedida, eu sugeri que déssemos beijos coletivos e, até Bolívar e Veneza entraram na coletividade. –esquivei-me da Lorrane. Os já amigos beijaram as suas antigas amigas. Eu confraternizei com uma recém-conhecida, a Thilena. - Não é que eu goste de garotas de nível superior, mas o lance é que pega mal a gente comer churrasco do espeto dos outros, e pra ser sincero, numa viagem de avião a primeira classe é melhor do que a econômica, então embarquei nessa sem reclamações. Na hora do beijo, o gerente da fazenda preferiu viajar no trem de pouso... Vazou, sem dar explicações. 

Itopete Franco chegou atrasado para a reunião. Passou no cabeleireiro para ajeitar o topete do cabelo e perdeu a hora. Agora vejam só, ele, o presidente da república, quer que eu seja o criador da nova unidade monetária para o Atrasil. Assegurei á ele, que eu sou a pessoa certa, e que já havia passado um pouco do meu conhecimento para o gerente da fazenda. 

O presidente ficou encolerizado por ter perdido para o gerente a oportunidade de receber as minhas lições de economia. 





                                                            *


Está difícil a vida de um trabalhador hoje em dia. Por isso eu aceitei a proposta de emprego, do gerente da fazenda, e terei que me esforçar ao máximo para não deixar que um grande número de pessoas trabalhadoras passe fome. Mas para falar a verdade, a única coisa que eu sei sobre assuntos econômicos, é que a minha mobilette não precisa nem da quantidade máxima de álcool permitida á um motorista que se submete ao teste do bafômetro. Ela era bi-flex. –gasolina e Tínner. Mas, o Fumaça gastou o meu dinheiro comprando Cananbis, então eu tive que adaptar o motor dela para funcionar com uma dose de pinga.

Estou saindo para mais um dia de trabalho. Só quero ver se a minha Mobialcólatra continua com o mesmo desempenho de antes.

Vamos lá... Êh, êh, na primeira pedalada ela não deu sinal de funcionamento. Talvez com uma fuçadinha no afogador a danada resolva funcionar. 

Pronto. Pegou com apenas uma empurradinha.

Ôpa! Não empina não, sua mal criada. Vixe. Tá pulando igual cavalo brabo.

Fique quieta cachaceira duma figa...  Agora ela desembestou de vez na banguela. Freia... freia... a pinguça embebedou. Meus cabelos voam ao vento. Meus sapatos vão deixando marcas no asfalto. 

  Sai da frente Fusquinha...  Tarde demais. Pulei da mal criada, deixando que ela se vire no o encontro com a dianteira do Fusca.

Tá lá a bagaceira. A minha Mobí quase partiu o Fusca ao meio. O guidão dela foi para no para-brisa. Coitado do motorista...

Ih, ferrô. É o presidente que estava dirigindo o Chebinha.

Desceu e vem vindo ao meu encontro.

-Olha senhor presidente, a minha condução estava sem freio e...

-Você não se machucou? –estendeu-me a mão para me ajudar á me levantar.

     -Não. Eu estou bem. E o senhor? –falei, já de pé.

De repente ele prendeu o topete com a mão esquerda, olhou para cima e apontou o dedo indicador da mão direita, para um objeto voador não identificado, que descia veloz em nossa direção. 

     -Aquilo lá não seria a roda da sua motocicleta? 

-Puta merda. Sai debaixo, senhor presidente...



                                                                     *


  2016.


Ufa! Mais um sonho maluco.

“Em Brasília, 19 : 40”. 

Êh Voz do Brasil que nunca termina. Vou dormir mais.


                                                                   *                                                


                                                                1999                                                                       

 

                                                                


Vejo-me sentado á mesa de uma cozinha, com os cotovelos apoiados no tampo de vidro da quadrada, e com as mãos massageando a minha cabeça. Fumaça está ao redor do fogão fervendo uma erva muito cheirosa.

Desligou a chama e despejou o chá em um copo.

-Beba esse chá, que você se sentirá melhor.

-Fumaça, quem te falou que chá de Cidreira cura dor de cabeça?

-Idiota. Deve ter sido a roda da sua Mobillette, que depois de amassar o seu crânio me ensinou á como te aliviar a dor.

-Você anda muito nervoso, nêgo. Está em abstinência da maconha? –assoprando o chá.

-Nervoso deve ter ficado o ex-presidente Itopete Franco.

-Ah, é mesmo. Você me contou que nós dois tivemos um encontro. Quero dizer, a minha Mobí e o Fusca dele. Eu me lembro, vagamente, que eu dirigia a minha envenenada em uma rua de sentido único. Se a colisão foi frontal, pode ser que o topete do presidente o impediu de ver a placa de contramão do sentido que ele dirigia naquela rua.

 -Ele estava atrasado para a oficialização da candidatura dele á presidente da república. Por isso pegou o atalho. Mas, você com a sua Mobillette interrompeu a carreira dele. 

-A minha Mobí bebeu um golinho só de pinga e cismou que ela era uma moto de competição de acrobacias. Apresentou defeito no freio também. 

-Tudo indica que brevemente o Fusquinha virará peça de museu, ou apenas os pobres poderão tê-lo após ele sair de linha de fabricação novamente. O Itopete já saiu de linha presidencial.

-Como assim, Fumaça? Ele não é mais o presidente?

-Nós estamos em 1998. O Gerente da fazenda, Fechando Consrico Orgulhoso, com o carro oficial do presidente da república, deixou o Itopete pra trás e lançou-se candidato á presidente no lugar dele, e ganhou as eleições. 

-Eu sabia que com um Fusca ninguém conseguiria chegar á lugar nenhum.   

-Pode ser. Mas o problema foi que o Fechando Consrico já estava em grande vantagem na corrida presidência. Ele já havia traçado planos para o Atrasil, desde 74, e que só veio se realizar, vinte anos depois. E, você o ajudou para a concretização desse plano. 

Engolindo um gole de chá, eu fiquei pensando no que foi que eu fiz para ajudar o gerente da fazenda á se tornar chefe geral.

-Qual foi a minha participação?

-Você com os seus cálculos malucos deu origem ao plano real, que entrou em vigor logo após uma tal de URV ter provocado a maior confusão monetária de todos os tempos. Mas o plano Real está funcionando muito bem. Tornou-se moeda forte superando o Dólar.

-Uma hora tinha que dar certo. O Atrasil era um verdadeiro laboratório de testes monetários. Foram os Réis, o Tostão, o Cruzeiro, o Cruzado, e por fim o Real. Por que é que a casa da moeda não produz bastante dinheiro e o distribua para a população?

-Pra que seja fabricado dinheiro, é necessário que haja fundos de reservas na casa do tesouro nacional. 

-Fumaça, enquanto eu sentia o chá sapecando as minhas tripas, eu pensava no quanto as pessoas que deviam trabalhar para o nosso bem, acabam nos ferrando e nos fazendo acreditar que elas se preocupam com a gente.

-Você acha que eu envenenei o chá que eu preparei pra você?

-Não, nêgo. Você é meu melhor amigo. Eu confio na brancura de sua consciência.

-Então me faça acreditar na sua consideração á mim. –disse ele se sentando.

-Siga o meu raciocínio. Primeiro veio o presidente dos juros altos, Juré Euquiarmei. Todo mundo vendeu o que possuía e depositou o dinheiro no banco. Depois veio o bonitão Ferrando Colegas de Mesa, que confiscou a grana de todo mundo. Por último veio o Fechando Consrico. 

-E daí?

-Nêgo, você me disse que para a Casa da moeda produzir dinheiro, é necessário que haja dinheiro em caixa. Isso quer dizer, que esses três últimos presidentes já tinham arquitetado essa tramoia. E quem financiou essa mudança na ordem monetária, foi a população... Por falar nisso, você já resgatou a minha grana que você á conseguiu com a venda da minha casa, e que foi trancafiada? 

-Ele já está pensando no segundo mandato. O ateu irá se reeleger. Você será ressarcido em breve. –levantou-se.

-Sei nêgo. Quando eu encontrar a arca do tesouro de Salomão, poderei fazer uma nova troca: de moedas de ouro por Reais. Aquele ateu se faz de pastor pra encurralar as ovelhas. 

-Bebe logo esse chá. A gente tem uma tarefa á ser realizada.

Engoli de uma vez. Desceu cozinhando as minhas tripas.


 

                                                                *


Feito um matuto eu fico reparando o quintal de uma propriedade alheia. A pocilga se parece com um forno, de tão quente que é. Bem pequena também, igual á uma casa de boneca de filha de pobre. Perguntei ao Fumaça como foi que ele conseguiu comprar a bendita casa das máquinas de trêm á vapor. Ele respondeu que ela não era dele e, inclusive, nós tínhamos que dar um trato em quintal para garantirmos mais um dia de defumação dentro daquela caldeira. Tá cada vez mais difícil a vida para os pobres. 

   -Fumaça, quem foi que ligou para as garotas?

-O Pedroca. Por quê?

-E você tem certeza que ele ligou mesmo?

-Ligou DJ. 

-Então por que é que a gente tem que arrumar esse terreiro? Minhas mãos vão encher de calos. Por que o Pedroca não voltou ainda?

-Ô máquina de perguntação do caramba! Carregue essa brita logo.

-Por que a gente tá esparramando brita no quintal?

-Porque á farra vai ser aqui em casa.

Eu nunca tinha trabalhado tanto na vida. Fumaça pegou emprestado ás ferramentas de trabalho do seu amigo e vizinho Funil, - bebe mais que um camelo com sede-, para dar uma geral no quintal bem espaçoso e com alguns pés de frutas como: laranjeira, abacateiro e mexiriqueiras. No dizer dele, umas patricinhas vão adorar esse programão sertanejo. Mas pra isso, nós tínhamos que deixar outro quintal em ordem, porque nos planos dele muitas garotas e garotos virão para cá. 

Fumaça, esperto feito pulga de cachorro de rico, resolveu á não levar a galera pra casa dele, para passarem a noite se divertindo, porque corria o risco do dono da casa vir cobrar o aluguel atrasado á quatro meses.

-Só mais um carrinho cheio e o quintal fica no grau.

-O Pedroca tá demorando... Eu já tô cansado. –reclamei.

-Me dá essas ferramentas ai... E leve esse carrinho de brita. 

Fizemos a troca e seguimos para o fundo do quintal, onde Marcelo está pensando em esparramar a brita.

-Pronto aí Marcelo?

-Ainda não DJ.

 Fumaça e eu notamos que Marcelo está meio pra baixo e sem querer muita conversa. O infeliz já era preguiçoso, agora foi que ele se assumiu de vez.

-Esse Marcelo é um molenga. Entrega-me esse rastelo aí. –pedi, sem querer, mas foi o jeito. Quando o escurinho lançou mão do rastelo, a ferramenta tinha todos os dentes, atualmente o coitadinho já está banguela, e, o Marcelo, hum, não aluiu o pé. Eu posso assegurar que o preguicento foi quem quebrou os dentes do rastelo.

Marcelo me entregou o rastelo e foi se sentar debaixo do pé de abacates. Tão verdes os frutos! Quando ele resolver sair de debaixo do pé de abacate, os frutos já estarão podres. Ô menino preguiçoso meu Deus.  Fumaça foi fazer companhia á ele.

-E aí Marcelão, qual foi?

-O problema é a Michele Fumaça. 

-O que tem ela?

-Ela disse que não está pronta pra se casar ainda, porque quer terminar os estudos primeiros, mas eu tô desconfiado que ela não goste de mim.

Pra passar fome, antes sozinha do que ter que dividir a fome com um inútil como ele. Se ela fosse minha irmã eu diria pra ela dizer á ele que o problema não era com os estudos, sim com os nada que ele produz.

 Só tô observando a conversa dos dois. O Fumaça tá é com preguiça também. Toda essa preocupação dele com o irmão de cor é pra deixar a empreita só pra mim. Um negro preguiçoso já seria o suficiente para escorar em mim. Dois, vão me imprensar até eu me fundir á eles. E tome rasteladas, britas. Preguiça é contagiante, e quando ela é disseminada por dois negôes preguiçosos, vira peste negra. 

-Nós estamos fritos. Merda, merda, merda. –Marcelo praguejou batendo as mãos nas britas.

-Do que você está reclamando? Quem te mandou ser negro dos olhos... Qual a cor dos seus olhos? –Fumaça brincou tirando a cabeça do Marcelo do tronco do abacateiro.

-Você também tá no sal, Fumaça.

-Nós estamos no sal.

Serei bondoso para com os dois.

 -Eu estou disposto á salvar os couros de vocês. Se tiver gatinhas nessa salina, eu viro bacalhau em salmoura.

-DJ, o Marcelo acha que mulheres ricas não gostam de pobres.

-Gosta sim. Elas se sentem super valorizadas. Principalmente se forem vistam com um pobre preguiçoso. Assim elas se sentem lindas e donas de um capacho.

-Pior que o DJ tá certo. Não apenas as mulheres ricas, mas também os homens. Hoje em dia as diferenças de padrões de vida estão bem gritantes...

-Gritantes. –falei num rompante. –Estão ensurdecedoras. Como diz a música das Meninas: O rico, cada vez mais rico. O pobre, cada vez mais pobre. Por falar nas meninas, eu quero é me livrar dessa situação precária. –mostrei os calos em minhas mãos. –Já tá na hora do almoço?

Fumaça e Marcelo se entreolharam desconfiados.

-DJ. –disse Fumaça serrando os dentes e fechando os olhos. –Teremos que carpir mais três lotes baldios para conseguirmos comprar as marmitex...

-Mas você não disse que o Real é valioso?

-Falei. Mas coisas valiosas assim, somente os ricos ás possuem. Pobre não tem Real não, meu amigo.

-E vocês me fazendo de escravo. De escravo não. Pelo menos os que viviam nas senzalas, recebiam roupas, comida e um lugar pra eles dormirem. E as neguinhas gostavam deles. E nós? Sem moradia, com fome, roupas trapeadas. E, as pessoas que parecem gostar da gente, é por razão da superioridade delas em relação á nós. 

-Eu te falei Fumaça. A Michele gosta de mim, porque eu sou P.P.A.

-Traduza. –pedi, com a ponta do cabo do rastela apoiando o meu cotovelo.

-Pobre preguiçoso analfabeto.

-A é, né Fumaça? Então segura. A Miúcha gosta dele porque ele é P.P.D.

-Bis á tradução. –pedi de novo pondo o outro cotovelo pra descansar sobre a ponta do cabo da ferramenta do meu ódio. Se eu pudesse já o teria quebrado e jogado fora.

-Pobre preguiçoso desempregado.

-Que diferença faz se o Fumaça tivesse um emprego e se você estudasse, Marcelo?

-Faria muita diferença. Nós abriríamos um precedente...

Conjecturando...

-Fumaça e Marcelo, eu vou ao gabinete do presidente. E depois da minha volta, a vida dos negros jamais será a mesma. Pegue as ferramentas e comece logo á pagarem pelo favor que eu farei á todos os negros desse país.


Vire e mexe, a minha mobilette está em encostada em algum lugar á me esperar. Dessa vez eu á encontrei com o guidão colado á lataria de um carro. Deu pra notar o cansaço dele. A coitadinha cochilou e caiu esfregando a ponto do guidão, sem punho, na porta de um Corsa vinho. Tô nem aí. Quero ver o dono de o automóvel cobrar pelo estrago. Cochilou Mobillette cai, zé mané. 

Inclino-me pouca coisa, para não danificar a minha coluna vertebral já castigada pelo trabalho, e ponha a minha fiel companheiro em posição de arrancada...Vrummmm...

... Puta merda. Quando ela acorda, é mesmo que ver um supersônico nitroglicerinado.

Cheguei ao palácio... Ajeito a camisa dentro da calça e me aproximo do porteiro, negro também.

-O que você deseja moço?

-Aprende á falar, indivíduo. O que você faz aqui?

-Tô tirando a hora de almoço do funcionário de ofício.

-Você tá com cara de quem tá com sono.

-É que eu cuido dos banheiros do palácio. Zelo do jardim, e, ainda faço um extra.

-Cadê o oficial encarregado de bater continência para mim antes de me abrir a porta pra eu vazar pra dentro do palácio? Aqui é autarquia, ora bolas.

-Ele foi levar a filha do deputado á escola. Depois ele levará os cachorros da mulher do deputado, ao Petshop.

-E á que horas ele volta?

-Lá pra meia noite. Ele tem que pagar o aluguel da casa onde mora.

-Libera a minha entrada, senão eu terei que cobrir a falta do infeliz, coitadinho, vai morrer de tanto trabalhar.

A portaria foi liberada para mim

Pelo saguão eu vejo apenas uma zeladora correndo de um lado á outro para limpar o piso de granito. Pare um beija-flor.

-Que correria é essa, senhora? –perguntei.

-Tenho mais duas faxinas para fazer ainda hoje. As madames não aceitam que eu me atrase. E as barrigas dos meus filhos, não esperam.  

O não me atrase, eu quase não ouvi direito, porque ela já estava subindo á escada para limpar a vidraça. O resto eu deduzo que ela tenha dito alguma coisa relativa á barrigudinhos famintos. Deixa quieto.

-Respiro fundo e fecho a mão para bater na porta do gabinete do presidente...

Opa! Quase afundei a fuça de um entregador de pizza.

-Tem muita gente aí dentro?

-Tô entregando pizza desde ás cinco da manhã. Já são cinco horas da tarde.

-Deixa comigo.

-É o jeito. Daqui eu vou para o plenário. Vai acabar com o estoque de pizza do meu patrão. E olha que os pizzaiolo, trabalharam a semana inteira fabricando pizza apenas para os que estão reunidos com o presidente desde ás quatro horas e cinquenta e cinco minutos da tarde de hoje. Eu já vou indo.

Vai ver, eles vão receber minutos extras. 

Entrei.

Ô loco, bicho. Têm mais desocupados aqui, que moedas na caixa-forte do Tio Patinhas.

-Senhor presidente. –gritei. O grito gerou um eco que foi se despropagando até virar um cochicho aos pés dos ouvidos da centena de deputados e senadores em volta da mesa.

O presidente Fechando Consrico Horroroso teve que se sentar no centro da mesa, sobre o tampo dela, para direcionar a fala á cada um deles.

Vou seguindo em direção aos inúteis e vejo o presidente ficando de pé.

-Divino Justino. Que bom receber você. Eu quero te agradecer pelos seus préstimos á economia brasileira. –abriu os braços.

-Aproveite a sua alta elevação diante dessa cambada e os ponha pra correr. O que eu vim fazer aqui diz respeito á quem quer trabalhar e estudar. Esse pessoal aqui estudou muita malandragem para comer ás custas de trochas. –eu digo mesmo, não vou mentir.

-Reunião encerrada. Saiam todos vocês.

Fizeram caras feias, mas preferiram saírem falando aos pés dos ouvidos uns dos outros.

-Vão-vos retos satanases.

Eles saem em fila indiana deixando os pratos vazios e os talheres lambidos. Por mim, eles iriam direto para um campo de extermínio.

Subi na mesa. Agora eu estou á altura do chefe de estado. Sentei-me sobre a mesa e dobrei as pernas em x. 

-Então, senhor presidente, eu veio ao senhor em nome de uma minoria racial, e de uma maioria desempregada.

Platão já dizia...

-Platão não tem nada á ver com o que eu quero dizer. 

Sentou-se em posição de um guru. Se eu vacilar ele me engambela com filosofias que não enchem a barriga de ninguém. 

-Estou á sua inteira disposição.

-Pois bem, então. Eu quero que vossa excelência conceda vagas de empregos á negros, e vagas de matrículas escolares aos que possuem á mesma cor de pele dos primeiros..

Ele cofiou o queixo liso feito uma garrafa.

-Marx já salientava...

-Marx salientava a barriga dele cheia de comida, a cabeça infestada de ideias subversivas aquilo que eu venho propor ao senhor em favor de uma casta da sociedade.

-Pois diga.

-Promova à integração dos negros as escolas e ao mercado de trabalho. 

-Como eu poderei fazê-lo?

-Pense nesses temas e dê conta, ai, ai, ais.

-Sistema de cotas raciais. Sancionarei essa lei imediatamente. 

Comigo é assim: Pode até não ser do meu jeito, mas o importante é que dê um jeito.

-Mas, DJ... eu não sei se poderei dar procedimento á esse projeto social. Os meus aliados no governo, estão querendo amotinar contra mim. Se isso acontecer eu não serei reeleito.

-Seja mais bonzinho com eles.

-Qual a sua sugestão?

Eu seria piedoso, mas olhei para os pratos e talheres. Lembrei-me do Fumaça e do Marcelo com os olhos fundos e os umbigos deles colados ás suas contas, de tanto passarem fome, e, mudei de ideia.

-Dê á eles, ao menos o salão...

-Pagar á eles um mensalão, é isso?

Eu queria dizer para ele fazer os pilantras de sua bancada, limparem ao menos o salão de reuniões para eles comerem pizza, cinco vezes por dia.

-Pode ser. Mas que o salário mensal de cada um deputado e senador seja considerado um mensalão mesmo não ultrapassando meio salário...

-Mil salários mínimos. Você tem certeza, DJ? DJ, você está me ouvindo.

-Ãh, sim, estava. Eu queria achar uma migalha de pizza nesse prato aqui. Mas é isso mesmo.  Resolvendo os problemas dos menos favorecidos, e, sabendo agradar a sua corja, a sua reeleição estará garantida.

-Você é um anjo, como dizia Jerônimo...

-Eu tô faminto. Por acaso ele falou se é certo anjos sentirem fome?  

-Vá á cozinha da Esplanada dos ministérios e coma o quanto você quiser. Depois você volta para dar uma organizada aqui nessa bagunça e, ficamos acertados.

“Vai se ferrar, unha de fome duma figa”

-Eu já vou indo. Cumpra as suas promessas e, estaremos quites.

Pulei da mesa e senti meu estômago embrulhando a minha cabeça...



2016


-Minha nossa! Quase morro sufocado. Cada sonho maluco. Eu hem!

“Em Brasília, 19: 45”

Dormindoooo...




                                                        Ano 2014



Caminhando em uma rua estranha eu vejo pessoas olhando para o céu, como se estivessem presenciando a volta de Jesus Cristo. Eu também olho para cima e...

Minha nossa! É um troço esquisito descendo de paraquedas... Opa, em cima de mim não, mobilete voadora... mobilete... é a minha...

Eu pensei que fosse um dos pneus dela que havia se separado do quadro, mas era o meu amigo, emulsão asfáltica...

-Fumaça, infeliz...

-Fumaça o caralho, o meu nome é...

-Neguim...

-Neguim, o caralho, o meu nome é...

-Tição...

-Tição o caralho, o nome do meu advogado é Armanduma Democratis.

-Que negócio é esse? Você não se ofendia assim quando eu te chamava por apelidos.

-Democracia. O Frasil agora é um País democrático, graças á você.

-E a minha Mobí? Quem pagará o concerto?

-Ti vira, você não pode provar que fui eu que a destruí, e se tentar me acusar, eu meto um processo em você, por racismo...

Ele só podia estar brincando.

-Neguim...

-Se você continuar me chamando de neguim, o juiz vai decretar tantas causas ganhas á meu favor contra você, que até a sua bunda vai ser usada para receber os carimbos de caso encerrado. –falou sério.

-De quem é essa moto?

-É minha. –respondeu pondo o capacete e montando na moto azul, zero Km. –Engarupe aqui atrás, e vamos embora daqui.

Eu não estava entendendo nada, mas percebi que algo estava mudado, não só no Fumaça, mas também em tudo ao nosso redor. Eram muitos os edifícios, carros e pessoas em nossa volta.

Sem questionar, montei na garupa.

-Use o meu capacete, porque eu só tenho um. –me entregou e saiu dirigindo em alta velocidade.

-É muito boa de arrancada essa moto. –minha voz sendo engolida de volta pela pressão do vento. –Devagar, neguim... Mariozan.

Freada brusca no sinal.

-Temos que agir depressa. O Fragil está sendo vítima de alguns golpes.

-Como assim?

-A nossa democracia é inútil contra os golpistas.

-Eu não sabia... sai devagar, infeliz.

Veloz feito um raio, ele ia cortando tudo, até que...

-Encoste. –ordenou-nos um policial de trânsito.

Paramos rente ao meio-fio e aguardamos a advertência.

-Você estará sendo multado por excesso de velocidade e por não usar capacete.

-É você que está dirigindo, não eu.

-Mas eu sou negro. Qualquer coisa é só eu alegar que você aproveitou da minha inferioridade pessoal me forçando á dirigir sem capacete e em alta velocidade.

-Você nunca agiu assim antes.

-Só que agora eu tenho os meus direitos garantidos pela lei de direitos humanos. Sou menor, e essa moto eu á roubei. Daqui á uma semana eu completo dezoito anos. Então eu terei que encerrar a minha carreira de ladrão.

Eu ia passar um sabão nele, mas o policial estava chegando. 

-Desçam da motocicleta, vocês dois.

Descendo.

-Quem é o dono do veículo?

Entreolhadas cúmplices entre mim e o motoqueiro democrático. Eu teria de ser verdadeiro. Mas para isso, eu teria que entregar o meu amigo ladrão.

-Então policial, é...

-Policial, isto é um insulto á minha pessoa, por eu ser um afrodescendente. Eu estava pilotando a moto, isto sugere que eu seja o dono dela, mas o senhor por ser branco, acha que eu á roubei. No artigo lei numero...

-Não senhor, eu não disse que você é um ladrão.

-Agora você está dando o falso testemunho, ao afirmar que eu disse que você disse que eu sou ladrão. Tudo isso porque você pensa que a voz de um branco tem mais valor perante um júri formado por brancos...

-Eu não disse que você, por ser negro, será tido como mentiroso na presença de um juiz.

-Está vendo? Você acabou de me chamar de negro e mentiroso. Isto não vai ficar assim. –pegando o capacete em minhas mãos e o colocando na cabeça dele. –Nós nos veremos no tribunal, policial. Agora mesmo eu estarei indo ao meu advogado. Passar bem. Vamos DJ.

O policial ficou com as mãos na cintura, sacudindo a cabeça. Eu teria que me adaptar logo com os novos códigos de leis vigentes no país. O primeiro passo era não chamar mais o Mariozan de neguim, fumaça, chaminé ao avesso, resto de olaria e picolé de piche.

Não demorou, chegamos á uma casa de arquitetura moderna de aspecto externo bem bonito.

–Eu vou queimar um baseado e dar um jeito de me informar mais em um site de busca.

-Você vai virar um internectual de inteligência á baixo de zero e cérebro cheio de porcaria e fumaça de maconha.

  Não deu nem atenção. Rapidinho o pedaço de folha de papel virou um canudo recheado com erva. Isqueiro acendeu, fumaça subiu. O neguim maconheiro foi encurtando o pavio.

-Quer dá um peguinha?

-Não, eu prefiro conservar a minha saúde física, mental e moral.

Deu de ombros sugando a guimba que já estava para queimar as pontas dos dedos dele.

 Eu não sei como é que ele vai conseguir pagar as prestações da casa nova dele em Atrasilândia. Não é por causa do valor, porque é uma merreca que ele terá de pagar por mês por ele ter sido contemplado com o programa Minha casa, minha dívida. O problema é que são trinta anos de prestações mensais. Fumando maconha do jeito que ele fuma, olhe lá, se ele viva mais trinta dias. 




                                                    ***

Flagrei o meu melhor amigo, triste e pensativo.

-Fala Mariozan, o que tá pegando?

-Por favor, me chame de fumaça, neguim, tição ou do que você quiser. –havia saudosismo na fala e no olhar dele. –Eu sinto saudade daquela época. Éramos inocentes e verdadeiros em nossas amizades e conversas. Hoje somos tão mascarados e insensíveis com as pessoas.

-Beleza. Neguim, pedaço de breu, eu continuo o mesmo. Só não me sinto completo porque eu não tenho mais a minha mobilete nem a Anamara pra me encher a paciência. Mas você tinha grana ao menos para comprar comida.

-Pior que não. Quem tinha o Real eram apenas os ricos. Agora o nosso país se chama Fragil.

-Tá bom, e depois?

-Em 2003 as coisas começaram á melhorar para o povo, principalmente para os mais pobres. O nome desse gênio da lâmpada é Fuis Ricaço Gula da Silga. Mas alguns caras achavam que ele era um morrestino analfabeto, ele virou o xodozinho dos mais pobres. Se bem que o país mudou pra melhor para todos. Gula ficou oito anos no governo e conseguiu eleger a presidente Cíuma. Esta por sua vez, estava indo bem, mas depois da copa do mundo para cá, o trem tem ficado esquisito. Ela vai cair. Então teremos um governo Temerário...

-É sempre assim, quando certos políticos não se elegem pelo voto, depois de insistir bastante, eles dão um jeito de tomarem o poder.

Fumaça foi ao portão e o trancou. Em seguida, ele pediu que eu levasse a moto para dentro da casa. Eu não quis perguntar qual era o motivo de tanto cuidado ao me mandar guardar o veículo, para evitar que ele me processasse por intenção de querer submetê-lo á trabalho escravo. 



 


                                                          *

 

Eu ainda precisava me familiarizar com os avanços tecnológicos, mas á princípio, eu logo percebi que a tal da internet era uma ferramenta de extremo valor para quem soubesse usá-la. È como eu sempre digo, a única coisa que foi feita exclusivamente e unicamente para ser usada para o mau, é a arma de fogo e todo quanto é tipo de armamento bélico. Com ela, a pessoa só faz o que não presta: coagir, oprimir, ameaçar e tirar a vida de alguém. Porém, a internet fornece um monte de informações importantes e permite comparar as ideias de umas e outras pessoas. Pensando assim, eu e Fumaça resolvemos recorrer ao que ele me falou que se chama site. Queríamos uma pizza e acessamos um site gastronômico escolhemos comprar da pizzaria que tinha mais comentários positivos á favor do seu trabalho de fabricação, preço e entrega. Foi barato e rápido. Faltava-nos descobrir a qualidade do produto.

-O queijo dessa pizza é aquele famoso...

-Suíço. –de boca cheia, fumaça antecipou.

-Sumiço, isso sim. Mesmo que eu tivesse o grau olfativo de um rato de porão, eu não teria sentido nem o cheiro de queijo nessa pizza. 

-Come aí e deixe de reclamar. Pelo menos agora, sou eu quem está financiando a nossa alimentação diária.

-Engole primeiro, indivíduo.

Buscou ajuda no refrigerante para engolir o último pedaço. Eu tentei comer o meu pedaço, mas francamente, caímos no golpe da propaganda enganosa.

-Que saudade eu sinto da panifichonete em Toiânia. –lamentei girando o copo vazio sobre a mesa. –Como é que anda as coisas por lá?

-Mudou de dono e de endereço.  O Vinícius processou o antigo patrão dele, acusando-o de homofóbico.  O coitado do homem ficou pobre. Á propósito, num país democrático, as minorias são mais protegidas pela lei. Vinicius veio com lanchonete e tudo para Fragília.

-Não entendi o adjetivo e nem a parcialidade judicial. O que é homofobia?

-É quando você agride fisicamente, verbalmente ou age de modo preconceituoso contra um homossexual.

-Bom, eu até concordo com as punições cabíveis á todos aqueles que cometem desrespeitos á um gay, mas nesse caso pode estar havendo um protecionismo jurídico á classes de gêneros, e não o cumprimento da lei dos direitos humanos em sua síntese coerente e indiscutível.

-Os gays também são humanos, assim como os negros também são e merecem serem tratados com respeito.

-Ô neguim, eu te respeito como sempre o respeitei e respeito também o Vinícius, porque vocês são seres humanos. Mas agora vocês querem se colocar como se fossem super seres humanos.

-Eu não quero discutir sobre esse assunto. Mas, só para que você entenda, estes são os conceitos mais discutidos nas sociedades fragileira e aqui em Fragília.

-Estamos em Fragília? –me levantando e indo á janela. Vi apenas as paredes dos muros laterais e frontais. Se ao menos o portão estivesse aberto.

-Estamos em Fragilândia, á dez minutos do Afano duzotros e da Afanada dos ministérios. Sai da janela, porque uma bala de fuzil pode atravessar paredes e vidros.

-Estamos em guerra. –correndo para a mesa.

-Como eu já te falei, a democracia é frágil e não consegue conter o avanço da criminalidade. Os nossos valores morais se dissolvem á cada martelada de um juiz.

-E, a população aceita numa boa?

-Fica á mercê dos divisores de opiniões e formadores de conceitos.

-E qual o resultado?

-Preconceitos, intolerância, libertinagem, selvageria urbana e impunidade.

-Eu posso até estar enganado, Fumaça, mas existe um ditado que diz: a voz do povo é a voz de Deus, e isso quer dizer em termos políticos, não religiosos. O povo tem que ser ouvido, e que prevaleça a vontade do povo.

-Não agimos mais dessa forma, e você perceberá as mudanças. Portanto, o que nós devemos fazer é irmos à busca da verdadeira democracia.

-A democracia pelo que me parece, é a subversão da verdade. Ela em si já é uma mentira. Você é uma prova cabal desse fato. Você inverteu a situação com o policial, e até com o entregador de pizza. Custava á você ter dado a gorjeta á ele, ao invés de exigir desconto. Ele vai ter que pagar do salário dele.

-Você estava tomando banho e não percebeu que o picareta era negro também. Quando ele te viu indo para o banheiro com a toalha enrolada na cintura, ele disse-me que se eu o processasse, ele processaria você por ter usado de um negro para extorquir á um irmão de cor.

 Êh, êh, e os direitos dos morenos claros de cabelos lisos?

-Tudo bem, mas antes, as coisas fluíam com mais naturalidade e honestidade.

-Mas, a ditadura não cairia bem em um país com tantos conflitos sociais e intrigas políticas. O que passou, passou. DJ retrocesso.

-Se o que vivemos na ditadura militar foi bom ou foi ruim, não me importa no momento presente. Quando eu achei que era um erro, tentei concertar, deu no que deu, mas eu não me culparei por isso. O que interessa é que se há algo que eu possa fazer para mudar esse quadro em nossa história, eu tentarei, mesmo errando, caindo e me levantando, mas buscarei uma solução para esse caos monstruoso. –me levantando. –Serei Davi contra Golias. Vila nova contra o Goiás, mas como um bom estilingueiro e Vilanovense, eu não desistirei nunca, jamais, de maneira nenhuma e...

-Senta aí, ô, emocionado.

Obedeci com humildade conservadora. Ele cruzou as pernas democraticamente. Daquele jeito, pernas esticadas, um pé entrelaçado no outro, ajeitou as bolas dentro da calça e pegou mais uma folhinha, um punhado de maconha, e...

-Eu vou dar uns peguinhas, depois eu penso numa estratégia para a nossa busca.

-Deixe comigo as estratégias. Eu só preciso de um bom armamento e de uma grana.

-Sem armamento. O seu estilingue quebrou a forquilha.

-E a grana?

-O entregador de pizza tinha um advogado melhor do que o meu. Para evitar demandas judiciais contra ele eu resolvi ressarci-lo de imediato.

Desisto.

-Essa maconha mesclada com democracia e internet estão atrofiando os seus neurônios e aniquilando seus argumentos. O Jamesan Américo está por aqui em Fragília?

-Especificamente na Afanada dos ministérios em missões de reparo na democracia. Vai um peguinha?

-Não. Vai fundo. Eu estou acostumado á salvar amigos do atoleiro. Quando chegar lá no fundo do lamaçal, me mande sinais de fumaça.

-Agora, você tem nova documentação. Pegue sua identificação. –entregou-me uma identificação militar. –Você é um agente especial de hoje em diante.

-Eu sei ler, seu internectual de merda. E, pra seu governo, eu sempre fui um agente especial bem treinado para missões perigosas. É que na ditadura militar eu estava inativo por não haver violência suficiente para que eu fosse recomendado.

-O bagulho é doido. –falou prensando a fumaça e arregalando os olhos cinzentos.

-Você é doido. O bagulho aí, apenas te deixa mais doido ainda.

-Vai resolver a causa Gaymocrática, senão o Fragil vai perder o título de país democrático. Deixe que o resto a população vá empurrando com a barriga. Saiba apenas o seguinte. - mais uma prensada. –É questão de vida ou morte. O bagulho ficou sério na concepção da sociedade. Dá um tapinha aí.

-Eu vou dar é um tapão no pé do seu ouvido.























                                                                   *



Fumaça e eu nos sentamos no sofá para falarmos sobre a indisposição da igreja e da área médica para acharem a solução para encerrar com as discussões sobre homossexualismo. Ficou decretado que eu e o Fumaça iríamos contribuir com a nossa parte naquela causa justa e altruistamente mal compreendida pela os cientistas biológicos e os cientistas da espiritualidade humana.

-Mas é o seguinte, a gente tem que encontrar um DNA capaz de fornecer tais informações biológicas sobre a homossexualidade da democracia. A ciência é ateia, mas usa do seu ateísmo para procurar respostas concretas e conclusivas. Enquanto que a religião usa da fé para não ter que procurar a verdade dos fatos, basta apenas crer sem duvidar.

-Quer dizer então que o religioso tem medo de descobrir que algo em que eles acreditam, pode ser mentira, e verdadeiro aquilo que eles não acreditam?

-É isso aí, recheio de lápis preto. –me levantando para ir á geladeira.

-Olha o processo. –me acompanhou. -Soldado trapalhão, - disse fazendo suspense. –Eu tenho umas informações que poderão nos dar uma esperança.

-Comece logo á falar besteira, é melhor do que te ver fumando maconha. 

-Então escute a história mais pitoresca que você jamais pensou em ouvir. Em 1940, apareceu em Toiânia, um adolescente afirmando que ele era um enviado de Deus para restaurar a religiosidade cristã, a qual em sua própria concepção havia sido deturpada pela influência do maligno. No início dos anos 50 ele já havia conquistado alguns seguidores que acreditavam piamente que ele era a autêntica figura do messias ressuscitado que ao alcançar tal sublimidade divina irou-se com os judeus e se teletransportou para Toiânia com o intuito de arrebanhar 666 novas ovelhas obedientes aos seus mandamentos e levá-las para as pastagens celestiais. 

-Caramba. –falei batendo com as duas mãos em minhas próprias pernas. -Que filho da mãe mais charlatão. –sentei-me na cadeira e apoiei os cotovelos na mesa. Estava interessante a história. -Prossegue Fumaça.

-Sobre o pretexto de ele ser aquele que recebera diretamente de Deus a incumbência de estabelecer uma nova ordem religiosa, ele começou á disseminar suas ideias malucas, das quais, uma delas era a esperança de um porvir não muito distante, em que os adeptos de sua religião morreriam á cada ciclo de 666 luas novas, mas em fração de minutos os desencarnados receberiam das mãos de Deus o elixir da vida eterna, e ressuscitariam em pleno vigor físico e cheios de experiências adquiridas por terem passado ínfimos seiscentos e sessenta e seis segundos ao lado do pai da eternidade.

-Por que tanto fascínio pelo numero seis? –perguntei.

-Pra quem queira saber sobre esse número, basta navegar na internet. Há muitos sites que dão variados significados sobre esse assunto. Caballa, Astrologia, Numerologia mística e outros. No entanto, o que esse número significava para o impostor de Cristo, somente ele sabia. Apesar de ele ter sido criticado por alguns membros da sua colônia das ilusões, de que o tal número representava a pessoa do iníquo, ele sempre os persuadia á aceitar que foram os copistas romanos que adulteraram as escrituras, e demonizou tudo aquilo que era santo, transformando o sagrado no profano. Ele próprio se fez de morto ressuscitado diante dos olhos dos seus seguidores. 

-Ele deve ter adquirido técnica de respiração circular prolongada através de ritos de meditação mística, ou então fingiu de morto por 666 segundos engambelando os fiéis com a ideia de ele ter renascido. Mas o que isso tem haver com a causa gaymocracia?

-No regresso dele do mundo dos mortos para o mundo dos imbecís que o assistia se passando de morto, ele contou uma história mais cabulosa ainda. 

-Faça de conta que seja verdadeira, senão, pode parar de contar asneiras reconhecidamente inúteis. –abrindo a geladeira para pegar água.

-Ele esteve presente na civilização Faia, e afirmou que soube como foi que os Faianos foram aniquilados.  

Fechei a geladeira e me sentei novamente. Interessante essa conversa que até agora não tem nada á ver com a questão em pauta.

-Ô neguim, ou você me conta algo que interessa, ou então vai fumar a sua maconha e me deixe sossegado.

-Idiota, - se sentando finalmente, me xingou. –Eu sou de origem faiana, essa historia tem á ver com os meus ancestrais, e tudo que o ressuscitado contou nos anos 50 foi verdadeiramente igual àquilo que os meus antepassados ia passando para frente de geração á geração.

-Você ainda não me contou nada, infiliz.

-A civilização dos negros faianos foi aniquilada porque as mulheres trabalhavam em lugar dos homens. Devido á labuta da vida que elas levavam nos mandiocais, elas não davam conta de furunfarem com os seus maridos preguiçosos que por não trabalharem tinham o apetite desordenado por sexo. Então eles faziam sexo com umas brancas da civilização vizinha, as Fincas. 

-E assim surgiu a pulada da cerca. 

-Bom, as branconas engravidaram e povoaram suas aldeias, enquanto a do meu povo ia diminuindo á cada ciclo de lua.

-Fumaça, fumaça, o que tem isso á ver? Você tá me enrolando. Cê fumou maconha estragada, neguim...

-Não, o meu bajerê é de primeira qualidade.

-Então continue, mas abrevie a história.

-Com o passar de seis luas de chifrações ás escondidas, os Fincas descobriram a traição que as suas mulheres estavam aprontando com eles. Mais seis luas depois, os homens do meu povo os faianos, descobriram que as mulheres deles não estavam cansadas por trabalharem no cultivo das mandiocas, mas sim, que elas já tinham ás descascados e já estavam processando as mandiocas com os homens fincanos. Nasceram filho e filhas no nosso lado também. Numa noite de lua cheia, quando tudo ficou ás claras, os homens e mulheres fincanos, entraram em guerra com os homens e mulheres faianos. Foi uma mortandade generalizada entre os adúlteros e as adúlteras dos dois lados. Os únicos sobreviventes foram as crianças meninos e meninas de ambas as tribos. Mas, as crianças não sabiam lidar com as mandiocas, e mesmo assim, todos e todas á veneravam e ás guardava como seu maior tesouro...

Oh neguim embrulhão. Agora ele enrola um baseado. E depois de dar uma ligada no pavio ele o acende, puxa, prende a fumaça e depois de jogar para fora o que sobrou dela ele volta á prosa.

-Daí surgiu os povos da Estanha, trazendo as crianças, agora rapazes e moças que viviam em terras faianas por causa do cultivo da mandioca, e, os estanhóis os catequizaram com a doutrina do tristianismo do deus deles, Jesus Tristis. O nosso povo mixigenado com os Fincas aceitou a religião dos estanhóis e creram no deus deles. Mas os estanhóis só queriam a nossa mandioca. Para apossarem da nossa riqueza, as mandiocas, os estanhóis sequestraram o nosso líder, Xamã mandiocunacasca. Nosso povo pagou pelo resgate do nosso líder, mas os estanhóis o mataram assim mesmo. Então... o bagulho é doido. –saiu prensada a voz por causa do peguinha. 

-Fumaça, o que tem isso á ver com os manducunoutracoisa de hoje?

-Espera. –apagou e guardou a ponta. –Nossos rapazes e moças não aceitaram mais as exigências dos estanhóis, e com frase solene, um xamãzinho em exercício disse: Nós acreditamos no seu deus, damos á vocês as nossas mandiocas, e olha o que vocês ainda querem que nós façamos. Isso nós nunca faremos.

-E o que era nêgo? –ansioso perguntei ajeitando a calça na virilha.

-Não sei. Somente o religioso que regressou no tempo sabia de quais eram as exigências impostas pelos estanhóis, e que foram recusadas pelos Fincafaias. Mas, ele bateu as botas sem revelar o que era aos seguidores dele. 

-Nêgo antipático, por que você não morreu e foi encontrar com o religioso para descobrir dele o que era, para depois me contar essa história com um desfecho?

-O mistério está nas mandiocas, DJ borra-botas. Temos que descobrir a relação entre o meu povo e as mandiocas. Então descobriremos a origem da existência dos homossexuais.




                                                               *



Compramos algumas verduras e fomos vendê-las na feira. A nossa intenção era descobrirmos o máximo de informações sobre os gostos e preferências das pessoas em relação ás verduras. Qual o cliente que esboçasse algum interesse maior por mandioca, nós o abordaria e proporia uma parceria em nossa missão. Sempre quem gosta muito de determinado alimento, pode dar algumas explicações básicas e até mesmo profundas sobre a qualidade, lugar ideal e época para o plantio. Bem, nós sabemos que quem tem preferência por mandioca, sabe bem, como cultivá-la e onde ela deve ser plantada.  Armamos nossa barraca e esperamos pela freguesia. Fumaça numa ponta, eu noutra. –da barraca, não das mandiocas. 

-0brigado freguesa. Tenha certeza que a senhora Está levando o melhor tomate da região. Aprovada pelo ministério da saúde. Não contém agrotóxico, pois é plantado e colhido no meu sítio em Fincafaia. -Fumaça agradecia á mais uma cliente da nossa barraca de feira. Depois de guardar o dinheiro no bolso largo de seu jaleco azul claro ele vai chuviscando água nas verduras e legumes para dar lhes o aspecto de frutos frescos.

-Quanto custa o chuchu moço?- uma senhora segurando uma criança nos braços, me perguntou.

-Pois não, dona Maria. Só o chuchu? E á abobrinha, o repolho...

-Apenas o Chuchu.  –afirmou a senhora balando a criança.

-A senhora sabia que chuchu, abobrinha e repolho são muito bons para criança? -notei que o garotinho nos braço da mulher estava um pouco magrinho e raquítico. A mãe também. –E mandioca, para os adultos?

-Meu filho não come essas verduras. - a mulher garantiu colocando a chupeta na boca da criança que já começava a dar birra.

-Ah, então é por isso.

-Isso o quê moço?-perguntou-me, encafifada. 

-Ó, se a senhora levar os três pacotes eu faço por um preço especial. -empacotando as verduras.

-0 que meu filho tem?-Insistiu num tom áspero de voz. 

-É que, criança que come essas verduras, para de mamar bico e mamadeira e ainda por cima cresce e engorda. E se a senhora comer mais mandioca, a senhora terá mais forças para sustentar um gordinho nos braços.

 -É mesmo?

-Com certeza. 

-Então quanto dá tudo?

-Só 15 reais. Mais a mandioca, 20.

Comprou.

Eu adquiri a arte de vender qualquer tipo de mercadoria com um senhor baixinho e calvo no alto da cabeça, que para disfarçar a calvície penteava os cabelos enrolados que lhe restavam nas laterais e nuca com um garfo feito com raios de bicicleta fincados num pedaço de madeira. Seus cabelos formavam uma juba estilo Black Power. O nome daquela figura é Vicente. Codinome Bico-doce.  Fumaça não vendeu nem o que daria pra ele comprar um baseado. Todo minuto ele me olha meneando a cabeça dele, com cara de desânimo. Nós dois nos conhecemos dias depois do acidente que causou a morte dos pais de Fumaça. Ele também foi aluno do bico doce.

Certo dia ele foi até a feira coberta às margens da marginal botafogo, na intenção de conseguir algumas frutas para comer, e lá estava bico-doce desmontando sua barraca para ir embora. Fumaça lhe ofereceu ajuda e ele aceitou. Depois de alguns minutos de conversa, Bico-doce sugeriu que Fumaça sempre o ajudasse com a montagem e desmontagem da barraca. Proposta aceita. Porém, só o Fumaça pegava no pesado. Enquanto ele montava a banca, Bico-doce vendia as mercadorias ás vezes antes da montagem completa da banca. Através de bico doce Fumaça conheceu seu melhor amigo, eu.  Meses depois bico-doce foi preso tentando vender lotes em uma área de preservação ambiental. Em 1980 ele havia vendido dezenas de lotes numa invasão. 

-Fumaça, e aí, alguma notícias sobre a mandioca?

-Eu soube de alguém muito importante, que tem um apreço tremendo por mandioca. Só não sei se ala vai cooperar com a nossa causa.

-Não existe ninguém mais importante que nós para o povo fragileiro. 

Coçou a cabeça considerando a nossa importância.

-Tem, tem sim. A presidente da repúdia. E é ela que tem grande afeição por mandioca.

-Então ela sabe de toda a trajetória e por certo conhece profundamente a história e importância da mandioca para os fragileiros. 

-Se ela gosta de comer mandioca eu não seria assertivo em afirmar, mas que ela é a culpada pelo alto preço da mandioca e de tudo quanto for gênero alimentício, isso todo mundo sabe, até os estrangeiros.

-Já é o bastante. Temos que ter uma conversa com a presidente... Ih, ferrô. –minhas unhas acariciam o meu couro cabeludo. –Chegar até á ela é difícil. Ela não gosta de dialogar nem com os secretários dela, imagine com dois feirantes feitos nós dois.

-Rodamos.

-Vai quiabo aí freguesa? 10 reais o pacote. –falei á uma jovem que abeirava a banca.

-Não, obrigada. –foi indo á banca vizinha.

Fumaça me olhou e deu uma piscadinha.

-Freguesa, - disse á que escorregou do meu quiabo. – Compre os meus quiabos. Eles estão fresquinhos.

-Eu acho que vou levar. Quanto custa? –preferiu o do meu sócio. Isso me deu uma ideia.

-Apenas 20 reais o pacotinho. –usurento, o Fumaça. 

-Tudo bem. Embrulha pra mim. Está aqui o dinheiro.

-Estão aqui os quiabos menos babentos da feira.

-Obrigada!

Saiu.

-Fumaça. Ela me preteriu e preferiu você. Portanto, você será o enviado á presidente.

-E se ela não quiser me receber? –embolsando a grana.

-Use a chantagem da cor de pele. Se não der certo você ameaça postar um vídeo dizendo que a nossa presidente é racista. Ela terá medo de perder a popularidade por ser considerada anti-negritude.



















                                                                *


Entramos no coletivo que nos levaria ao Afanalto Central. De cara, conquistamos duas garotas, e que garotas, diga-se de passagem. Alguns passageiros já haviam embarcado no ônibus naquele momento. Isso fez com que nós e as moças tivéssemos um comportamento relativamente normal, sem os agarra, agarra e beija-beija, típico dos jovens na fase de paqueras. Eu me contentava em estar com o braço direito em volta do pescoço da mulata exótica e de vez em quando apoiar a mão esquerda no joelho dela que, ao cruzar as pernas a minissaia que ela usava deixava amostra algo mais, além das rotulas de suas vias anatômicas. Obs. as pernas da mulata não são exóticas. Simplesmente estonteantes.

Por falar em vias e rótulas, quando o motorista do ônibus manobrou para a esquerda fazendo uma rotula da pista, um garoto ficou prensado entre a lateral do buzu e uma fofinha das tranças de Rapunzel. Só sentiu aliviado quando o ônibus pegou a reta da avenida.

Fumaça é um “galinha” em se tratando de garotas. A Árvore genealógica dele diz tudo. Ele ficou coladinho com Camilla, beleza comum. Mas nas comparações do Fumaça galinha, ela era mais linda que Brigite Bardot, Michele Pfeiffer, Maitê Proença e Luísa Brunet. E quando acabou a lista das atrizes e modelos famosas, Fumaça comparou a moça bonita com uma mulher de olhar misterioso e aspecto duvidoso, que se chama Monaliza. Ao fazer essa comparação ficou claro que os galináceos só conseguem enxergar perfeitamente os grãos e os insetos que lhes enchem o papo. Na verdade, a moça não tinha nada á ver com as artistas e a obra de arte de Leonardo da Vinci. Mas Fumaça é um autêntico bom de papo de bico e de percepção, pois quando ele percebeu que o motorista ia manobrar para a direita e pegar a reta da avenida, Fumaça esperto como um galo caipira tratou de abandonar o poleiro, ou melhor, a poltrona pra não ter a mesma sorte que o garoto no canto. Se é que se pode chamar de sorte o fato de quase virar massa de pastel na hora da curva. Só não foi porque um dos elementos de prensa do suposto cilindro era bem fofinho. Na hora da curva acentuada, todos ou quase todos disseram: Ôôôôôôôô. Pahh! O garoto fez apenas “Hum.” Terminou a curva? -Ufa! Ainda bem que eu sou magrinho. –disse o garoto. 

Nem em pensamento ele diria “Ainda bem que a garota é gordinha”. Para mim, também todas as pessoas são iguais. Sem exceção de cor, raça, religião e muito menos peso. Depois dos segundos “trash” Fumaça continuou em pé.

-Senta Frank Sinatra 3º - Camila convidou Fumaça á se sentar sobre as pernas dela.

O nêgo mentiu o nome dele outra vez.

Eu diria Frango Fumaça Derradeiro.

Trocamos uns beijos antes de descermos. As garotas seguiram no ônibus. Ficamos no Afanalto. Como combinamos, Fumaça foi ao Falácio da Malaiada. Duas horas já se passaram, e Fumaça, como estará ele? Eu temia pela segurança dos seguranças da presidente. Fumaça é um cara gente finíssima, mas não consegue manter uma conversa por muito tempo, quando ele percebe que o interlocutor não está prestando atenção no que ele diz. E todo mundo sabe que os seguranças do Afanalto Central são todos arrogantes por ócios de ofícios. Eles precisam ficar atentos á quaisquer pessoas e á atitudes supostamente suspeitas. Por esse motivo, eles ficam olhando por sobre os ombros dos outros, e não dão muita atenção á quem está á falar com eles. 

Certa vez um homem robusto com cara de segurança de cassino, foi até a casa da família do Fumaça para cobrar de sua mãe uma divida que Mauricio ficara devendo na casa de jogos de azar do individuo parrudo. Fumaça e Maria, sua mãe, escutavam as ofensas pessoais que o sujeito fazia a respeito de Mauricio. Até aí tudo bem, pois seu pai era um viciado no jogo de cartas apostado. Mas o grupiê enraivado ofendeu Maria diretamente ao dizer que quem se casa com um sujeito igual a Mauricio, era ainda pior do que ele. Fumaça não quis detalhar como foi que o infeliz pagou pelo insulto á sua mãe, mas depois daquele dia o insultador se converteu a religioso evangélico e nos seus sermões ele afirmava que antes de encontrar Jesus ele teve que passar pelo vale da sombra morte.

Não demorou muito, Fumaça me reaparece de paletó da cor dele, ainda abotoado. Pelo jeito ele não arrumou briga.

-Fala Fumaça, e aí?

-Não deu pra eu falar com a presidente. Ela estava em reunião com uns membros do sindicato dos pedreiros. Os caras são importantes na sociedade, no desenvolvimento do país, e até na proclamação da...

-Tá bom, chega. Eu estava ouvindo o que algumas pessoas falavam sobre á ida deles ao gabinete da presidente. Pelo jeito, eles estão forçando a presidente á tomar uma decisão sobre algo que interessa á classe trabalhadora que eles representam, afinal de contas, eles são os construtores da nossa nação.

-Eu ouvi alguém dizer lá no Falácio, que um dos aliados dela no governo e membro do sindicato já havia entregado a caixa de ferramentas, portanto, a camaradagem entre o sindicato e ao que entregou as ferramentas, teria sido desfeita. 

-Alguma coisa está acontecendo, Fumaça. Um construtor não entrega as ferramentas sem ter acontecido da parte dele alguns motivos escusos, os quais o sindicato dos construtores não os aceitam. E se os engenheiros, mestres de obras e pedreiros foram procurar a presidente, é bem provável que eles queiram que ela assine um decreto em favor deles, ou que ela desista de cometer algum erro. 

Voltamos para casa.


A reunião da presidente com os construtores me deixou ressabiado. Estariam eles arquitetando algum plano contra o governo, ou querendo alertar a presidente á respeito de algum golpe para a nação. Por que um dos construtores entregou as ferramentas? Eis as questões.

-Os construtores estão insatisfeitos com o governo. Isso vai dar merda. 

-Como assim, eles não são apenas construtores? O que eles têm á ver com mandiocais?

-Os construtores estão por toda parte e são unidos. É lógico que existem alguns traidores que cobram por diárias mais caras, mas na grande maioria eles são como á irmãos de sangue. Eles também derrubaram e construíram casas em terras dos Faias.

-Explique-se. –pedi.

-O construtor que entregou as ferramentas ou os que foram falar com a presidente, pode estar armando alguma casinha para a nação. De qualquer forma, tudo indica que foi depois que a presidente declarou queda de preço da mandioca. Nós temos que encontrar uma pessoa da linhagem dos Fincafaia.

Eu estava com os olhos vidrados na tela do celular, averiguando a autenticidade dos vídeos. Realmente, podia-se confiar porque foram postados em sites de emissoras de televisão. Mas, uma coisa me chamou atenção.

-Fumaça, olha a data. E nada aconteceu ainda. O preço da mandioca continua subindo.

-Me escuta... Os Faias criaram uma espécie de relatório numeral de produção, usando os cestos de mandiocas. A cada cesto de que eles estocavam era contado como á um ano. No relatório Faia, foram marcados 2012 cestos de mandioca, quando os estanhóis os aniquilaram. A história contada até hoje é a de que os números eram um calendário Faia, e era uma espécie de profecia do fim do mundo. Mas, não era. O relatório numeral Faia, continuaria sendo feito com mais cestos que seriam estocados. A história do calendário do fim do mundo foi inventada para os Estanhóis tirarem os deles da reta. Parou a contagem porque todos foram assassinados.

-Se fosse profecia, teriam falhado também.

-Pode ser, mas havia mais seis cestos que tinham sido desviados do estoque por um casal de corrupto da tribo. Nosso povo acreditava que por causa deste roubo a tragédia fora abreviada. Os meus pais contam que os ladrões de cestos foram perdoados e se salvaram de serem mortos pelos estanhóis. Eles tiveram relações sexuais héteros com as estanholas e estanhóis e tiveram filhos e filhas. Por isso, eu e os meus pais existimos. Porém não somos puros sangue Fincafaia. Mas, o religioso fascinado pelo número 6, anunciava á seus seguidores, que, á cada 2000 nasceria uma Fincafaia legítima e apurada. 

-Talvez nela estejam os códigos genéticos que explicam a homodemocracia.

-Teríamos que encontrá-la, e, existe um fator que favorece á nós dois nessa caçada. Eu posso farejar um Fincafaia. A religião e a ciência teriam que reavaliar crendices e coletar sangues de humanos para testes de DNA. Enquanto eles perdem tempo com esses procedimentos, nós dois saímos do pit stop.

-Por onde começamos?

-Na terra da mandioca. Lá encontraremos quem nós procuramos.

Precisávamos economizar o máximo de nossa grana que já estava nas categorias de base. A reserva foi o suficiente para abastecermos o tanque da moto que, pois a quantidade da gasolina deu apenas para elevar o ponteiro até ao sinalzinho vermelho no painel. Recorri-me as minhas memórias da época da ditadura e concluí que, se comparar o preço do combustível da época do governo militar com o de hoje, eu era injusto em sonegar gasolina á minha mobilete quando eu metia Tínner no tanque da bichinha. Atualmente, os combustíveis estão tão caros que tivemos que abastecer a moto para tentar conseguir vendê-la por um preço mais em conta. Para a nossa viagem, uma motocicleta não seria a opção correta, então, decidimos vende-la e fomos á uma loja de compra e venda veículo. O negócio de venda de veículos automotores não está indo nada bem. O pátio estava lotado de carros, nem um comprador e nem tampouco um funcionário vendedor. Negociamos direto com o proprietário.

-Gostei da moto. Quanto você pede por ela?

-Cinco mil reais. –Fumaça deu o valor.

-O tanque tá cheio?

-Cheio até na reserva. Se você não quiser comprar a moto completa, a gente vende só a parte de cima do tanque também. Só utilizamos a metade de baixo mesmo. –eu, fui honesto na negociação.

-Já que o tanque tá na reserva, eu pago três mil reais apenas.

-Vai roubar de outro, infiliz. Vamos embora, Fumaça.

Saímos de quinta. Eu já não apoio nenhum tipo de extorsão, ainda menos, quando os extorquidos serão, eu e um amigo meu.


                                                                  ***


-Eu acho que a gente devia ter aceitado os três mil. 

-Empurre aí e cale a boca Fumaça.

-Essa moto tá com a documentação atrasada e com dezoito multas á serem negociadas.

-Então é por isso que você á mantém na garagem para evitar a busca e apreensão expedida pelo Detran. Eu sempre digo que desonestidade tem rodas curtas.

-Mas o caminho que teremos que percorrer é bem longo, e com a sua honestidade, olha só onde estamos ainda.

Estávamos circulando o Falácio da Malaiada. Senti vontade de descansar debaixo de uma sombra por já estar cansado de empurrar a moto. Ainda era manhã, mas que eu já tinha gastado de energia física daria para manter em funcionamento uma moto de 1000 CC. 

-Pare Fumaça. Vamos descansar no meio-fio.

Mal nos sentamos, Fumaça me fez levantar imediatamente.

-Olha ali quem vem vindo.

Olhei, admirei, não acreditei, mas, era ela: Cíuma, a presidente da repúdia, pedalando sua bicicleta. Ela seria a nossa salvação.

-Só tem um segurança com ela. Eu acho que nós podemos á abordá-la para pedir apoio em nossa campanha. Use a sua identificação de soldado...

-Que soldado que nada. Enviado especial é mais referencial. Venha comigo. –falei indo para a ciclovia.

Quando ela nos viu empatando o caminho, apeou da bicicleta. O segurança tomou a frente dela.

-Imbessias, saia da frente. Eu quero ver quem são os meus opositores.

-Senhora presidente nós somos enviados especiais para reportar á senhora, uma missão especial. - anunciei, em posição de sentido. Bati continência, e, ao voltar a mão para trás, acertei a mandioca do Fumaça atrás de mim.

-Mas quem são vocêss, á início e final de conversa? Não veem que eu estou em meu momento de exercício matinal no período da manhã?

-Não incomode a presidente. Saia da frente antes que eu assovie chamando os seguranças que estão controlando o perímetro disfarçadamente. Olhem nas árvores, detrás dos carros e até em cima dos muros. Eles estão por aí, e...

-Imbessias, imbecil. Assim você está delatando o meu esquema de segurança.

-Sim senhora, senhora presidente. 

-Melhor assim. Agora, me diga quem são vocêss. –tonificando bem a sílaba “cês”. –Vocêss estão grampeados, não estão.

-Para ser sincero, senhora presidente, todos nós estaremos ferrados, se vossa excelência não cooperar com a nossa causa.

-Mas o meu governo já mantém o bolsa fomília. O que mais, vocês pobres querem que eu faça?

Fumaça chegou os lábios de búfalos dele ao meu pé do ouvido.

-Ela não devia falar que “ela” mantém o bolsa fomília? –cochichando.

-Sim, mas não liga pra isso não. Ela é muito simples, mas com linguagem técnica competindo com a popular.

-Vocês estão mancomunando contra mim. Seria um golpe?

-Golpe. –o imbecil segurança disse em alto e bom tom. –Golpe, golpe. Seguranças, seguranças...

-Cale a boca, Imbessias. Foi apenas uma hipótese hipoteticamente hipotética.

-Sim senhora, senhora presidente. –disse á ela. –Podem voltar para os seus lugares. Foi alarme falso. 

Olhamos e vimos um monte de macacos vestidos de preto, pulando das árvores, saindo debaixo dos carros... meia volta vou ver. Voltaram. 

-Que negócio é esse de ela passar a mesma ideia usando palavras...

-Cola a boca fumaça. Você está fazendo cócegas em meu ouvido. Passe-me a mandioca... opa, essa não, idiota. –dei um pinote pra frente. – Desculpe-me, senhora presidente. É que o meu parceiro e o seu secretário aí, merecem ser enjaulados juntos.

-O que vocêss querem afinal de contas, com essa mandioca na mão? Tudo que eu pude fazer pelo agronegócio eu já fiz. Inclusive, estive publicamente com povo e com a televisão, e decretei baixa de preço da mandioca e de outros gêneros alimentícios de alimentação comestível.

-A senhora não fez isso, senhora presidente.

-Eu não te chamei na conversa, Imbessias.

Ele fez beicinho.

-Senhora presidente, temos de fazer mais pela mandioca, e, nós só precisamos que a senhora libere uma verba para que possamos empreender uma missão de busca ao verdadeiro sentido da mandioca na vida de uma boa parcela da população. 

Fumaça, finalmente saiu detrás de mim.

-Senhora presidente, eu e o meu parceiro queremos que a senhora dê umas pedaladas de volta á sua residência e nos traga uma verba para sustentar a nossa missão. É de suma importância para o povo fragileiro, saber mais sobre as raízes da mandioca e o que a história dela representa.

-De quanto vocêss precisam? –pegando o celular da mão do Imbessias. 

-De uns cinco mil reais em dinheiro...

-Tudo bem. Só essa quantia não será preciso ser desviada de nenhum projeto social. Imbessias... 

-Senhora presidente. - antecipei o Imbessias. –Precisamos de um dinheiro em nossas contas bancárias. Mais cinco mil reais em cada uma delas.

-Bom, aí eu terei que pedalar no orçamento da união. Mas, será por uma boa causa. Me passe os dados das contas de vocêss.

-Onde está, Fumaça?

-No banco da Suíster. Tô indo buscar.

Rapidinho, alegre feito um tiziu, Fumaça voltou pulando com os dados das contas. Quando ele voltou á nós, eu já havia embolsado á grana em espécie.

-Pronto senhora presidente. Faça isso por uma boa causa. Agora mesmo estaremos viajando em caráter de missão no exterior do Fragil. 

-No interior, Fumaça de lamparina duma figa. –corrigi.

Ele me ignorou fazendo beiços. E que beiços! Parecia um pneu de colheitadeira, dobrado ao meio.

-Fique com a nossa motocicleta para que vossa excelência não precise mais pedalar. -ofertei.

-Pegue a minha mandioca. –Fumaça ofertou.

-Obrigada, obrigada pelos presentes. 

-Contrate alguém da polícia federal, para...

-Vambora, DJ. Deixe de dar palpite. – Fumaça saiu me puxando quase arrancando o meu braço, 



                                                              *



Dentro do ônibus que eu e Fumaça viajamos para a distante cidade Mandiobrás, tem uma televisão ligada, e a programação jornalística só falava da causa gay e de malefícios supostamente causados pelos homossexuais. É certo que, badernar a ordem pública atacando a religião cristã, é de muito mau gosto e desrespeito com a fé das pessoas. Mas há um pouco de exagero nas acusações que causam opiniões contrárias quase unânimes em relação aos homossexuais. Por exemplo, dizer que a boiolagem é culpada pela deterioração dos valores morais das famílias, isso é arbitrário e absurdo. Eu gostaria de esclarecer o seguinte: Até o início da década de 90 a educação aos filhos era um dever dos pais. Sendo assim, os pais tinham o direito de corrigir e educar em seus filhos, e o interessante é que esse conceito tinha respaldo bíblico. Porém, um político, conseguiu aprovar o projeto lei de proteção da infância e juventude, transferindo ao estado o dever de educar aos filhos. Desde então, a família foi destruída. País não podem corrigir os filhos. Mas as autoridades competentes podem puni-los ao modo delas. Desde então, vemos os filhos cada vez mais rebeldes e desobedientes a país e mãe, tornando-se maus elementos. E agora querem dizer que a questão homossexual é culpada pela destruição da família. 

A concepção de uma família não se dá por relações sexuais homo afetivas, nisso eu concordo. Porém, a destruição das famílias acontece quando os valores familiares são subvertidos.

É bom que não se misture uma coisa com outra. 

Hoje em dia, muito se fala sobre a destruição da família, e o que vem a baila como fator destruidor é a questão homossexualismo. Como sempre, os internectuais começam a manifestar suas opiniões compiladas de terceiros que querem culpar a minoria homossexual por boa parte dos males ocorridos com as famílias. Somos seres adaptáveis, e acostumamos com aquilo que nos é exposto ou imposto. Vivemos em um país onde a cultura da depravação e maus costumes, é disseminada em todas as esferas da sociedade e faixa etária de idade, nas artes como música, dança, pintura e até cênicas, sim, teatro e televisão também, porque aquele indecente que engoliu o crucifixo pelo rabo, e os outros que representaram Jesus gay e outras escrotices, só podiam ser atores e atrizes pornôs contratados para realizarem aquele show dos horrores. Eu acredito que, nenhum homossexual decente aplaudiu aquele espetáculo dos horrores. Fumaça, até dormindo ele fala em mandioca.

-Essa é a minha, indivíduo.

-Ãh, ãh, o quê? Já chegamos?

-Não sei nêgo. É você que conhece o lugar.

-Temos que saber tudo que pudermos sobre o Fragil, porque pra onde a gente está indo é meio isolado. –enfiou a mão no bolso da calça e sacou...

-Fumaça, você comprou maconha?

-Só cem gramas, e pare de dar ibope. Estamos em um ônibus.

Agora sou eu quem fica com a cara colada no vidro da janela do ônibus. Se existe algo opcional, é o uso de drogas, mas para o Fumaça, o vício começou como um negócio em família. Os pais dele fumavam maconha para espantar os mosquitos nos mandiocais, o Fumaça nunca trabalhou num mandiocal, mas era ele que fornecia a erva aos pais dele. 

-DJ, olha isso aqui. –mostrou-me o celular.

-É a presidente em entrevista aberta... com a mandioca na mão. Estamos atrasados.

-Minha nossa mãe. Ela estava proclamando á nação, sobre os benefícios da mandioca. 

-Fumaça, será que ela já sabia de toda a história?

-Com certeza já tinha sido informada mais detalhadamente. Olha esse site oficial da união aqui. Ele fala dos projetos que tramitam na câmara dos deputados. 

-O que você quer saber que será feito por aqueles que não fazem nada?

-Para ligar uma coisa com a outra. 

-Só se for ligar o Fil do Kit em seu pescoço e apertar até saírem dos seus ouvidos toda fumaça de maconha acumulada em seu cérebro.

-DJ, você não entendeu. Saca só. Os projetos do Rian Uibicha podem ser aprovados. Ciência e religião se propuseram á descobrir a verdade sobre a causa da homossexualidade das pessoas. A presidente enalteceu o valor da mandioca. Na mandioca está a resposta para o homossexualismo gaymocrático. 

-Fumaça, temos que ser rápidos em nossa busca e encontro, porque muitos projetos ainda em discussão no plenário dependem do êxito da nossa ida e volta da terra da mandioca. Estamos á um passo para libertar o povo fragileiro da ignorância cega.

-Da ignorância cega, eu concordo, mas quanto á um passo, hun, hum. Falta muito ainda. Tem muito chão pela frente. Eu vou tirar mais um cochilo. Fique de sentinela, DJ.






                                                           *


Não sei quantos dias depois, cansados e sem dinheiro, nós desembarcamos em uma cidadezinha no meio do caminho, porque não tínhamos mais como custear as nossas despesas com a viagem, alimentação e banho. Fumaça gastou a nossa grana comprando maconha importada da Colombra. No televisor ligado, da rodoviária, ficamos sabemos que a presidente Cíuma foi reeleita. Teremos que justificar os nossos votos. 

A única saída seria ligar para a presidente.

Sentamo-nos no banco da rodoviária e fazemos uma ligação á cobrar.

-Senhora presidente, parabéns pela vitória. –falei tapando um ouvido. –Nós precisamos que a senhora nos mande uns trocados em notas de cem reais...

-Lamentavelmente eu lamento, mas não posso fazer mais transações bancárias. A oposição tentou me derrubar usando a copa do mundo. Não conseguiram, mas não está me dando sossego. 

-Dê umas pedaladinhas até aqui onde nós estamos. 

-Onde vocêss estão?

-Em uma cidade sustentada pela Perdeogás... O que foi, Fumaça.

-Perdeogolândia. –disse ele, quase engolindo a minha orelha esquerda.

-Perdeogolândia, senhora presidente.

-Olha, a distância até aí é distante demais, mas no que se refere ao pedido de vocêss, eu posso arrumar duas vagas de empregos para dois de vocêss dois. Aí então, vocêss poderão seguir a viagem de vocêss.

-Só um momento, senhora presidente. Deixe-me consultar o meu parceiro. E aí Fumaça?

-Pergunte á ela se nós vamos ganhar vale transporte, ticket alimentação, e se a gente passar empregado por mais de três meses, a gente se aposenta.

-Vai virar senador, nêgo. Senhora presidente, pode nos direcionar ao emprego.

-Compareçam no escritório da Perdeogás. Eu vou mandar um enviado enviar ás suas referências e a minha recomendação. No que se refere ás suas contratações, que fique bem claro, que vocêss não são meus parentes. No meu governo eu não aceito nepotismo...

-Mas nós não somos seus parentes, senhora presidente.

-Perdão, corrijo-me eu mesma. Agora vão para a estatal petrolífera e assumam os seus cargos. 



                                                                   ***


Chegamos á um escritório bem moderno de paredes de vidros com vista para o mar. Acredito eu, que nós seremos fichados como sendo nós limpadores de caldeiras. Bem ao longe, vemos fumaça saindo de chaminés gigantes ao alto-mar. Meu amigo Fumaça me acompanha todo sorridente em direção á rampa no cais que nos leva ao escritório. 

-Fumaça, por falta de água você não fica sem tomar banho. Água salgada esfolheia todo o macuco acumulado na sua pele durante a sua vida inteira.

-Se você não calar a boca, eu faço você escavar petróleo sem aparelho de mergulho.

Calei-me. 

-Eu entro primeiro. Vai que só tem uma vaga. –falei abrindo a porta de vidro.

Fumaça quase me atropelou e chegou antes de mim ao departamento de pessoal. Quando eu cheguei, ouvi a secretária dizendo que nós estávamos na repartição errada.

-A plaquinha diz: D. P. eu sei lê, pra seu governo. –disse Fumaça.

-Mas desconhece as iniciais. D. P. Donos do Petróleo. –disse a mulher que se parece com a Elisabeth Taylor.

-Com licença. –falei tomando a frente do Fumaça. –Nós viemos á mando da sócia majoritária. 

-Perdão. Vocês são acionistas?

-Somos não, mas fomos acionados pela presidente da...

Eis que surge um cinquentão parecido com o James Cameron... Mas é o Jamesan Américo.

-My friend DJ. –disse ele abrindo os braços. –Eu já esperava por você. –apertou a minha mão.

-Maifrend Jamesan. Á quanto tempo eu não te vejo. –senti os ossos dele estalando por força do abraço que eu dei.

-Quanta honra te receber. –gemendo ele disse, e deu três tapinhas nas minhas costas.

Quando findou o nosso abraço ele segurou em meus ombros e olhando em meus olhos...

-Você chegou na hora e no momento certo. –disse á mim e virou-se para a secretária. –Alberta, esqueça as laranjas. Traga-nos cafezinhos. –disse á ela e virou-se para mim novamente. –Eu quero te apresentar aos membros associados. Vamos ao meu escritório.

-Senhor Jamesan, são quantas xícaras de café. Mais de uma dúzia, como sempre?

-Perfeitamente, Alberta. –estalando os dedos e espremendo os olhos.

-Fumaça, ajude ela com os seus irmãozinho fumegantes. –falei.

Jamesan e eu seguimos para o escritório. No trajeto nada curto por causa da amplitude do escritório nada modesto, ele me faz saber que está havendo muito vazamento de petróleo para lugares não especificados, e, eu seria a pessoa certa para sanar esses vazamentos.

-Os técnicos já verificaram os dutos de escoamento do petróleo? –eu dando uma de especialista em desperdício de óleo negro.

 -Sim. Achamos que possa ser furos nas centrais de distribuição em território nacional. 

 -Unh, talvez seja por isso que os derivados de petróleo estejam tão caros. É uma forma de compensação para o que se perde. Verei o que eu posso fazer para reparar esses danos.

-Dentro dessa sala temos todo o aparato para te auxiliar em suas buscas por defeitos nas tubulações. –girou a maçaneta. –Entre e descubra tudo. Eu tenho reunião marcada com alguns acionistas na outra sala. -ele foi bem mais tranquilo.

-Jamesan, espere. –vou até á ele. –Precisamos falar sobre... –friccionando os dois dedos.

-Seu salário. Entendi. Não se preocupe, você será muito bem remunerado. Até logo.

-Deixa comigo e com o meu assistente. 

Voltei satisfeito.

Em qual das duas salas eu entro? Tateando os lábios perguntei á mim mesmo.

Entrei em uma sala equipada com computadores de última geração, e, começou a minha enxaqueca. Eu nem sei operar essa parafernália toda. Tem dois jaleco brancos pendurados nos encostos de duas cadeiras. Já me forneceram o uniforme com um de reserva.

Vestindo um. Pronto. O outro eu emprestarei ao Fumaça. Vestindo um jaleco, ele vai ficar a sobra do baseado que ele apaga para fumar depois. 

Sento-me de frente á um monitor que exibe um gráfico com linhas oscilantes em picos de zero á cem. É melhor eu esperar o Fumaça.

Em uma mesa de pesquisas químicas tem um recipiente de vidro com marcações numéricas, cheios de líquido preto. O deixarei quieto. Vou tentar identificar os vazamentos. 

Teclando e tecla Enter... pronto, deve ser esse o projeto de todo a encanação condutora de petróleo. “Condutores e receptadores de óleo em estado bruto. Tráfego de fluência”

Seguirei o projeto gráfico tecnológico e solucionarei o problema. Terei que escrever um laudo técnico. Cadê o papel e a caneta. Achei. Em cima da mesa tem aproximadamente uma resma.

Vixe, quantas anotações em inglês! Ninguém sentirá falta de uma folha retirada do meio de quinhentas. Beleza. Relatando os defeitos.

Rascunhei rapidinho e dei um papilote na folha.

É isso aí, está diagnosticado e rascunhado o relatório. Engoli letras, mas para uma simples conferência feita por mim mesmo, eu entenderei tudo.

A porta se abriu.

-Fala, Fumaça.

-Eu trouxe os nossos cafés. Nossa, quanta tecnologia!

-Bote aí em cima dessa mesa. Eu tô ocupado analisando alguns defeitos.

-Puta merda, alguém deixou um copo de café aqui. Que desperdício. Vou jogá-los fora. Opa, derramou...

-Não tire a minha concentração, nêgo. –falei indo tomar um pretinho fresco. –Eca. Muito fraco esse café. Quero não.  –joguei a sobra no recipiente vazio e voltei para o trabalho. –Não mexa nessa folha escrita por mim.

-Mas é que eu deixei cair...

-Silêncio. –ordenei sem olhar para ele. 

A porta se abriu outra vez. Não era a Alberta que entrou. Não posso parar com a minha análise para dar atenção á ela.

-Com licença. Eu vim pegar os relatórios da conferência anual do desempenho da Perdeogás. –foi á papelada sobre a mesa. –Você já analisou a qualidade desse produto? –mostrou-me o recipiente.

-Pra ser sincero, analisei sim. É uma porcaria. Fraco e sem consistência. Agora, se me der licença, eu preciso descobrir em que buraco eu entro para concertar os canos com vazamentos.

-Tudo bem, eu vou repassar aos acionistas os resultados das suas análises. –foi-se.

Beleza. Chequei tudo. Eu já tenho um plano.

-Fumaça, você e eu vamos dar uma de tatús... cadê a minha folha-diagnóstico?

-A outra secretária a levou para a sala de reunião com os acionistas. 

-Merda. Apenas eu entendo os meus garranchos caligráficos. Eu vou lá.

Rapidinho eu já estava dentro da sala onde só tem gente abonada. E eu pensando que a Perdeogás pertencia á todos nós fragileiros. Os amarelos são de maioria gringas.

Quase que nenhum deles se levantou para me cumprimentar. Somente um ficou de pé com as mãos apoiadas sobre. Procurei o Jamesan Américo entre eles e não o vi.

-Então é você o consultor enviado para nos esclarecer os desvios? 

-Sim. Eu descobri tudo quanto é desvio que existe e as causas desses prejuízos.

-Você poderia traduzir para nós o que você escreveu nesta folha? 

-A minha letra é quase ilegível porque eu fui médico também. –menti de cara limpa.

Ele me passou a folha, com ar sério e sisudo.

Limpei a garganta e... borrada, talvez de café. Ô Fumaça desajeitado duma figa!

Sacudi a folha. Uma coisa ardida caiu em meus olhos. Não consigo enxergar direito. 

-Vamos, traduza.

-Secretária, leia para mim. –pedi passando a camisa nos meus olhos.

-Tudo bem, eu leio. –pigarreou. – O desperdício é propinoduto e tráfico de influência. Nota: Cíuma presidente fecha com Fuis Ricaço Gula e estão desviando o petróleo do Fragil. 

Eu estava tentando limpar os meus olhos e não pude ouvir direito o que ela leu, mas acho que eu até escrevi legivelmente.

-Você concorda com esse esclarecimento? –eu não vi quem foi que fez a pergunta.

-Sim. A letra é do meu assistente. –menti feio. -Mas a análise e o diagnóstico foram feitos por mim. Secretária, por favor, escreva em inglês o que você leu e entregue ao meu assistente que está na outra sala. Depois eu repasso ao meu chefe amerdicano. Acrescente a má qualidade daquela porcaria rala que eu provei.

-Tudo bem. –foi-se, apressadinha.

-A intermediária Glacy Roubemy já nos fez saber que você não aprovou a qualidade do... 

-Pois é. Compensa não. Se eu fosse você não pagaria nem um centavo por uma merda daquelas. No Pré-sal deve ter um pretinho diário muito melhor que esse daqui. Se é que lá se consegue pelo menos 1/3 da merreca rala que um profissional experiente como eu consegue obter com muito esforço e trabalho árduo.

Cofiadas simultâneas de inúmeros queixos.

-E como ficam as nossas ações, devido á tanto prejuízo?

-Vocês não agirão em nada. Á não ser que queiram se socar nos buracos e entrar pelos canos.

Eles se consultaram com corridas de olhares silenciosos.

Jamesan Américo chegou batendo uma palma e com aquele ar de felicidade. 

-Então senhores, já tomaram uma decisão? 

Todos se entre olharam ressabiados.

-Sim, Jamesan. –disse o que parece ser o líder do conselho. –Decidimos vender as nossas ações ao seu grupo de investidores internacionais.

-Você fez a escolha certa Ebuiado Buia. Todos vocês sairão ganhando nessa negociação. -agora ele bateu três palmas seguidas.

Imediatamente, Alberta entrou na sala dirigindo um carrinho de estoquista de depósito, lotado de maletas até aos cabos.

-Aqui está o dinheiro em dólar. Os contratos já estão prontos para as assinaturas de transferências. –entregou á Jamesan, a papelada.

-Eu admiro muito a sua eficiência, Alberta. –Jamesan pegou primeiro os contratos e os levou á mesa.

Fico vendo uns trintas barões do petróleo, inclinando as costas para autografarem as papeladas. Do redor da mesa eles sairão mais ricos ainda. Jamesan é só alegria. Esse Tio Patinhas não vive um sonho amerdicano. Ele vive a realidade.

Ebuiado Buia vai levando as pilotando a pilha de maletas, atrás dele segue um séquito de marmanjos. 

-Se vocês quiseram, eu ponho pelo menos 10% disso aí no banco da Swíster que está um pouco distante daqui. Eu só preciso ressarcir a presidente Cíuma com uma boladinha.

Sem me darem respostas saíram. Eu me lembro de ter visto esses mesmos maleteiros no Afanalto central.

Ficamos, eu, Jamesan e Alberta na sala.

-Traga-me os resultados das análises de mercado e da qualidade do petróleo em estado bruto, que os meus contratados americanos fizeram.

-Sim senhor, senhor Jamesan. –ela foi.

-Jamesan, eu já vou indo também.

-Espere, espere. –enfiando a mão no bolso. –Coma uma pizza. –disse, entregando-me um pacotinho com notinhas de cem reais. –Tenha isto como á um adiantamento pelo seu trabalho.

-Obrigado por tudo. –agradeci e... fui.

Passei por Alberta no corredor. Ela estava ansiosa lendo alguns papéis. Eu nem dei bola á ela porque eu também estava ansioso para dar logo os 5% da grana para o Fumaça.



                                                                 *


Fumaça, olho grande como sempre, exigiu que eu dividisse meio á meio com ele a grana que eu recebi. Eu dei á ele os 2.500 reais dos 5. 000 que o Jamesan me adiantou porque eu imaginava que do bolso que saiu aquele dinheiro sairia quantias maiores e viriam para as minhas mãos também. Acontece que, quando amanheceu o dia, nós voltamos para mais um dia de trabalho. Porém, quando chegamos á portaria de entrada damo-nos de caras com uma placa de aviso. 

“Perdeogás. Fechada para investigação da Polícia Federal.”

Com as mãos nas nossas cinturas e de caras para cima em direção ao aviso, Fumaça e eu conversamos sobre a situação de desempregados, á qual nós dois novamente nos encontramos.

-E agora Fumaça, será que a gente tem direito á seguro desemprego?

-Acho que não. Nem chegamos á ser efetivados nas funções. Ainda bem que eu não acreditei na sua história de que você teria encontrado uma fonte inesgotável de dinheiro. 

-Será que o Jamesan Américo já previa essa interdição, e por ser meu amigo, ele me pagou adiantado pelo meu serviço feito ontem?

-Não sei não, mas, eu acho que ele bancou o velhaco com os outros acionistas.

Sentamo-nos na rampa, a mesma que nós ontem subimos por ela quebrados e descemos por ela abonados.

-Por que, Fumaça?

-Você viu aqueles papéis que estavam em cima da mesa no laboratório de análise?

-Vi, claro que eu vi.

-Pois é... entre eles tinha um parecer de um analista de qualidade do petróleo extraído. Só que eu derramei o material analisado sobre a folha com o resultado. Mas aí a secretária o levou para a sala de reunião e quando ela voltou trouxe outra folha limpa e com as mesmas anotações escritas no idioma inglês.

-E, o que era que estava escrito? 

   -The waste is propinoduto and influence peddling. Note: Cíuma president closes with Fuis Ricaço Gula and are diverting the oil of the Fragil. obs: the extracted oil is of poor quality.

   -Agora traduza, professor aloprado desnutrido.

   -“O desperdício é propinoduto e tráfico de influência. Nota: Presidente Cíuma fecha com Fuis Ricaço Gula e estão desviando o petróleo do Fragil. obs: o óleo extraído é de má qualidade”.

   -Puta merda. A intermediária Glace Roubemy, entendeu e escreveu tudo errado. Eu pedi pra que ela escrevesse assim: o desperdício é próprio nos dutos de tráfego e de fluência. Nota-se uma persistente brecha com um furicaço gula desviando o petróleo do barril.

   -Só isso? 

   -Sim. São esses os causadores do prejuízo.

-E a má qualidade do petróleo?

-Eu falei do café sem pó e sem açúcar, que você me levou.                                                                      

-DJ. –disse ele se levantando. –É melhor a gente seguir nossa viagem. Isso vai dar um fuzuê danado. Aquele amerdicano não vai deixar barato o prejuízo que ele levou, e vai querer cobrar de presidente e do Gula da Silga.

-Mas, o Gula e a presidente podem alegar que eles não sabiam de nada. Eu não os vi negociando lá dentro.  Quem passou para trás o Jamesan Américo e os outros amerdicanos acionistas, foram, o Ebuiado Buia e as bancadas...

-A presidente e o Gula, sempre alegam que não sabiam de nada. Uma hora essa desculpa não vai mais colar. Se você quer ficar para ser preso por tráfico de influência e quebra de uma petrolífera, você fica. Eu vou...

-Você não vai á lugar nenhum sem mim, nego. –agarrei na barra da calça dele para me levantar. –Sigamos em frente em nossa viagem rumo ao desconhecido.



                                                                      *


Se eu der um grito do ponto onde estamos, a onda sonora viajará por uns mil quilômetros até se estatelar num rochedo. É brincadeira, eu já consigo avistar um povoadinho logo mais á diante. Se não for miragem. Mochilas nas costas, lá, vamos nós. O céu sobre nós é de um azul límpido, e a vegetação é de um verde vivo encantador, embora rasteira e rala esparramada pelo solo plano feito mesa de sinuca. Um leve vento trás calmaria ás minhas ideias. Eu precisava mesmo de um sopro suave para arejar a minha orelha esquerda, porque em um certo momento da viagem, eu acordei com um zumbido no meu tímpano. Eram os beiços do Fumaça sibilando no pé do meu ouvido.

A viagem foi tão longa, que quando acordamos fizemos uma pesquisa na internet á respeito de algo relacionado ao governo. “Gula foi nomeado á ministro da casa civil. Mas, ministro da casa ele si viu por apenas alguns minutos.” Ascensão relâmpago e queda meteórica. 

Então estávamos no ano 2016 em lugar qualquer do globo terrestre.

-Fumaça, cadê a gaita? Eu acho que nós desembarcamos no deserto.

-Vai zoando, exagerado. Você vai ver que espetáculo de cidade quando chegarmos á zona urbana.

-Olha só a poeira branca. Com certeza é tempestade de areia. 

-São as usinas beneficiadoras de mandioca trabalhando á pleno vapor. 

-Será que eles fabricam Beiju por aqui?

-Tudo que é derivado dela. Até pizza de mandioca.

-Por falar em pizza, será como vai terminar o escândalo da Perdeogás?

-Sabe-se lá.

Olhamos para trás ao ouvirmos um barulho de motor de carro. Lá vinha chegando a nossa carona. Beiçola escondeu-se atrás de mim. Eu não entendi a reação dele, então perguntei:

-Pra quê isso, neguim?

-A democracia aqui não funciona. Será melhor, você pedir carona.

-Sai daí preto. Para de si menosprezar indivíduo.

Carro aproximando... parou...

-Oi, - disse uma mulher abrindo uma das duas portas do básico. –Vocês querem carona até á Zona Pacífica?

-Até á Zona de guerra se você quiser nos levar, nós aceitamos. –falei entrando. –Quem entra por último fecha a porta, Fumaça.

Mochilas nos colos. Batidinhas nelas. Pó de mandioca subiu...

-Podemos ir. -falei.

Ela sorriu, e que sorriso! Eu me sentei no banco traseiro. Fumaça, também.

-Vocês são visitantes, não são? –me olhando pelo espelho central.

-Sim, somos. E você, é uma espécie de adivinha ou profetisa religiosa?

-Cala a boca, Fumaça. Liga não moça. O frescor do campo estava fundindo a cabeça dele. Nós somos de Fragília, e lá a chapa tá quente. Ele fala de religião, mas ainda não si converteu á Jesus. Por isso ele tem a mente poluída...

-Cala a boca, DJ. Você foi quem converteu o nosso país numa merda irrecuperável.

Ela sorriu suavemente e acelerou saindo.

-Você é religiosa, ou só tem o sorriso angelical? 

-Não, eu não tenho religião.

-Tem razão. Você não tem nada do que arrepender-se. Á não ser que beleza demais seja pecado. –dessa vez a minha voz queria ficar presa na garganta. - O meu amigo Fumaça diz ser cristão, mas faz muitas coisas erradas, como por exemplo fu...

Ele socou o meu rim. Ela riu com mais soltura. O carro seguia á 20 por hora.

-Ha certas verdades, que para os religiosos são de fato difíceis de aceitar. Embora a maioria deles queira acreditar que a conversão ao evangelho é a solução para a desumanidade existente no povo fragileiro e também nos demais países onde o índice de violência e desigualdade social é assustador. Eles ignoram o fato de que a constituição fragileira foi fundamentada em bases tristãs. 

-Concordo com você. Ignorar essa verdade seria não ser um verdadeiro conhecedor da religião cristã, e sim um defensor de valores morais os quais surgem devido à deterioração moral e espiritual do gênero humano.

  -Tristãos de todos os países oficialmente Tristãos, conclamam que a solução para tamanha tragédia humana, seja a conversão ao tristianismo, porém, não admitem que, é justamente em países Tristãos que existe o maior índice de violência, desigualdade, miséria e injustiças e corrupção.

Eu poderia citar alguns exemplos que serviriam como parâmetro para a afirmação dela. Nos países orientais onde o tristianismo não impera as leis instituídas para manutenção da ordem social, direitos e deveres de seus habitantes são cumpridas à risca. Com isso, Japão, China e outros orientais não sofrem com tantos crimes hediondos, corrupção e injustiças. Existem os que praticam tais crimes, porém, eles são punidos por cometê-los. Seria desnecessário que eu salientasse que suas leis são embaladas em seus costumes religiosos, Confúcio e Buda.

   -A Euroba se transformou, em sua maioria ateia, como por exemplo Dinafraca, Cuester e Suíster. No entanto, em uma rápida introspecção em relação a estes países, se comparando aos das Amérdicas oficialmente tristãs, nota-se a grande diferença que existe entre tais países e até mesmo entre tais continentes. –convicta no falar e ao dirigir. 

  -Ao fim entendemos que os ensinamentos e regras, tristãs, nada mais são do que um pêndulo usado por governantes que constituem suas leis pífias e ineficientes compostas de fragmentos de ensinos religiosos. 

  -É porque eles não entendem que os pilares do tristianismo, são amor e perdão. –Fumaça observou.

   -Talvez por isso, quando você vê criminosos de todas as modalidades sendo contemplados com a lei que os isentam da culpa por eles terem matado alguém e depois de 48 horas comparecem na delegacia com um advogado, e são inocentados, cumpriu-se aí a lei do perdão que vem da bíblia. 

  -E agora, como eu retruco? –Fumaça, ao meu pé do ouvido.

  -Admita neguim. Quando bandidos são maltratados ou mortos, as leis dos direitos humanos os defendem. Ela está correta. E, nós estamos de carona.

   -É o vigor da doutrina do amor incondicional, religioso. 

   -Mas a culpa não é de Jesus? –foi boa a do Fumaça.

   -Não, mas, dos que fizeram uso indevido do nome dele para criar uma religião ultrajante da justiça, repleta de dogmas, e doutrinas do medo, culpa e egoísmo em seu real sentido da palavra.  

Em países oficialmente judeus, as leis são mais rigorosas e aplicadas, porque a religião é judaica e impera a doutrina do olho por olho, dente por dente. Chegamos à conclusão de que, para haver mudanças nas conjunturas de leis de um país é necessário que haja reformas religiosas. 

   -Foi também por isso que viemos para a sua cidade. Precisamos reformar o nosso país, mas os construtores estiveram se rebelando com a mestre-de-obras.

   -Espero que vocês consiga o que estão tentando fazer. –freou, puxou o freio de mão e...

 -Desce folgado. Já chegamos. –outra bronca do Fumaça.

Mais um sorriso dela, e o convite para descermos.

  Quando eu desci, fiquei surpreso. A cidade tem o e visual arquitetônico residencial daquelas cidadezinhas do velho oeste. As pessoas andam pela rua sem pressa e com tempo de sobra para trocar um dedo de prosa umas com as outras. 

-Aqueles dois senhores sentados no alpendre, estão enrolando cigarros de fumo na palha, Fumaça, enquanto as suas netinhas brincam de pular corda na calçada.

-Não si engane, é maconha. Eu conheço. Aquele bagulho também é louco.

A nossa caroneira seguiu em frente até certo ponto e virou para direita. Fiquei á observar o trajeto dela. Pelo menos, eu já sabia em que rua eu entraria para, se preciso fosse, ir até á ela e pedir pra que ela fosse a minha guia turística.

Jogamos as mochilas ás costas para seguirmos rumo ao outro lado da avenida. Nosso destino seria um estabelecimento comercial construído de madeira. O letreiro escrito numa tora de madeira dedurou que ali funciona um restaurante. 

-Restaurante Trancês. –li o letreiro. - Fumaça, eu tô com fome... Fumaça...

Olhei novamente para o outro lado da rua, lá estava o neguim acenando pra que eu apertasse os passos.

Dentro do restaurante, nós, acostumados com a modernidade dos nossos restaura estômagos, ficamos um tanto quanto, eu diria... completamente satisfeitos e um pouco saudosistas também. As mesas e cadeiras, também eram de madeira. Caprichosas bordadeiras bordaram bicos de crochê nos alvos forros de algodão. 

Parados na porta, eu e Fumaça preferimos apreciar tudo á nossa frente. Toda a mobília nos arremetia aos anos 80. Lá, bem ao fundo estava o fogão com uma enorme calda-plataforma para as panelas de alumínio e ferro. Pratos esmaltados e de louças sobre outra mesa de madeira também. 

-Tudo é tão rústico e tão clássico ao mesmo tempo, né Fuma... tô indo, esfomeado.

Ele já me esperava em uma mesa.

-Vamos ás panelas, Fumaça.

-Aquilo lá no fundo é decorativo. Esse restaurante é Á la carte.

Ahá. Era uma técnica para aumentar o apetite.

-Então não vai rolar. Se a gente almoçar aqui a nossa grana não dará para a janta mais tarde.




                                                                    *



Fomos á panificadora e compramos vinte pães, um quilo de mortadela, café e leite. Teríamos que racionar os nossos gastos. Informamo-nos com o balconista, sobre qual seria a hotel mais caro da cidade. Ele pensou que nós éramos turistas endinheirados e que queríamos uma suíte de luxo. Eu disse á ele que pretendíamos ficar longe da grã-finagem. É que sempre existe uma pensãozinha barateira próxima á um hotel cinco estrelas. Estrelas não enche barriga e nem possibilita conforto. Portanto, até um estábulo com um bom monte de capim e farelo já seria uma boa indicação para eu e Fumaça nos hospedarmos. O preço ficou á combinar no fechamento das diárias. O proprietário e a proprietária fizeram questão de não estipular o preço, por enquanto.

Foi melhor que a encomenda. Encontramos um dormitório com banheiro, duas camas para solteiros, um ventilador de teto, uma televisão e vista para o extremo norte da região. Á uns dois ou três quarteirões de campo limpo e plano á nossa frente. Da janela eu avistei o carro da sem religião chegando á uma residência cercada com madeiras em posição vertical. Meu coraçãozinho palpitou quando eu á vi novamente.

Com os nossos cotovelos sobre a borda da janela, Fumaça e eu, conversamos. Aliás, ele faz outra coisa também.

-Dá um peguinha aqui.

-Não Fumaça. Eu não quero maconha. Eu quero te confessar um negócio.

-Primeiro eu. Eu senti algo muito especial por aquela garota. É coisa de pele.

-De jeito nenhum. Ela é branca, você é da cor dos pneus do carro dela. Quem está gostando dela sou eu. 

-Eu não disse em termos afetivos. 

-Em quais então?

Ele suspirou jogando a fumaça para fora.

-Talvez seja por gratidão á ela pela carona. Ou pode ser pelo que ela falou sobre não ter religião, e ter dado carona á nós. Você sabe, você é branco, e isso facilita as coisas. Mas, eu sou negro.

-Suas chantagens emociorraciais não colam comigo. –meu olhar no horizonte.

-Vai si danar então. Dá uma tapinha.

-Só se for ao pé da sua orelha.

-Fumar maconha é opcional.

Ignoro-o.

-Fumaça, a gente tem que iniciar logo a nossa caçada á descendente dos Fincafaias.

-É isso aí. Eu procuro no lado sul. Você vai para o leste...

-Nada disso. –falei, apontando o queixo para o norte.

-DJ, nós não podemos perder tempo com paqueras. Você viu na televisão da panificadora. A presidente está sendo investigada por ter ligação com depósitos milionários em um banco na Suíça. Eu acho que temos nossa parcela de culpa nas acusações. Sem contar que o Rian Uibicha e o Jadir Bolsorraro estão se enfrentando ferozmente.

-Devia existir um jeito mais fácil de terminar com esses debates que não levam á nada. Se for para os projetos do Rian serem aprovados, o que os deputados determinarem a população acatará. Tem muitas leis que nós obedecemos sem saber de quem ou o porquê delas existirem.

-Essas discussões são plataformas para políticos fazerem seus discursos de campanhas. Mas de qualquer forma, se nós elucidarmos a problemática da homossexualidade das pessoas, nós teremos contribuído com a humanidade inteira.

-Então, - deixei a janela. –Pelo bem da humanidade, saibam todos, que eu me darei ao máximo para...

-Não, você não teria coragem de si dar ao máximo. 

-Darei o máximo do meu esforço, neguim malicioso.

Chega assoviou com a puxada que ele deu no bagulho doido.



                                                                   *



O Fumaça anda com o apetite de leão faminto. Decretamos escassez de víveres. O nosso estoque de pães e mortadela acabou ontem na janta. A parte da grana dele também já era. Fui reclamar, ele me mostrou algumas notas fiscais que comprovavam em que ele havia gastado o dinheiro dele. Duvidei que tudo tivesse ficado com os comerciantes da cidade, e pedi para ele me mostrar o que constava nas notas fiscais, porque ele não comprou roupa e nem calçados. Ele não me deixou conferir, e ainda por cima, ameaçou me processar por injúria e desconfiança imerecida. Fez cara de magoado e exigiu que eu me retratasse pelas ofensas. Pedi desculpas. Ele aceitou, mas com uma condição: tive que emprestar quinhentos reais á ele.  Sentindo-me um cara de pulso fraco e dobrável, eu fui ás compras de mantimentos. Agora, eu estou numa mercearia do tamanho do Supermercado Tantico. As pessoas desta cidade são pacatas e de costumes simplórios, mas o desenvolvimento comercial por aqui chegou sem nenhuma modéstia. Tudo é muito organizado e as ruas são limpas e bem sinalizadas. Faz me lembrar de alguns pontos da cidade Gravados RS. 

-Tem Soca-Sola, amigo?

-Sim. 

-Então me dá um Toianinho.

-Lá no freezer horizontal. Mas eu disse que temos Soca-Sola. 

-Faz diferença não. –indo lá.

Ao voltar do freezer para o caixa, eu tive uma agradável surpresa. Usei o freezer expositor das pretinhas americanas, conferi o visual, com cuidado especial para o rosto e o cabelo. Eu teria que cortar um pouco a franja do meu cabelo. Mas, o dinheiro estava curto. Então, eu os joguei para os lados da cabeça e fiquei parecido com o Superboy de Smallville. Tô poderoso. 

Chegando ao caixa falei:

-OI, moça não sei o nome. 

-Oi moço não sei o nome também. –deu-me a mão, macia, suave, delicada...

-Ei, moço não sei o nome também. Deixe-a pegar o troco. 

-Ah, sim, eu... cadê a minha Soca-Sola, eu só encontrei Toianinho.

-Tudo bem, eu busco pra você, mas deixe-a pegar o troco primeiro.

-Sim, sim, o troco. –liberei.

Troco devolvido, ele vazou.

-Então, o que te traz aqui?

-Os preços das mercadorias estão em promoção. Então eu quis aproveitar. Nesses dias de crise, a gente tem que saber usar o mínimo que podemos gastar.

-É. Eu concordo com você.

Ela é muito linda. Toda semelhança com a Lorrane Falabella, na versão cabelos curtos, não terá sido mera ilusão de ótica da minha parte. 

O atendente não me traz logo a Soca-Sola.

-Então, aonde vocês hospedaram?

-Você sabe onde fica o hotel Master House?

-Uau, você tem bom gosto. Eu conheço o hotel.

-Pois então, a gente está passando uns dias do lado dele. Na pensão Mais Razoável.

-Bom, deve ser uma pensão cinco estrelas também. –disse, enfiando o troco no bolso da calça jeans. 

Em noites de céu estrelado, basta olhar para o teto para ver uma constelação numerosa. Pensei em revelar á ela mais esse luxo. 

-Eu já estou indo, você quer vir comigo?

-Aceito a carona. –pegando o Toianinho. –Vamos.

-Você não vai esperar a Soca-Sola?

-Não, eu não quero incomodar o rapaz.

Chegamos ao carro.

-Por favor, venha no banco da frente dessa vez.

Experiência número 88020: quando uma moça bonita te pede para ir sentado do lado dela no banco do carro dela, é porque ela não precisa de guarda-costas, sim de um acompanhante que ela quer conversar com ele sem ter de ficar torcendo o pescoço á cada fala. 

-Obrigado pela gentileza, mas, eu esperava isso de você. 

-Como assim? –perguntou, ao ligar o carro.

-O banco traseiro está ocupado por mercadorias. 

-São para doações. Mas eu já havia me esquecido delas.

-Ainda bem que foi dentro do carro.

-Não. Foi no banco da secretaria do trabalho. Um homem veio seguindo o meu carro e ás entregou á mim.

Ah se fosse lá de onde eu venho. Pensei em dizer á ela.

 -Me fale sobre a missão de vocês. Eu tenho sabido sobre o caos político em Fragília. Talvez, eu ainda não te contei que eu me formei na UnB.

-Formou-se em quê?

-Direitos. Mas não segui em frente. Foi mais pelos meus pais. Depois, eles me fizeram desistir.

-Indecisão paterna e materna. Mas, e fale mais sobre você. Eu não tenho nada de interessante para te contar, fora, o fato de eu ter sido o culpado por ter feito o nosso país virar um caos, como você mesma disse.

Antes de continuar si revelando, ela dobrou para a direita. As mãos pareciam acariciar o volante no momento da esterçada. Desejei estar sendo enforcado por elas.

-Eu sou filha única, e, os meus pais não concordavam com a ideia de eu ir morar em Fragília.

-Mas você podia advogar por aqui mesmo. Essa cidade é bem grande e com certeza, não te faltaria clientes para que você os defendesse.

-Alegro-me em te fazer saber que aqui não tem trabalho para advogados.

-A pena de morte por aqui, ou prisão por qualquer crime, não concede direito de defesa?

-Não existe amparo judicial á criminosos de qualquer espécie em nossa cidade.

Oh moça, cê tá me alugando por achar que eu sou pobre de dinheiro e de intelecto? Pois saiba que eu sou pobre mesmo, mas não tão idiota quanto quebrado.

-Você deixou o meu amigo Fumaça encafifado ao afirmar á nós que você não é religiosa. Seria você uma atoa, quero dizer, ateia?

-Negativo. Eu creio em Deus e o admito em minha vida. Só não acho que eu deva tê-lo como religião, afinal de contas, ele nunca quebrou o elo entre mim e ele. Seria impossível tal feito.

-Visões religiosas sobre Deus são fáceis de assimilá-las, separá-las e absorvê-las ou descarta-las, porém, o que você diz sobre o grande ser criador, é meio que exclusivo e pessoal no seu próprio entendimento.

-Não estranhe o que eu falei sobre Deus, todos aqui o concebem da mesma forma que eu. E olha que somos mais de trezentos mil habitantes aqui em Conscienciópolis.

Viemos parar em cidade errada. Fumaça, Fumaça, ô Fumaça estrambelhado. 

-Mas eu vejo uma igreja logo ali na frente. –apontei para um mega templo sem placa de denominação religiosa evangélica ou católica, mas em formato de igreja gótica.

-Este ali é o templo da Conscienciologia. E é lá que eu quero te levar qualquer dia desses.

-Então me fale mais sobre esse templo, senão eu não entro nele. É questão de consciência. 

-O povo Conscienciopolense, acredita em Deus, simplesmente por existirmos. E sabemos que não são os rituais religiosos, modos de adoração ou práticas de cultos e batismos, que nos farão melhores diante de Deus, tampouco piores. Não criticamos tais costumes de outros povos. Somos todos irmãos. Portanto, aquele templo é um lugar para aqueles que queiram mostrar sua devoção á Deus ao modo deles. Mas, ele tem sido usado desde que fora erguido, para a realização de eventos beneficentes. Ah, - mudando marcha. – Aqui também existem pessoas pobres. Mas damos um jeito de equilibrar a balança.


    Baldeamos em um enorme galpão semelhante á um hangar para aviões de grandes portes.

Os portões, da frente e das laterais estavam abertos, e antes de o carro entrar nas dependências do galpão, eu já via, pelo lado de fora, alguns fios esticados de uma lateral á outra. Pensei que ela tivesse me levado á uma lavanderia coletiva, onde as roupas eram penduradas em varais. Mas ao entrarmos, ela me pediu pra eu a ajudá-la com as doações.

-Urgh, - gemi. –São bem pesadas essas roupas e mantimentos.

-Não são roupas, são formulários de vagas de empregos e matrículas escolares. 

Peguei duas sacolas cheias de papéis e as coloco no piso do galpão. As mãos arderam por causa do peso e das alças finas.

-É assim que vocês ajudam aos necessitados? Tipo assim, ao invés de vocês darem o peixe á eles, vocês os ensinam á pescar. Lá onde eu vivo, essa filosofia é entendida como sendo mesquinhagem de quem não quer dividir o peixe com ninguém, mas explica como fisgar um.

-Bem, - disse ela, pegando duas sacolas mais leves. –Aqui nós não damos o peixe e nem ensinamos pescar.

-Então, vocês são mais unhas de fome do que os fragilienses e toianos.

-Venha comigo, que eu te explico.

Cambaleando com o peso das sacolas, eu á seguir até o primeiro fio esticado. De uma das duas bolsas dela ela tirou prendedores de roupas e pôs-se á estender os formulários.

-Faça o mesmo com os formulários das suas bolsas. Daqui á duas horas, os desempregados e não estudantes virão recolhê-los. Com um formulário desses em mãos, eles têm suas vagas de empregos e matrículas garantidas. Damos oportunidades á eles. Então, bastam apenas os esforços deles em vir aqui, e, ao modo de vocês, pegarem a tralha de pesca, aprenderem pescar e fisgarem os peixes sozinhos. 

-Entendi. –falei, pendurando uma folha. - Aqui não tem o programa bolsa fomília. Saquei a parada. –outra oportunidade pendurada. 

-Temos também. Mas os contemplados por esse programa são os portadores de alguma deficiência física ou doença que os impossibilitam de trabalhar. Tempos atrás, eram distribuídas cestas de alimentos á eles, mas achamos que era muito humilhante submetê-los ao constrangimento submetendo-os á enormes filas de esperas para pegarem as cestas básicas. Então criamos o cartão sociedade humanitária. Com este cartão eles sacam o dinheiro para fazerem o que quiserem. 

-Mas, e se eles gastarem em coisas nocivas á saúde, para terem sempre o motivo para serem assistenciadas pelo programa sociedade humanitária?  

-Como eu já te falei, tudo aqui em Conscienciópolis funciona na base da consciência de cada um. 

-Aqui é diferente de tudo do resto do Frasil. Em toda parte no Frasil existe o programa bolsa parentela. Até quem não precisa se beneficia pelo programa. 

-O problema não está no governo. É questão de mentalidade social e individual. 

Vocês se tornaram independentes e implantaram que tipo de sistema governamental?

-Conscienciocracia. Aprendemos com o nosso Deus.

Uma hora depois, tínhamos já terminado com a nossa tarefa. Ela queria me deixar na pensão, mas eu resolvi descer á um quarteirão de distância do meu estábulo. 

Deixe-me ver a minha vaga de emprego que eu surrupiei do varal das oportunidades.

“Hotel Master House. Precisa-se de reformadores de carpetes. Ótimo salário. alimentação e moradia no local de trabalho.”



                                                                    *



Detrás de um balcão com tampo de porcelanato líquido com estampa de céu estrelado, um elegante atendente com pinta de James Bonde do século 21, aguardava a nossa chegada até á ele. Pelo saguão de entrada, Fumaça conferia o vulto negro dele no piso de granito polido.

-Você está se parecendo ao Mussum nos anos 80, vestido de havaiano.

-Essa roupa eu ganhei de presente da filha do homem forte no governo.

-Do Gula da Silva? -surpreso perguntei.

-Não. Esse aí seria o ministro da Casa civil. Mas, ele apenas si viu ministro da casa por alguns minutos. –repetindo o que viu na internet. Vai virar um papagaio como os demais internectuais.

-De quem você está falando, crioulo?

-Da Danissiela Buia. Filha do Ebuiado Buia. Ela e os pais dela estão hospedados aqui.

-Tá podendo hem negão! Ele se safou?

-Tirou o dele da reta, botou o da presidente Cíuma, e veio gastar dinheiro por essas bandas.

Enquanto isso, nós no pardinheiro por não termos dinheiro.

Seguimos rumo á linha que divide a alta costura e os baixos farrapos. Fumaça está mais colorido do que o cesto de frutas da Carmem Miranda. Eu estou preto e branco, formalmente parecido com um missionário das Testemunhas de Jeová.

Chegamos ao balcão. O contraste visual se formou diante de nós três. O distinto cidadão do outro lado do balcão veste Gucci, eu e Fumaça vestimos roupas de tecidos de microfibras compradas em feiras livres.

-Pois não, senhores. –disse-nos o recepcionista.

-Boa noite. –minha voz com o timbre da voz do Willian Bonner. –Nós fomos enviados para trocar e reformar os carpetes das suítes deste hotel. 

-Vocês têm experiência em tapeçaria persa, indiana...

-Sim. Já fizemos reformas nos tapetes do meu barraco-cabana.

-Perdão senhor. Barraco o quê?

-Do meu...

-Ele quis dizer, da residência oficial do Barak Obama. –Fumaça interveio.

-Entendido. Eu terei que solicitar as suas credenciais profissionais.

Conferindo os nossos bolsos.

-Onde estão as nossas carteiras de trabalho, Fumaça? –cochichando perguntei.

-Ficou na pensão.

Erigimos as cabeças, sem graça de tudo. Eu teria que ser verdadeiro.

-Nossas cartas profissionais ficaram no estábulo fedido...

-Perdão senhor. Eu não conheço esse lugar.

-Nossos vistos, passaportes e documentações profissionais ficaram nos Estados unidos. Como você pode ver, viemos com as roupas dos nossos corpos. Depois de termos terminado com as reformas dos carpetes e cortinas da Casa branca, resolvemos tirar férias em Malibu...

-Nêgo mentiroso, vai tomar no seu... Consuelo. – falei ao vê-la. A presença dela me fez interromper a rima. 

 -Olá, boa noite DJ! Oi Mariozan. –cumprimentou á nós dois. –Eu mesma resolvo as coisas por aqui Onofre. –ordenou ao recepcionista.

-Sim, senhorita Consuelo. –foi-se.

Limpei a garganta e escorri as mãos aos meus cabelos jogando-os para o alto da cabeça. Fumaça tentou fazer o mesmo com os cabelos dele, mas, os dedos embaraçaram dando um tranco na região do alto da testa.

-Eh, eh, nós queremos nos hospedar neste hotel. –falei barulhando.

-Quem é o mentiroso aqui?

-Além. De você não há mais ninguém, Fumaça. –fechei a cara e me aproximei do ouvido dele. –Há uma grande diferença entre mentir e enganar. Eu minto. Você engana. Nesse caso, o seu pecado é maior. Portanto, fique calado, ou, eu dou uma de advogado do diabo e te lanço nos quintos dos...

-Que pena! Eu cadastrei á vocês dois, como sendo os funcionários que fariam as reformas dos carpetes das suítes.

De súbito me conscientizei de que Consuelo havia percebido o meu afano das vagas de emprego. Ela me olhou com ar de decepção. Eu não sei se eu á decepcionei por agir de modo desonesto, ou se foi por eu ter dado uma de magnata cheio da grana. Uma diária nesse hotel custa o equivalente á todo o meu dinheiro já recebido durante toda a minha vida já vivida. É luxo para família do Ebuiado Buia, não para dois desmilinguidos feitos eu e Fumaça. 

-Então Consuelo... A gente pode pensar na proposta. Não é, Fumaça?

-Eu prefiro começar logo á trabalhar, depois nós falamos sobre o pagamento. 

-Estou de acordo. –consenti. 

-Fico feliz pela sua decisão, afinal de contas, todas as vagas de empregos já foram preenchidas nas indústrias e empresas da cidade. Só faltavam essas duas. Eu deduzi que teria sido você que ás pegou no varal das oportunidades. –lançou aquela piscadinha e abandonou o balcão de negócios trabalhistas. – Vamos. Eu levo vocês aos seus aposentos. Todo o material de reposição foi encomendado do Oriente médio, e levará alguns dias para chegar ao hotel. Enquanto isso, vocês ficarão hospedados por conta da casa. 

Senti-me um Sheik Árabe quando ela entrelaçou o braço direito dela ao meu braço esquerdo e ia conduzindo-nos pelo saguão. Fumaça me olhava por sobre os ombros, arregalava e mostrava as únicas coisas que ele tem de branco nele. O branco dos olhos e os dentes. Se bem que, tudo já está encardindo por causa da maconha.

-Me desculpe por eu ter roubado a vaga. 

-Tudo bem. Vocês precisavam mesmo sair daquela pensão. As pessoas que ali ficam são acometidas por sujeiras nas consciências e acabam se tornando corruptas e desonrosas. 

-A dona Polí e senhor Tico nos trataram muito bem. 

-Eles têm boas aspirações, mas á cada dia a Pensão Polí & Tico recebe novos associados que possuem caráteres duvidosos e intenções escusas, e isto contamina as pessoas de bem, fazendo-as se tornarem gananciosas e falsas. 

-E por que as autoridades nunca impediram a entradas de novos sócios á Polí & Tico? –Fumaça perguntou.

-Alguns monarcas da região tentaram fechá-la em 1993. Os parlamentares foram contra o fechamento. Coube á população decidir o futuro da pensão de Polí e Tico. E, como você pôde ver...

-Polí & Tico é destino certo para todos que queiram macular suas consciências. Enquanto eu e Fumaça estivemos lá, só pensávamos em fazer coisas erradas. Nosso dinheiro acabou. Fumaça pensou em evasão de dívida e troca de impertenses...

-Não seria evasão de divisa e troca de influência?

-Não. Ele queria que nós saíssemos sem pagar as diárias, ou vender a mobília do quarto para os próprios donos da pensão em quitação do nosso débito. Mas, felizmente, ontem foi o dia da Consciência negra, e, ele examinou a dele e detectou uma mancha cinzenta envolvendo toda a massa cefálica dele. E essa mancha queria se conectar com a alma dele...

-Aí o Mariozan percebeu que essa mancha era um sinal de que ele não nasceu para ser um mau caráter?

Fumaça e eu nos entreolhamos. Ele fez sinal de não estar nem aí para o que eu ia dizer.

-Nada disso. Ele percebeu que a fumaça da maconha que ele fuma constantemente estava procurando outro habitat para ela poder expandir as suas ramificações. Aí ele teve a ideia de nós sermos sinceros com os proprietários da pensão.

-O que você disse ao casal, Mariozan?

-Simplesmente assim: Devemos, não negamos. Pagaremos quando pudermos.

Paramos no corredor.

-Você não devia ter gastado todo o seu dinheiro comprando maconha. –disse ela com brandura, passando o dorso da mão dela na bochecha do nêgo.

Chega dormiu. 

-Abre os olhos Fumaça.

-Âh. –acordou. –Foi o DJ que te falou que eu pito um baseadinho?

-Ô nêgo, se fosse eu, eu diria que você fuma é meio quilo de bagulho doido por dia, não um baseadinho. A Consuelo me contou no Templo da Conscienciologia, que ela tem te assistido por aí mandando sinal de fumaça para o ar. Fica frio, ela te entende.

Consuelo movimentou a cabeça para os lados e nos fez seguir em frente.

-Pois bem. – disse ela em frente á uma porta de madeira lustrada á óleo de peroba. – Chegamos ao quarto de vocês. Fique á vontade.  

-Obrigado por tudo. –agradeci.

-Não há de quê, disponha. Tenha uma boa noite. –deu-me um beijinho na testa e foi-se.

Eu fico á observá-la. Ai meu coraçãozinho, dentro de ti não caberia tanta beleza?

-Fumaça... mas cadê o nêgo?


Entrei e me surpreendi com o ambiente luxuoso e confortável. 

Fui direto ao banheiro, tomei um banho de chuveiro equipado com sensor de presença de corpo pelado debaixo dele. Quando me pus debaixo da ducha, pensei que eu estivesse debaixo das cataratas do Niágara. A temperatura é regulada em um painel digital. Senti-me relaxado e com aquele frescor agradável.  Troquei de roupa e enxuguei até os ouvidos com a toalha branca felpuda. 

Na sala de estar eu encontrei Fumaça sem camisa e de chinelo de correias de lã de carneiro, sentado no sofá.

-Fumaça, você já se livrou da fuligem? 

-Eu me banhei numa banheira do tamanho do piscinão de Ramos.

-Sabe o nome da marca dela?

-Nem me preocupei com isso. Deve ser uma Jacuzzi.

-Neca de catibiriba. Deve ser: não abuzi. Entendeu neguinho folgado? A do meu banheiro é maior do que o Oceano Pacífico, mas, eu não mergulhei naquela água. Levante daí e venha me ajudar á encontrar defeitos no carpete dessa sala.

-Veja essas manchinhas escuras perto da mesa de centro.

Abaixei-me para conferir a mancha. Francamente, era tão pequena, que eu pensei que tivesse sido Fumaça que havia pisado descalço com as pontinhas dos dedos no carpete. 

-Mãos á obra então Fumaça... levanta preguiçoso. Deixa a maconha pra mais tarde.

-Primeiro eu vou fumar um borralho. Depois eu começo no trabalho. –correu a língua no canudo, em seguida o prendeu com as laterais dos lábios. –O bagulho é doido. –acendeu a tocha Olímpica.


                                                                 ***


Na mesa de jantar no restaurante do hotel, Fumaça me deixou sozinho. Foi o prazo de terminarmos de comer igual gente rica, ele saiu para fazer a maconha de sobremesa.

A notícia no jornal da noite diz que a presidente Cíuma foi derrubada o primeiro Round. Os deputados á levou á lona. Mas provavelmente, ela será nocauteada de vez, pelos senadores que batem mais forte. 

Eu gosto da atual meia presidente. Se ela pedalou foi por boas causas. Inclusive, eu e Fumaça, fomos beneficiados pelas pedaladas dela. Agora ela alega que está sendo vítima de um golpe, e mesmo assim ela não quer que a tal Democracia seja golpeada como ela está sendo. Não apenas a presidente, mas as pessoas têm o costume de defender o que elas não conhecem. Eu que o diga. Por duas vezes fui ludibriado e ferrei com tudo e todos que esperavam pelo êxito da minha missão. Sinceramente, eu nem sei se errei ou se fiz o que era certo. È como eu sempre digo, não se deve temer a ditadura, sim o ditador. Não se deve enaltecer a democracia, sim o valor de um democrata justo.

-Olá DJ! 

-Oi Consuelo! –fui cortês, limpei a boca e as mãos, me levantei e puxei a cadeira para ela

Ela se sentou espalmando as mãos sobre a mesa. Não entendi o gesto, mas não perderei a oportunidade que eu tenho para mostrar á ela que eu tenho um dom místico.

-O que você vai fazer com a minha mão DJ?

-Calma Consuelo! Se eu for te pedir em casamento, com certeza não vai ser só a mão. Eu só vou dar uma lida nela.

-Então diz aí qual será o meu futuro. –disse ela pondo a mão livre entre as pernas.

-Primeiro eu vejo que em sua família existe uma manicure. Acertei?

-Incrível. Você acertou! É a minha irmã.

*Experiência. Em toda família existe um alguém metido á pintor de unhas. Se não for uma mulher, é um fresco.

-Na linha de sua natura está escrito que você é uma pessoa organizada e sincera.

-Ah isso é verdade. Eu sempre...

-Espere, deixe eu me concentrar. 

Outra experiência: mesmo não tendo essas qualidades, todo mundo diz tê-las. 

–Você não é uma mulher interesseira, que só pensa em dinheiro. Você só namora alguém se você estiver realmente interessada nele, e não no que ele tem. –ganhei um abraço pela lorota.

-Nossa você acerta todas! *Se ela ficar bêbada vai se tornar presa fácil, e eu não gosto disso. Experiência 10. 100: ninguém admite o oposto do que eu falei. Vou logo dar a cartada final. 

-Está bom eu ficar prevendo o seu futuro, mas o que eu vejo agora é de doer o coração.

-Ah que coisa... –disse triste. –Tudo bem, pode falar.

Limpei a mão dela, fiz suspense e a vi respirando profundamente e...

-Não. Não vou dizer.

-Por quê? É tão ruim assim DJ?

-É ruim pra mim. Você não gosta de rapazes que falam muito. Está escrito aqui.

Joguei a isca. Se eu fisgar essa sereia, eu e ela mudaremos para o oceano atlântico.

-O que tem isso á ver contigo, pra dizer que é ruim pra você.

-Você consegue ler os olhos das pessoas?

-Não. 

-Você ainda não percebeu que eu tô doido pra cruzar a linha do seu destino?

-Por que você não vai direto ao assunto? 

-Porque a sua mão diz que você é uma mulher difícil de conquistar, e que você não é pra qualquer um.

-Mas você não é qualquer um. –ela colou a cadeira dela á minha. 

Foi difícil... Mas consegui. 

Dei um abraço de ladinho, passei a mão na nuca dela.  Senti o cheiro de agua fresca. Beijaremos...

-DJ, temos que ir agora para a suíte. –disse Fumaça, esbaforido.

Um vento forte podia ter espargido ele, pra ele não me interromper no momento mais esperado da minha vida.

Olhei para Consuelo, ela fez cara de só lamento. Eu também.

-Vai com ele. Depois a gene se fala.


                                                          ***



-Anda Fumaça. Senta aí e me conta o que você descobriu.

-Ela me contou, ela me contou, contou tudo. –feito um pirado.

-Então me conta também neguim maluco. Já fumou toda a maconha?

Enfim ele sentou-se no sofá. Suado igual capoeirista em roda de ginga.

-Os estanhóis exigiram que os Fincafaias fizessem sexo hétero com as estanholas e estanhóis. Mas, eles preferiram á morte. Naquele dia macabro, mais de 2000 Finfaianos foram assassinados pelos estanhóis.

-O que você quer me dizer com essa lombra de maconheiro, Fumaça?

Esfregou as mãos, com os olhos fechados. Estão tão miúdos que, com mais dois pegas, eles não abririam mais.

-Entenda a parada. Ela também presenciou esse acontecimento e repassou ás pessoas da atualidade da época. O que foi revelado á política, ciência e á religião, foram toda a verdade sobre a existência dos homossexuais, mas estas três ciências á mantém em segredo. 

-E você acha que ainda não é segredo para mim também?

-DJ, os filhos e filhas dos Faias e dos Fincas, eram homossexuais desde o nascimento deles. E, eles eram filhos de héteros viciados em sexo hétero também. Os estanhóis não conseguiram fazer com que eles fizessem sexo hétero. Isso mostra que a homossexualidade das pessoas, não é questão de orientação e nem opção sexual. Os meus ancestrais eram héteros, mas não conseguiram orientar seus mais de 2000 filhos e filhas á se tornarem héteros também. 

-Justo. Não faltou orientação, tendo em vista que os pais Fincas e Faias devem ter orientados os filhos deles á gostarem até das mulheres e homens casados.

-Pode crê. E, os estanhóis não conseguiram fazer com que eles optassem por fazer sexo hétero com o povo estanhol e nem entre eles mesmos.

-Captei. Eles optaram pela morte, mas não escolheram tornarem-se héteros. 

-isso, isso, isso. –agora Chaves, Chaves, Chaves. Fez idêntico. 

-Espere aí. Duas hipóteses já foram descartadas. Opção e orientação. Mas, e a terceira?

-Safadeza ou Perversão? Não, também não. Safados e pervertidos eram os pais deles. Os mais de 2000 nasceram homossexuais, por isso, eles não se multiplicaram. Naturalmente, eles sabiam que tinham que se fundirem uns nos outros para evitar a extinção de suas existências. 

-De qualquer forma, a aniquilação seria inevitável. A política e a religião conhecem a verdade. E a ciência?

-Houve uma grande guerra na história da humanidade, bem recente. A história contada até os dias de hoje, é de que determinado chefe de estado de determinada nação, queria a hegemonia de uma raça superior, e por essa razão, ele exterminava com todas as pessoas que não era compatível com o padrão biológico da espécie humana idealizada por ele. Milhões de seguidores de uma determinada religião, também foram vítimas da crueldade dele. Nessa época, os biólogos do país dominante, descobriram o cromossomo da homossexualidade ainda em fase de formação fetal. As mulheres grávidas que esperavam por bebês gays eram mortas juntamente com seus filhos, antes de eles nascerem. Conclusão final. A ciência biológica, a política e a religião conhecem a verdade. 

-Mas o que isso tem á ver com a Democracia? Nós viemos aqui, em busca da dela.

-Isso quer dizer que a Democracia não poderá nunca perder a sua originalidade. Mas, sempre houve e haverá aqueles que querem ultrajá-la e mudar a essência de sua natureza.  

-E essa indivídua continua rente no batente, sem se curvar á esses adulteradores?

-Correto. Fizeram e fazem com a Democracia, o mesmo que fizeram e fazem com Jesus Cristo.

-Em que calvário, a Democracia foi crucificada, e quem foi o Pilatos que permitiu essa atrocidade?

-Burro duma figa. –enervou-se e deu um papilote na minha testa. –A humanidade usa apenas o nome de Jesus Cristo, mas não segue suas recomendações. Por isso há tantas ideologias cristãs diferentes. Bem assim são os que se dizem democratas. Eles á torna flexível e adequável.

-Nós também. –assenti. –O que devemos fazer então?

-Dos Fincas e dos Faias, não restou remanescentes, devido a as inúmeras perseguições contra a postura deles no decorrer da história.  Porém, desde que surgiu o primeiro ser humano na terra, unido á ele estava aquela que consegue estar em todos os lugares, ensinando as pessoas á levaram suas vidas de acordo as suas próprias concepções. Aferindo suas ações e conscientizando-as de seus erros e acertos. 

 Interessante. Recorrendo á história da humanidade, eu me dou conta de que muitos ditadores foram derrubados por outros ditadores que se amparavam na ditadura. Democratas foram destituídos de seus governos por força da própria democracia. Diante desses impasses, o que seria capaz de estabelecer uma ordem única e justa de forma e regime governamental. 

A ponta do meu dedo indicador começa á tatear a ponta do meu nariz. Estou refletindo: Quem seria essa que se faz presente em todos os lugares? Seria a Consuelo?

-Fumaça, quem te contou essas coisas?

-A Consuelo...

-Mentira, nêgo. Assim que você enrabichou atrás daquela garota, a Consuelo se tornou a minha primeira cliente de quiromancia.

-A minha Consuelo, não a sua. Eu também tenho uma Consuelo em minha vida. No final das contas, todos têm.

-Isso é lombra do bagulho doido. – falei e me levantei.


 


                                                                      *


Ao cair da noite, eu e Fumaça nos arrumamos para ir á uma festa. Houve certo desentendimento entre mim e ele, porque a única calça cumprida que nós trouxemos em nossa bagagem, era minha. O infiliz ganhou a disputa mais uma vez. Eu tive que vestir a minha bermuda Caqui, mas, eu fiquei muito mais elegante do que ele. Coloquei uma camiseta de manga curta e calcei meias brancas e um par de botinas marrom. O par de meias e botinas me custou 25 reais. Sobraram 275 Reais. Foi um adiantamento pelas manchas do carpete da sala, que eu as fiz sumir, usando creme dental. Não pegaria bem eu ir á uma festa com um par de tênis com as solas semelhantes á cunhas de enxadas. 

Ao chegarmos á festa, foi aquela surpresa. Era ao ar livre, e não se trata de uma simples festa particular. Era um evento anual comemorativo ao dia da consciência humana. Aqui não se comemora o dia da Consciência negra, para não ter que comemorar também o dia da Consciência indígena, Albina, Ruiva, Amarela e nem Parda. Questão de igualdade racial. 

Tem barracas gastronômicas, parquinho de diversão, shows ao vivo, muita gente supimpa e mulheres bonitas. É um verdadeiro encontro de gente caipira e moderna. 

Fumaça e eu nos acomodamos numa barraca de pastéis fritos na hora.

-Fumaça, vai lá e peça duas massas de pastéis, fritas sem recheios. É mais barato. E trás duas pitchulinhas também.

Foi sem reclamar porque ele está na aba do meu chapéu. 

Fico á observar. As pessoas dançam e se divertem ao luar. Meninos e meninas correm pra lá e pra cá segurando chapéus e bonés em suas cabeças. Um sujeito grita aiô Silver ao receber um ursinho de pelúcia de premiação da banca de tiro ao alvo. Com certeza ele vai dá-lo de presente á namorada dele... êh, êh, ele o entregou á outro sujeito, e os dois saíram abraçados. Foi muito

Carinhosa a colada de narizes entre os dois.

-Pronto. –disse Fumaça ao sentar-se de frente á mim. –Pastéis de carne com pedacinhos crocantes de mandioca. Especialidade da barraca.

-E as Soca-Solas, como você ás conseguiu?

-Negociando com o barraqueiro. –disse enchendo os copos.

Antes de começar á comer eu farei um interrogatório sobre a negociata do neguim esperto.

-Preste conta do gasto extra, nêgo.

-Foi só um baseadinho de dez reais. O da barraca também curte um bagulho doido.

-Eu só espero que ele não frite o quepe pensando que seja um pastel depois que ele ficar doidão.

-Não esquenta DJ...

-Mastiga e engole primeiro, infiliz. Eu vou voltar sempre á essa cidade nessa época do ano.

-Essa festa aqui acontece o ano inteiro, todos os dias e noites.

-Legal Fumaça. –falei, olhando o vai e vem das pessoas.

Vixe, tem um fortão branco sustentando uma garota em cada um dos braços dele, esticados.

-O que você descobriu com a garota que nos deus carona?

     -Constance é o nome dela. No instante em que nós estendíamos as oportunidades de empregos e matrículas escolares, ela me contou sobre as funções do governo do estado e também sobre a participação do povo no poder administrativo. São eleições normais como em qualquer estado de um país democrático. Mas, democracia para eles é apenas uma definição de política entre governo e população. Tipo assim, democraticamente o povo escolhe os seus representantes, mas constitucionalmente as leis, deveres e direitos de todos são estabelecidos de acordo o que se pode chamar de Lei Suprema com suas normas fundamentadas na Conscienciocracia. 

     -Acontece que, o governo e os cidadãos têm que ter suas consciências limpas em relação á seus atos e comportamentos diante da sociedade. Uma informante me contou. Fumamos um pretinho juntos, e as ideias fruíram. 

     -A consciência de uma pessoa pode aferir as suas ações, referente apenas á pessoa propriamente. Eu acabei de ver dois caubóis saindo abraçados, agora á pouco. 

      -DJ, isso aqui é normal. Contanto que a liberdade dos dois, não ultrapasse o bom senso e vire libertinagem. Eles podem até beijar na boca um do outro, como á casais héteros, porque os héteros tem essa liberdade. Agora, cenas de carícias mais afoitas, isso é proibido até entre homem e mulher. Você pode fazer o que bem quer da sua vida, desde que seus atos não ofendam á ninguém.

Na segunda mordida que ele deu, sobrou apenas a bordinha do pastel. 

     Entendendo a informação obtida pelo Fumaça em troca de um peguinha. É mais ou menos assim: Se ele quiser fumar maconha a vida inteira, isso é problema dele, porém, se ele praticar um ato errado contra uma pessoa, ele será preso sem direito á advogado de defesa. 

    -Á propósito, fumar maconha ou usar qualquer outro tipo de droga, aqui em Mandiobrás não é proibido, mas será crime se o usuário cometer uma infração para obtê-la ou depois de á usar.

    -Então a desculpa de ter agido por causa do efeito da droga, aqui não cola?

    -Cadeia na certa. –pontuou limpando a boca. 

Traduzindo: Fumaça pode fazer o que ele quiser com a grana dele, mas, com a minha não. Quer dizer também que eu não posso fazer ele engolir aquele monte de maconha que ele comprou. Vou copiar esse modelo, me candidatar á presidente e implantá-lo em todos os estados fragileiro. 

-Fumaça, eu acho que a gente está no lugar certo. A quantidade de gays aqui é grande.

-Mas a gente tem de selecionar os homossexuais para abordarmos as pessoas certas.

-Em quais requisitos eles têm de passar?

-Beleza. Os negros e negras de Faia eram considerados os homens e mulheres, mais belos e belas do mundo inteiro.

-Esse padrão de beleza foi definido por qual esteticista?

-Sempre fomos os mais bonitos. Os que mudaram essa verdade foram os europeus racistas. Foram eles que impuseram ao mundo a ideia de que as mais belas mulheres são brancas, e os homens mais bonitos têm olhos azuis. Eles deram até á Jesus Cristo um aspecto físico e facial de um europeu branco.

-Deixe de falar besteira, neguim. Você está si corroendo de desprezo pelos brancos.

-Você acha que é dor de cotovelo da minha parte? –olhões bem abertos.

-Sei lá. Mas posso garantir que quem está sendo racista é você. 

-Tá bom. –consentiu e virou-se para a multidão de gente que passava por ali. –É, você tem razão. Tem muitas galegas bonitas por esse mundo de meu... Olha o tanto de mulheres... ô gatinha, que tal nós dois dando um giro por aí?

-Ela sorriu imbecil. Vai atrás dela. O que você está esperando?

-Tô indo. Já tá pago o lanche. –bicou o refri e foi no vácuo da loirinha.

Fumaça conversou tanta asneira que me fez esquecer até de comer. Mordendo... unh, é bom mesmo esse pastel amandiocado. 

Surpresa. Olha só, quem está chegando á festa! Aliás, á minha mesa. Parece uma donzela.

-Divino Justino, vamos dar uma volta.

Apenas a minha vozinha me chamava pelo meu nome. 

-Sim, claro. Vamos.

Andamos lado á lado.

-Então, você vem sempre aqui?

-Todos os dias e noites, todos nós dessa cidade, tiramos um tempo para dar um passeio pelas vias da Consciência. Por isso o nome Dia da Consciência humana.

-Legal. Aqui é tudo tão tranquilo e harmônico.

-Depende da consciência de quem aqui visita. 

Fazendo um exame de consciência... a minha está tão alva quanto o vestido dela.

-Eu sempre deixo a minha consciência ser influenciada por aquilo que eu vejo e escuto.

-Alguma cena te deixou de consciência afetada?

-Não. Apenas me surpreendi ao ver dois homens andando abraçados como se fossem... 

-Namorados? Sim, eles se amam e não esconde a verdade á ninguém.

Paramos de frente á três monumentos, onde muita gente os contemplava de modo mais admirado do que curioso. Eu sabia que todos ali compreendiam o significado de três estátuas de pessoas. Mas, eu não compreendia o que era representado por três esculturas de homens. Mas, eu saberia imediatamente. 

-O que significa esse homem com uma tocha na mão?

-Representa o ser humano esportista. 

-É sempre bom praticar esportes. Faz bem para a saúde do corpo. –afirmei.

-Mas também pode tornar a pessoa competitiva, podendo levá-la á contar com suas habilidades físicas para tornar-se superior á outros seres humanos.

-E este com uma pena-caneta na mão?

-Representa a inteligência daqueles que buscam a evolução intelectual.

-Isto é fundamental para tornar-nos mais inteligentes. –falei o que era óbvio.

-Sapiência demais pode transformar os que á possuem, em pessoas orgulhosas e prepotentes. 

-Então não devemos praticar esportes ou exercícios físicos, e nem a elevação intelectual? 

-Sim, podemos e devemos, porque faz bem para o corpo e a mente. Portanto, devemos buscar ainda mais, aquilo que essa terceira estátua representa. –ela apontou para o lado direito.

Percebi que a terceira estátua era um homem de cabeça baixa, olhos fechados e com as mãos cruzadas sobre o coração.

-Eu não á entendo ainda. –admiti, brandamente.

-Esta estátua representa a elevação espiritual do ser humano. De nada adianta, ser competitivo e inteligente. Se não houver espiritualidade na pessoa ela não será completamente sábia.

Pensei em tudo que eu vivi para chegar até ali diante dos três monumentos que representam juntos, um ser humano completo em sua essência.

-Consuelo, eu não consigo compreender tudo isso que você quer me fazer entender. –confessei, com olhar tristonho, mas esperançoso.

-Tudo bem, eu serei mais clara. Durante um tempo você foi competitivo, e em cima da sua mobilete saiu em busca da democracia, e á encontrou, mas não tinha nenhum conhecimento sobre o que ela significava.  Em seguida, você adquiriu inteligência para compreendê-la, e entrou em confronto com a religião e a ciência.  Agora, neste exato momento, eu estou te mostrando o que falta para que você encontre a solução para a causa Gay.

-Mas... eu não tenho a resposta para a razão da homossexualidade das pessoas.

-No congresso nacional em Fragília, tramitam alguns projetos que, sendo eles aprovados, trarão resultados inesperados á causa Gay. Pense sobre isso. Mas, lembre-se da sua consciência quando tudo for esclarecido. Volte para a sua terra natal. Seu amigo Fumaça vai te revelar algo muito importante.




















                                                                *



Eu esperava Fumaça na lanchonete do Vinícius que também está morando nessa belezura de cidade. Ele é fã número 1 do Rian Uibicha agora deputado depois de ter vencido o BBB.

BBB foi um concurso promovido por uma fabrica de sorvetes á seis anos atrás. O participante que conseguisse chupar a maior quantidade do Picolé Big Bom-Bom ganharia quinhentos mil Reais. Rian Uibicha foi o vencedor. A chupadeira seria televisionada ao vivo, como forma de promover o lançamento do picolé. Mas a defensoria pública censurou e não deixou que fosse exibido, para evitar que as crianças fossem induzidas á experimentarem daquela guloseima que poderia causar danos á saúde física delas, e á saúde mental dos seus pais. A fábrica de sorvetes entrou com uma ação na justiça para conseguir a liberação das imagens do Rian Uibicha devorando os picolés, mas a resistência contrária é forte. Coisas da concorrência. Ao assumir a “deputância”, Rian vem lutando pelo direito de o público sorveteiro poder viver livremente. Jadir Bolsorraso alega que ele é contra o comportamento deles, e não da existência da espécie. Pelo jeito de como andam as coisas lá no congresso, haverá muito deboche de um lado e cusparada do outro. Estava tudo lá na internet.

-Oi DJ! Me responde uma pergunta. Você já ouviu falar do deputado...

-E quem nunca... –cortei a fala para pensar. Eu vou me encontrar com ele e pedir ajuda á ele...

-Pois é! Ele é o máximo. E agora como deputado, ele está tentando, e vai conseguir aprovar o projeto KIT-FIL. Mas, o recalcado do Jadir Bolsorraro, tornou-se o maior empecílio para a homologação do projeto. Ai, eu odeio aquele homem.

Jadir Bolsorraro é conhecido por todos, como sendo um deputado que não aceita propina, e sempre usa do próprio sobrenome dele para garantir que em seus bolsos não entram dinheiro sujo do propinoduto. Sugerindo com isso, que bolsos iguais aos dele são raros de se achar no meio político fragileiro. –Se eu for até á ele, serei escorraçado.

-Lamento Vinícius, mas o Bolsorraso foi eleito com um número de votos bem á cima dos que o Rian conseguiu. 

-Se o voto de cada um do nosso time valesse por dois, o Jadir não chegaria nem aos tamancos do Rirri em números de votos. Nós temos de conquistar o direito do voto duplo, afinal de contas, temos dupla natureza. –estufou o quase busto, com todo orgulho.

Rian Uibicha, também tem o ônus da honestidade. O problema, é que, por ele ser defensor dos direitos dos homossexuais, ele tem se mostrado um homossexual de personalidade muito explosiva, bem diferente do seu colega Gueidovil. E, cá entre mim e mim, o que torna uma pessoa indesejável, na maioria das vezes é a personalidade, não o caráter. Por exemplo, Robin Hood era um ladrão, - todo ladrão é mau caráter, - porém, ele era querido por muita gente. A presidente Cíuma Rosete é honesta, qualidade de quem tem bom caráter, mas a galera quer vê-la destronada. Sacô a parada?

-Do que se trata o tal KIT-FIL?

-São cartilhas educativas. Ao lê-las, as crianças poderão optar por (HA) ou (HO). Filho ou filha. Por isso é que o material didático se chama KIT-FIL.

-Então, vocês admitem que a boiolagem provenha da orientação sexual e opcional do indivíduo?

-Não sei. Deixe-me ir trabalhar. -foi. 



*



Desarmado e extremamente desperigoso, eu vim ao Afanalto Central.  Há muitos populares e gente pró e contra o governo aqui hoje. Na região onde eu estou o que se vê é políticos chegando e saindo em seus carrões. Para cada um que para, uma maleta é entregue ao ocupante do veículo, e uma papelada é deixada nas mãos de um suposto cidadão comum. Por enquanto, eu só observo o movimento sem estranhar o que vejo. 

Esta cidade toda foi projetada para ser construída em 50 anos, porém, milagrosamente, 5 anos depois do início das obras, ela surgiu fulgurante e portentosa. Acontece que, o investimento orçamentário para os gastos com a construção de tudo isso aqui, era suficiente para pagar as mãos de obras de todos os que aqui trabalhariam por 50 anos ininterruptos. Digamos que o montante total do dinheiro era equivalente á cada ano de trabalho. Ou seja, hipoteticamente falando: Um bilhão á cada ano de trabalhado. Somando então, 50 bilhões. Menos 45 anos, vezes um bilhão são igual á 45 bilhões extraviados dos cofres públicos da união. Para onde foi essa grana, ninguém dá notícia. 

Continuo observando o movimento vai-e-vem de carrões e maletas que entram, e papéis que saem de uma mão e passa para outra.

Outro detalhe que me deixa encucado é o formato das vias de acessos á cada complexo predial deste lugar. È parecido com um avião teco-teco, mas com certeza, o dinheiro usado para pagar o designer deste monomotor, devia ter dado para comprar uma frota com mais de trezentos aviões de caças dos mais modernos. Eu fico admirado com tanta inércia da população que não protestam exigindo benfeitorias públicas, mas ficam feitos palhaços levantando cartazes com as caras de candidatos á serem os próximos á enfiar as mãos no nosso dinheiro.

Fora fulano. Entra ciclano. É o que eu escuto das centenas de pessoas que tremulam seus cartazes com os diabinhos estampados nos versos, e uma palavra de ordem no reverso. 

-Ô picolezeiro, me dá um picolé de banana.

-Beleza. –abriu a tampa do carrinho. – Tá aqui chefia. Experimenta pra você ver se não é o melhor da região.

Rasguei a embalagem e experimentei.

-Muito bom. Quanto custa?

-50 paus.

Eu não disse? Só tem ladrão por aqui. A corrupção não escolhe idade e nem época. O moleque não passa de um colegial, e já é um az na arte do roubo. Mas tem razão, ó onde fica a escola que ele marca presença constante.

-Fica com o troco. –falei, ao pagá-lo.

-Que troco? Você só me deu 50 centavos. 

-A professora que te ensinou á roubar, foi eu quem á contratou para o serviço docente.

-Eu sabia. –disse, enfiando a moeda no bolso. –Aqui só tem gente esperta. Eu vou é voltar para o Arranhão. Olha o picolé. Quem vai querer. –saiu gritando.

Na verdade, eu ainda não tinha uma opinião formada sobre a tal democracia, mas, pelo que eu pesquisei na tal internet, ela é tida por alguns formadores de opinião, como sendo gay em sua essência. No dizer popular isso quer dizer que a democracia corta para os dois lados, não sendo uma coisa e nem outra. A ala religiosa do governo á considera promíscua e muito nociva ás famílias fragileira. Já a ala aboialada quer a prevalência de seus estatutos. Mas, eles estão em desvantagens contra os machões no congresso. Bom, é de minha natureza, ser imparcial em minhas opiniões, mas como eu não tenho opinião formada á esse respeito, eu teria que procurar alguém, fora do congresso para que pudéssemos discutir sobre o assunto. E ele é da tribo dos héteros e religioso também.  Enquanto eu caminho em direção á empresa do eloquente pastor evangélico, vou fazendo uma breve analogia sobre a relação entre Deus e o homem.

No princípio, Deus criou o homem e interagia com ele. Depois veio os profetas e tomaram o lugar dele. Em seguida veio a lei e sobrepôs os porta vozes de Deus, os profetas.

Finalmente veio jesus e por ele a graça ao homem foi dada. Então veio as instituições religiosa, - estas, que foram consumadas no calvário de cristo. Mas, o sistema religioso deu um jeito de se reconstituir, aí bagunçou tudo. Ninguém mais é capaz de amar ao próximo incondicionalmente. Membros de igrejas, apenas suportam uns aos outros e fingem um falso amor, se são da mesma denominação. Se não for, ou deixou de ser, o indivíduo desligado da membresia, passa á ser ignorado e muitas das vezes considerado como á um elemento desprezível. Vejo pessoas que eu as conheci antes mesmo de serem religiosas, e tínhamos uma relação de amizade respeitosa e sem nenhum problema, porém agora, eu não sou digno nem de receber dele ou dela, um simples bom dia. Ainda bem que eu tenho Deus em minha vida, pois, antes de profetas, leis e igrejas existirem, Deus já o era. Ou por acaso, cristo morreu debalde (em vão) pela minha vida? Ora, pois, se tenho que crer em cristo e me tornar religioso para alcançar graça e misericórdia de Deus, então, o sacrifício de Cristo na cruz, nada adiantou. Esta foi a minha opinião, mas pode ser que o religioso bom de lábia me convença do contrário.

Seguindo em frente.


Mal cheguei e já notei que as dificuldades que eu teria de enfrentar eram muitas. Mas, por sorte, eu o encontrei descendo do carro e indo ao á entrada da empresa... Merda, ele é tão assediado por repórteres, quanto eu sou por mulheres. 

Encosto minha moto condução em uma árvore, sim, condução, se comparando ao “Rolis róice” do Relígio. O carrão dele foi conduzido pelo motorista ao estacionamento subterrâneo.

Dou um toque no cabelo, ajeito a calça Jeans e a camisa branca no meu corpo, respiro fundo e... Cadê o homem? O vejo dentro do saguão da empresa, mais uma meia dúzia de assessores que colhem as assinaturas dele, e alguns repórteres fazendo perguntas.

CCC. Morre em Pânico e outros mais estão aporrinhando o religioso. Aproximo-me e espero a minha vez ouvindo as indagações. Se o Relígio não tomar cuidado, a refeição do dia dele será uma porção de microfones, e de sobremesa as folhas de formulários.

-Relígio, qual é a sua opinião sobre os projetos do Rian Uibicha e...

-Ele é promíscuo e vergonhoso...

-Eu perguntei sobre os projetos...

-Ora, minha filha, não colhem figos de espinheiros...

-O senhor quer dizer que ele é imoral e incorrigível?

-Ah, mas vem cá, meu filho. Não ponha palavras na minha boca. Eu conheço vocês.

-Mas, não foi isso que o senhor quis insinuar?

-Eu não insinuei nada. Apenas usei uma citação...

Eu reflito: Hipocrisia quer dizer, esconder o verdadeiro sentimento motivador de seus atos, palavras, e pensamentos. Mesmo que tecnicamente eu esteja enganado, eu posso garantir que o Relígio quis dizer mesmo, que o Rian é um sem vergonha. 

As perguntas continuavam sendo feitas por repórteres homens e mulheres. Os assessores tentavam fazer um círculo de isolamento entre os jornalistas e o patrão. Continuarei apenas ouvindo.

-Relígio, o senhor concorda com o seu colega Matos Febriliano em respeito às discórdias dele com o Rian?

-Olha aqui, minha filha, o Febriliano não é meu colega. Ele é deputado. Eu sou um homem de Deus como ele, sendo assim, nós somos irmãos em...

-Como religiosos, vocês dois não deviam ser mais pacíficos com os diferentes?

-Ah, mas, mas, vejam só a má fé de vocês. Nós não entramos em guerra contra ninguém. Apenas defendemos os nossos princípios...

-Atire a primeira pedra quem não tenha pecado. –pus os dedos em riste e gritei a frase que todo religioso á conhece, mas, na maioria das vezes, á ignoram. Recebi a atenção de todos. Relígio me olhou, com um sorriso desdenhoso. Terei que ser categórico. –Este homem é um defensor dos oprimidos, e é tambem o baluarte da esperança para aqueles que buscam servir ao altíssimo. –microfones próximos aos meus dentes. Relígio, agora sorriu prazeroso. –Todo ser humano tem direito á defender suas convicções, com unhas, dentes e cunhões se for o caso. Relígio é coerente á seus princípios morais e...

-Tristãos. –emendou, vindo para o meu lado. –É, é, é, que vocês da imprensa querem me perseguir em tudo que eu faça e fale.  

-Assim fizeram com os Tristãos primitivos, mas, este homem é um remanescente que resistirá os ferrolhos á ele prometidos.

-Você também faz parte de uma denominação evangélica? –microfones lá. -Qual igreja você representa? –microfones cá.

-Libertação os bons. –respondi. Lembrei-me dos meus amigos. –Eu já conto com mais de 10% de fiéis em toda população fragileira e com um grande número de afeiçoados e praticantes, pelo mundo todo. –pensei nos boiolas que eu não os conheço. –Agora, me deem licença, porque eu tenho hora marcada com o irmão Relígio. –Relígio apalpou meu ombro esquerdo, e mostrou os dentes á mim e aos repórteres.

-Sou eu. O espetáculo terminou para vocês. Procurem outro para perseguirem.

O consultório psicológico dele não funciona nas dependências da empresa. –ele me informou no corredor, aquilo que eu já sabia. 

-Então senta e me diga como começou, e, onde começou a sua carreira pastoral brilhante para arrebanhar tão grande número de ovelhas.

Sentamo-nos.

-A minha labuta missionária, teve início em Dogoma e Somorra, quando a história dos antepassados dos meus irmãos, foi introduzida em um...

-Não seria Sodoma e Gomorra?

-Não, estas cidades ficam aqui no nordeste do estado de Toiás. Lá onde Judas perdeu as meias, porque os sapatos já haviam se perdido á mais de mil quilômetros atrás.

-Eu pretendo iniciar um ministério por lá. 

-Sim, leve o ministério público até àquelas bandas, o ministério da educação, da saúde...

-Voltemos no tempo. –ele sugeriu.

-Prontamente. Dogoma e Gomorra estão tão paradas no tempo, que, se voltarem um pouco mais, elas regressarão ao período Paleolítico.

-Lamentável. Quem são os seus irmãos?

-Ora, somos todos.

Ele olhou para o cromo alemão em seus pés e tateou a ponta do nariz.

-Isto é indiscutível. Mas, qual é seu problema?

-Bom, eu não consigo lidar com a minha riqueza e pretendo me curar desse pecado.

Limpou a garganta pressionando os dedos, fazendo-os estalarem. Eu notei um brilho em seu olhar no momento que ele botou os cotovelos sobre o tampo de vidro da mesa e olhou em meus olhos. Tio Patinhas toiano. Quero dizer, Tarioca.

-Riqueza não é pecado, sabemos disso. Alguns fatores contribuem para a sua negação á sua riqueza. O maior deles é a má interpretação de textos bíblicos feitos por algumas pessoas que dizem que o dinheiro é a raiz de todo mal.

-Então, a bíblia pode levar ás pessoas a julgarem umas ás outras e fazê-las acreditarem que são erradas ou doentes? –incisivo e direto fui ao ponto. 

-O problema não é a bíblia, sim os seus interpretadores. –sério feito um porteiro de velório. 

Chegou a hora do conflito teológico entre mim e ele.

-Relígio, quando um homossexual democrático te procura, você o ajuda á encarar os conflitos que os afligem por razão de como alguns julgam sua homossexualidade, e, não por ele achar que é pecado, não é isso? -ele si tocou que eu fiz a pergunta para imprensá-lo contra a parede que está á uns dez metros distante das costas dele. 

-Ah, meu filho, você acha que eles não sabem que o homossexualismo é uma prática vexatória e desmoralizante? Eles se debatem contra si mesmos, por saberem que são imorais, obscenos e pervertidos. Eu não caio nesses joguinhos de sentimentalismos e transferência de culpa que você está armando para me convencer de que eles são os incompreendidos, e nós héteros somos os culpados por taxá-los como sendo pecadores. -as mangas da camisa foram parar á cima dos cotovelos. Relígio é muito enérgico em suas falas como psicólogo e eloquente como pastor.

A cabeça dele fica zanzando para lá e para cá enquanto ele fala.

-Eles afirmam ao senhor que eles têm consciência de que eles são imorais, obscenos e pervertidos?

-Não me confessam, mas reconhecem seus pecados e se arrependem.

-Tudo bem, mas atos errados são inerentes á todo ser humano. 

-Eles são pecadores, mas são poucos os que querem se corrigir. 

-Para haver arrependimento, é preciso que se reconheça como á um pecador e se arrependa. Mas, não são eles que os veem como pecadores. Não seria culpa dos que interpretam erradamente a bíblica?

-As escrituras são bem claras á esse respeito. Temos em Gêneses, a destruição de Sodoma e Gomorra por Deus, por causa da manifestação desse pecado entre as pessoas daquelas cidades.

-Na bíblia não se fala da homossexualidade de nenhum personagem...

-Ah, meu filho, aqueles homens queriam ter relações sexuais com os anjos enviados á Ló.

-Não está escrito lá, dessa forma...

-Eles queriam “Conhecer” os anjos. Você sabe o que isso significa...

-Eu também queria conhecer o senhor pessoalmente. Não vejo nada de errado nisso. Pessoas querem conhecer pessoas á todo momento. 

-Biblicamente falando, “Conhecer” significa fazer sexo.

-A palavra é, Conheçamos. Os anjos eram forasteiros, e, mulheres e homens queriam conhecê-los. Haveria ali então, uma orgia sexual pública envolvendo sexo entre héteros e homossexuais, e com anjos. Mas, que interpretação absurda. 

-Conhecer é igual, á relacionar sexualmente.

Penso: Quanta distorção mentirosa. Deus já tinha determinado destruir a cidade, antes de os anjos irem ter com Ló. E no diálogo entre Deus e o primo do Ló, que intercedia pelos justos daquela cidade, Deus falava da corrupção do Gênero humano, mas não especificou quais pecados eles cometiam. Apenas Enoque é quem poderia dizer. Mas, onde estará o livro de Enoque?  Daqui á pouco ele diz que eu o estou assediando para dar uma com ele. –eu sou cueca.

-O termo Conhecer, era usado apenas para referir á condição de virgindade das moças não casadas. Se se considerar que Conhecer signifique fazer sexo, o que dizer de Jonas que conheceu á Davi e o amou muito. Os dois se amavam. E o discípulo que Jesus amava. A palavra Amar é mais sugestiva á ato sexual, o senhor não acha?

-Não deitarás homem com homem. Homens abandonaram as relações sexuais naturais com suas mulheres Levítico. 20-13. Romanos. 01-27. E por aí vai. Existem bíblias mais objetivas á esse respeito. 

-Mas, quem pode julgá-los, é o próprio Deus, não os homens que nunca conheceram a verdadeira vontade de Deus. Estes conceitos foram repassados por aqueles os quais o próprio filho de Deus os chamou de filhos do diabo.

-A sua bíblia deve ser arcaica. -eu notei um tom mais brando na fala dele.

-Talvez seja porque ela é um livro que vai se adaptando de tempos em tempos.

-Mas o contexto sempre será o mesmo. Os pervertidos trocariam as moças vírgens pelos anjos.

-Relígio, quais são os pecados que impedem os homens de chegarem á Deus? 

-Pecado é tudo aquilo que é contra os mandamentos divinos.

-Perseguir, denegrir e inflamar pessoas contra uma minoria para oprimi-la, também é pecado contra Deus.

-Ah, mas, olha aí quem tirou o dia para vim destruir o meu. Eu estou vacinado contra vocês. -foi á mesinha abarrotada de prataria. -Você aceita um café? 

Malícia número 1500. Sempre faça de conta que você está gravando a sua conversa com um homem conhecido por ser polêmico. Ele vira um doce. Eu trouxe no bolso da minha camisa, o celular. Não tem crédito, mas está com a bateria carregada. Deixei-o ligado permanentemente, e a luzinha acesa faz parecer que ele está gravando áudio. 

-Obrigado. –agradeci pegando a xícara de louça portuguesa. 

-Tem outros livros que falam contra o homossexualismo. –disse, sentando.

Bico o café, faço careta e preparo para a retórica.

-Jesus disse: amai-vos, uns aos outro. Enquanto que, antes dele, tudo era opressão em observância á lei. Depois dele, tudo é intolerância, por má interpretação do que ele ensinou.  

-Eu amo á todo ser humano, incondicionalmente. –disse o que eu queria ouvir.

-Então me ajude á libertar um povo necessitado de liberdade. 

-Eles estão perdidos nos vícios, na prostituição...

-Estão perdidos na ignorância. Ignório Eterno os mantém reféns.

Ele voltou á mesinha para devolver a minha xícara á bandeja. Eu dei apenas um bico no café. Eu acho que ele não gostou da proposta.

-Sinto muito. - disse, de lá mesmo. –Eu não posso me manifestar contra as ordenanças dos maiorais. O Ignório é muito ignorante, e os seus amigos não farão bem á ordem pública democrática...

-Vocês religiosos deviam espelhar-se na democracia que vocês tanto á defende. Gays democráticos e héteros conservadores podem viver como á iguais.

-Ah, ma, ma, mas o que é isso rapaz? Esse negócio de considerar á todos como á iguais é pretexto para virar um baitola. Traduzindo, qualquer um ou uma serve para acasalamento.

-Eu já esperava pela sua omissão, afinal de contas, a omissão faz parte de suas doutrinas. 

-Você está nos julgando...

-Quando foi que vocês se uniram em prol da justiça e do bem estar comum á todos. Enquanto vocês oram em suas igrejas pedindo á Deus que vos abençoe e vos protejam, uma grande parcela da humanidade está sofrendo neste mundo as agruras causadas por toda sorte de injustiças. A população fragileira está precisando de ajuda, e mesmo assim você se omite á ajudá-la.

Ele inclinou-se para servir outro café. Açúcar que é bom, nada. Eu até senti o gosto parecido ao do óleo queimado da minha antiga Mobilete, na primeira e única golada.

-Como eu já falei, eu não posso interferir... aceita outro café?

Ah, vai se ferrar. Despeja esse café amargoso no reto do seu rabo. –pensei em dizer.

 Vazei.

Relígio Muralha é mesquinho, pão duro, - sim, ele economiza o açúcar do café -, e insensível com o sofrimento dos outros. Primeira incursão missionária. Conclusão: Não devo contar com os religiosos. 



                                                                *



Um dia, eu tive uma conversa com um bambino que é “Guedes” desde a fase infantil. Ele me contou que ele si descobriu aos três aninhos de idade. A tia dele havia levado o priminho dele para a casa dele. Resumindo. Na hora do banho, os dois foram para o chuveiro, e, lá, eles brincaram de escorrega-sabonete. Ambos queriam catar o sabonete. Para resolver o impasse entre os dois, eles decidiram com um desafio matemático. Mas, tinha um detalhe: Quem acertasse a soma, não pegaria o sabonete no piso do banheiro. Preste atenção, quem acerta, perde, entendeu?

Eis o desafio entre o meu amigo, hoje rapaz Murilinho, e Julinho: 

-Julinho, quanto é 1+1? –Murilinho perguntou. 

Julinho pensou um tempinho e depois contou usando os dedos. Então, ele respondeu:

-1+1= 3. Três. –respondeu satisfeito. –Julinho errou porque ele queria ficar de quatro pés para pega o sabonete. Mas, Murilinho sacou a velhaquice do seu priminho, e respondeu:

-Acertou, acertou. Sou eu quem pego os sabonetes.

Então, eu acredito que ser gay, pode ter origem no nascimento do indivíduo. 

Próxima parada, consultório médico de biologia.

Esperteza número 5.3000: Quando for á um centro médico, seja ele da rede pública ou particular, finja que está á ponto de bater as bielas... -por falar em bielas, a minha Mobí, nunca teve o motor recondicionado. Só não sei até quando ela vai aguentar a correria. 

Eu vim especificamente á um laboratório onde eu pudesse ser consultado por um especialista em biologia. Na sala de espera havia muita gente adulta e crianças também. Fiquei com pena da maioria daquela gente. Alguns estavam amarelos feitos açafrões. Deduzi que estes sofriam de anemia profunda. Mas, ao me aproximar da recepcionista para perguntar á ela, á que horas eu seria atendido, ela me perguntou se era pelo SUS. Eu quis saber o motivo da pergunta.

-Se for pelo SUS, aguarde junto aos outros. 

-Que outros?

-Aqueles lá. –apontou em direção aos açafronados.

-Particular. –falei, paguei com a merrequinha que me restava, e fui direcionado ao consultório. 

Promessa número 85. Quando eu terminar a minha missão, eu partirei para cima dos pilantras da secretaria da saúde. Os coitados, coitadas e coitadinhas, estavam amarelos de fome por ter de esperar tanto.

Olhando-me por sobre os aros dos óculos, o médico Fidéias escutava as minhas reclamações. O doutor em ciências biológicas, ainda não descobriu a utilidade de um Prestobarba. Ou então, ele o utiliza apenas para raspar o centro do cocuruco da cabeça dele. A barba do homem parece um ninho-de-guacho infestado com aquelas abelhinhas que enroscam nos cabelos das pessoas. 

-Você é médico e deve me diagnosticar com seriedade e profissionalismo.

-Quem possui enfermidades clínicas e patológicas, são os médicos clínicos e patologistas.

-Mas, eu não sou um pato, e você pode me ajudar á descobrir se a minha enfermidade é genética hereditária. 

-Nesse ponto eu te serei útil. –disse, pondo-se ereto, se...

-Então me explique o motivo de minha homossexualidade democrática. 

-Eu não gosto de ser interrompido quando estou á falar. Portanto, fale e me deixe falar.

-Então me expli...

-Vamos ás explicações biológicas. Esta categoria de seres e sistemas transmutáveis por deliberações próprias e pessoais, não podem ser classificadas como portadores de anomalias genéticas. Só um momento, escute bem o que eu quero lhe fazer saber. A concepção da vida só se dá através da associação entre espermatozoides masculino e feminino, democrático ou ditador, e nascem homem ou mulher, ditadores ou democratas. Com uma ressalva, espere, deixe-me concluir a minha fala. A fecundação se dá em um organismo feminino, o sistema só se funda em uma constituição, ou seja, de uma fêmea mulher, e instituição constitucional, convenhamos, com todo respeito á sua capacidade cognitiva para entender as minhas colocações, e, não existe argumento contra o fator cromossomo e constituição.

Eu não tentei interrompê-lo em momento algum.

-Isto não são doenças?

-O que, para você significa doenças? É a sua vez de falar.

-Esse negócio de, – não-sei-o-quê sômica e não-sei -o-quê -lá -tuição, é uma doença?

-Eu acho que eu enalteci demais a sua inteligência. Pois, veja bem. Só existem dois cromossomos que definem o sexo de um ser humano, embora exista outros tantos que nada têm á ver com fator sexual, não me interrompa, até que eu conclua a minha dissertação. O cromossomo YX representa o sexo masculino, o XX, o feminino, mas para sua melhor compreensão eu gostaria de simplificar dizendo que só existem cromossomos macho e fêmea. Quanto á regimes políticos, são as iniciais DMC ou DTR.  Eu acho que você não seria tão ignorante á ponto de não distinguir o que eu estou lhe informando. 

O capitão caverna fala tão rápido, que seria impossível acompanhar o raciocínio dele.

-E o que os outros cromossomos e iniciais determinam...

-Isto não vem ao caso, e, o que interessa aqui, é que os cromossomos YX e XX tem a função de determinar a definição sexual de um ser humano, portanto, não existe possibilidade de você querer rebater o meu conhecimento, porque eu sou formado em biologia, tenho mestrado, doutorado e outras especializações no ramo da ciência médica, não adianta querer rebater as minhas colocações, porque elas são cientificamente comprovadas, e até nos animais irracionais se constata a veracidade de minhas afirmações. Sou também cientista político e posso esquadrinhar os perfis desses dois períodos de nosso história, com propriedade de quem já lutou contra a ditadura e atualmente colhe os louros da democracia que eu ajudei á conquistá-la. 

Eu particularmente acho que a dita dele nunca foi dura. Por isso ele á odeia tanto.

-Deixe-me falar uma...

-Pois, se disponha e esteja á vontade...

-Eu farei uma pergunta ao senhor, pautando apenas a concepção da vida humana, para não bagunçar muito as minhas ideias, e quero uma resposta curta e objetiva. –ele uniu as mãos e calou-se. - O ser humano é constituído de quê? – perguntei, enfim.

-Pergunta de nível de colegial... pois bem, cabeça, tronco e membros inferiores e superiores e órgãos internos e externos.

-Incorreto. -esbugalhou os olhos. –O ser humano tem também, espírito, alma e reações psicossomáticas, e, isto, os cromossomos não conseguem definir. Cromossomos determinam macho e fêmea.  Definindo orgãos genitais, formato de corpo, orgãos mamários, traços faciais e todo o complexo da anatomia humana. Porém, sem os fatores espírito, alma e mente, seríamos humanos vegetais. O que comanda o ser humano está alojado em nossa massa cefálica.  

-O que você está querendo insinuar eu estou tentando captar. Continue. –pela primeira vez ele me deixa falar mais que oito palavras.

Esfreguei as mãos e... 

-Empreste-me a sua caneta e os seus óculos.

-A caneta eu lhe concedo, mas sem os meus óculos eu ficarei impossibilitado de te enxergar.

-Tudo bem, eu me viro com esse copinho descartável. Digamos que as máquinas que fabricam esses dois objetos, sejam os cromossomos.  O copinho é o cromossomo Masculino. A máquina que faz a caneta é o cromossomo feminino. 

-Prossiga, eu estou canalizando a sua ideia.

-Continuando. As máquinas apenas fabricam os objetos da forma que eles são anatomicamente. Mas, as máquinas não podem definir as cores destes objetos. 

-Traga para o campo da existência humana ou política, por favor. –educadamente, e se pôs atento.

-Esquece a política. Quem cria sistemas de governos são os seres humanos.–falei com segurança. 

-Voltemos ás máquinas então, se isso facilita o seu entendimento e a sua capacidade para argumentar. Mas eu devo lhe advertir de que eu sou operador de máquinas industriais, no entanto, na minha juventude eu fui auxiliar de torneiro mecânico e...

-E, o senhor foi o primeiro maquinista de trem á vapor da história das locomotivas. Mas como eu ia dizendo, as máquinas não podem definir as cores, porque depende de quem ás opera e adiciona os pigmentos para dar cores aos objetos. Assim sendo, os cromossomos não podem definir se a pessoa será ateia ou religiosa. Feliz ou infeliz. Inteligente ou imbecil. Porque isto, doutor Fidéias, depende de quem criou os seres humanos: Deus. Existem pessoas que já nascem ateias, religiosas, felizes, infelizes, inteligentes, idiotas, ditadores, democratas e vivem a vida inteira assim ou assado.  

Ele me pediu a caneta de volta e se pôs á analisar alguns papeis sobre a mesa. Será que eu o convenci?

    -Tratar de assuntos científicos do ramo da biologia humana ou de cunho político, não é tão simples assim, mas saber lidar com as opiniões contrárias de terceiros á respeito do meu conhecimento é uma das minhas características. Eu não tenho autonomia para fazer com que o paciente, saia do meu consultório ciente de que homossexualismo humano ou de sistema de governo é consequência da imoralidade humana e da ineficiência política. Não somos irracionais como os animais. Portanto, Ser ou não ser é uma escolha deliberadamente pessoal do indivíduo. –parecia falar com as folhas de papel.

-Os animais são irracionais, mas existem uns que nascem bichinhas e também os que marcam territórios. Isto quer dizer que não se trata de uma escolha, pois só os racionais conseguem ter este privilégio.

-Por favor, por favor, me deixe trabalhar sossegado.

Fim de consulta.

Fique aí Urtigão. Acabe de perder os cabelos da cabeça com seus estudos sem resultados.

Há quem acredita que nós, seres humanos, somos superiores aos animais. Eu não entendo em que os superamos. Os nossos sentidos da visão, olfato, audição, paladar e tato, são completamente inferiores ao deles. Por eles não serem racionais, não existe entre eles essa busca desenfreada de querer se realizar na vida, deixando se corromper pela ambição que leva os seres humanos á se enfrentarem físico/intelectualmente na tentativa desonesta de superar um ao outro. Sem contar que nós humanos somos escravos dos animais e não ao contrário, pois, observa o seu bichinho de estimação, ele vive na boa, enquanto você rala para proporcionar á ele, conforto, alimentação e assistência médica, aliás, veterinária. Richard Darwin errou ao dizer que o ser humano é á espécie evoluída porque nós não temos moral pra nos considerar iguais, ou, melhores do que os animais.

Da racionalidade humana surgiram, as ciências, as filosofias e a razão. Da religiosidade nasceram as teologias, doutrinas e dogmas. Os homens da área científica procuram com afinco explorar e conquistar o espaço cósmico e o universo humano. Eu tento ser útil aos meus semelhantes. –bom, nem todos são meus semelhantes, devido a minha, digamos pobreza excessiva.

Os religiosos tentam decifrar os mistérios de Deus para então morar com ele no céu. Então surgiu o egoísmo separando e posicionando tais virtudes em estremos opostos.

Estaria o cosmo comprometido com as tragédias as quais os seres humanos cometem e são acometidos por elas? Ou ele restitui á nós os efeitos das nossas ações desenfreadas?

 Estaria Deus interessado em que a humanidade desvende seus mistérios? Ou ele prefere que nós nos reconheçamos como á irmãos? Se não somos capazes de amar uns aos outros, então que ao menos nos respeitemos e criemos condições para vivermos em paz na terra e com o universo.

A despeito disto, vivemos entre guerras, preconceitos, discriminação, fome, miséria, alienação, poluição, desequilíbrio climático, e toda sorte de mazelas provocadas pelo próprio homem. Sabemos que toda ciência e toda crença nunca terá fim, mas antes de termos encontrado a ponta do novelo, o nosso tempo já terá se esvaído. 

Faltou-nos, uma terceira via de compreensão que nos fizesse entender que a soma de um todo é melhor que a divisão de dois. Por que não aproveitar o nosso curto espaço de tempo nesse plano material e terreno para encontrarmos a solução para os nossos problemas existenciais? Talvez assim conseguíssemos levar a humanidade á viver em harmonia em si mesma e com o cosmo. Se os racionalistas não quisessem sobrepujar os religiosos que por sua vez não tentasse suplantá-los, seria possível engendrar um elo entre as duas linhas de compreensão humana? -eis a questão. Se recorrermos á história da humanidade encontraremos inúmeros eventos documentados que poderão nos dar base para traçarmos um paralelo entre religiosidade e racionalidade. E, descobriríamos que somos capazes de construir um mundo melhor, onde gays e héteros si respeitem. Brancos e negros se relacionem bem. Pobres e ricos si considerem como á iguais. E todos si ajudem mutuamente. Ahhh! A gente tinha tudo para dar certo. 



                                                                      *


Já não fazia mais sentido para nós e nem para as sociedades fragileiras decidirem se que o certo seria o sistema democrático ou o regime ditadura militar. Sabíamos que tudo era questão de bom senso e respeito, referente ás pessoas. Quanto á um ou outro sistema de governo de estado, tanto faz, contanto que as ações de ambos os lados fossem humanas, honestas e pacíficas, tudo ficariam nos conformes. Não se devem temer sistemas de governos de um país, sim, quem o governa. 

-DJ.

-Fala Fumaça.

-levanta do sofá e vem até aqui no computador.

Desanimado me levanto e vou até á ele.

-Olha só. Religião e Ciência juntam força para encontrarem o gene da homossexualidade. Veja a data dessa informação.

-Hoje. 

-Agora. A parceria foi realizada á poucos minutos atrás. E foram acordados por Relígio e Fidéias Biol.

-Eu estive falando com os dois. Mas eu senti certa falta de boa vontade nos dois. Será que essa notícia não é tão falsa quanto os elogios á aquela pizzaria?

-Olha aqui quem é que está compartilhando um vídeo de convocação á classe gay.

-Puxa vida, é o Vinícius. Eu passei essa ideia pra ele na panificadora. A coisa aí anda rápido hem?

-Virou um viral. Eu vou fazer um vídeo convocando os maconheiros para irem aos orfanatos, hospitais... 

-Eu sei o que mais você vai mandar que eles façam. Cultivar flores entre as plantações de maconha.

-Dá um...

-Me dá isso aí... –tomei dele o bagulho.

-Não joga fora nãooo...

-Eu vou só dar uns pegas... –puxei e prensei... o bagulho é...

                                                                      

























                                                           




                                                              *


Dezembro do ano 2016.

Depois de uma boa noite de sono, eu me levantei para sair. 

Êh, êh ainda está passando a Voz do Brasil. Mas que programa comprido. É tanta sacanagem em Brasília e no Brasil, que para dar notícia de tudo, são precisos mais de trezentas horas de Voz do Brasil no ar sem intervalo comercial. 

Vou dar umas voltas por aí.


Sempre que eu preciso me espairecer, eu vou á panifichonete. Lá é o lugar onde eu busco inspiração para prosseguir levando a vida adiante. A vida de um rapaz pobre como eu, pode até ter certas desvantagens no ponto de vista de poder aquisitivo, mas, eu sou pobre de dinheiro, não perspectiva de vida. Um dia eu ficarei rico, e comprarei uma panificadora que produza as melhores quitandas e inúmeros alimentos, só para mim. 

Fui ao banheiro conferir o meu visual no espelho. –é que os únicos que eu tenho são os dos retrovisores da minha Mobí, e, estão um pouco embaçados pela poeira do tempo.

  -Beleza! Agora é só dar uma molhadinha nos cabelos, para eles ficarem brilhando e passar a ideia de que eu acabei de me arrumar e vim correndo me encontrar com um cliente. É melhor que a Soraia pense que eu sou um profissional liberal muito solicitado pela clientela. Devo dizer que eu sou multifuncional. Eu trabalho de qualquer coisa... Sendo honesto é o que importa. A minha nova missão mal começou e eu já estou ficando sem reserva financeira. Se bem que eu nunca tive reserva de dinheiro, porque o que eu ganho está sempre sendo titular em minha carteira.

Rente ao balcão da panificadora, eu espero a atendente. E, enquanto ela não chega, eu confiro na minha cadernetinha de anotações, o que eu vou fazer no dia seguinte para descolar uma graninha extra e dar continuidade á missão. –pedir emprestado... 

-Oi DJ! -ela perguntou com as mãos sobre o balcão de vidro. 

-Oi Paola!

-O que você manda?

-Eu nunca mando Paola. Apenas obedeço á ordens. -respondi.

-Então. Hoje você vai beber o que eu quiser. 

-Se é você quem manda, eu tomo até lacto purga com leite de mamão. -galanteei pra eu vê-la rindo novamente. Consegui. Ela foi buscar a laranjada engarrafada. Eu á observo e fico convencido do motivo da clientela ter aumentado tanto, depois que ela passou a ser a balconista. Se não fosse o jaleco comprido que vai até ao joelho dela, a fila de fregueses chegaria até ao ponto de taxi que fica á uns cem metros de distância da panificadora. Ela estava demorando trazer o meu refrigerante. Um camarada com cara de quem não queria comer nenhuma das muitas guloseimas da vitrine, parece estar escrevendo alguma coisa usando a caneta para fazer um desenho usando a tampa da BIC como molde. O desenhista sem talento e imaginação terminou o plágio desenhístico e entregou á ela. 

-Obrigada!-ela agradeceu e guardou o desenho dentro do bolso do jaleco capa de chuva, branco. –Babaca. -disse ela vendo o impostor de Pablo Picasso se dirigindo á fila do caixa.

-Está aqui o seu refrigerante, DJ.

Ela sempre tenta me fazer engolir o que eu não quero. Eu pedi Soda Limonada, ela me trouxe Fanta. Eu gosto do jeito faceiro dela, porém, não sou de acordo com o seu fascismo.

-Você não gostou do desenho? Empreste-me a caneta. -pedi pra não ouvir a resposta. Eu a vi embolando o papel e o jogando no cesto de lixo.

-Vê se capricha em um desenho meu.

-Paola. Eu só sei desenhar coisas redondas, e mesmo assim, se você me emprestar a tampinha do Refri. -confessei vendo-a se inclinando para me ver anotando em minha caderneta as minhas tarefas de amanhã.

-O que aquele cara desenhou e te entregou? –testando a sinceridade dela.

-Deixe-me te dizer. -cochichando ao ouvido. –O meu corpo, salientando o meu quadril. -não era o quadril, sim os peitos piramidais. Paola tem a mania de mudar a verdade.

-Eu também tentaria te desenhar, mas não existe forma geométrica que possa representar a beleza do seu corpo. -filosofei para ganhar tempo com a caneta dela, mas fui sincero. Ganhei dela um sorriso e uma caretinha. Até fazendo careta ela é mais bonita do que á Paula Fernandes. Vejo-a com as mãos na cintura.

-DJ, Por que tudo pra você tem que ser anotado?

Não respondi por que ela já estava indo atender outro freguês. Mas se eu respondesse, eu teria que mentir. Regra número 02: Jamais revele as suas anotações, sejam elas quais forem, á uma garçonete que jogou no lixo o desenho que um camarada boa pinta fez, pretendendo mostrar que os peitos dela são parecidos ás pirâmides do Egito. Tentei devolver a ela a caneta depois de ter anotado o que eu precisava, mas o Vinícius é quem veio pegá-la. 

-Olá Dejotinha! O que você manda?

-Eu não mando e nem obedeço á ordens Vinícius. Eu estou aqui porque espero que algo de bom aconteça comigo esta noite. -respondi saindo e levando a Fanta.

-Nossa!-ele exclamou com a mão no queixo. -A noite é uma criança, bofe. 

Deixei-o só, limpando o balcão.

 Olhei no meu relógio e constatei que a Flor-de-lis estava correta. Ainda era cedo da noite

Lá vem ele de volta.

-DJ, você está por dentro do que tá rolando na câmara dos deputados. –com a flanela deslizando suavemente na mesa limpa como a cara dele.

-Eu não sou chegado á política.

-Então, eu vou te passar em primeira mão o babado mais recente da atualidade. -a ponta da flanela quase tocou meu olho esquerdo.

-Fala Vinícius, e vê se deixe essa flanela longe de sua mão e do meu rosto.

-Relaxa. Você anda muito cricri hoje. –sentou-se de frente á mim. –Você já ouviu falar no deputado Jean Willis, aquele que ganhou o BBB, e se elegeu deputado?

-Sim, Vinícius. Qual é a prosa sobre ele, dessa vez? 

-Nossos argumentos já se esgotaram. Teremos que partir para a atitude.

-Argumentos errados geram atitudes erradas, Vinícius. Se o projeto do Jean for aprovado, aí sim, vocês serão repudiados de vez.

Flor-de-lis cruzou uma perna sobre a outra e erigiu o tórax e a cabeça. 

-E ainda, pra fazerem a gente tropeçar nos tamancos, juntaram-se ao Jair bobofóbico: Silas Malafaia. E o Marcos Feliciano e algumas asneiras de alguns biólogos, como as do falecido Enéias. 

Eu que o diga, eu que o diga. –penso.

-Estes indivíduos são parasitas que sugam para si mesmos o néctar mais puro contido no núcleo da mais formosa Flor do jardim. E depois de colherem toda á seiva que dá vida á esta Flor, eles á processa e extraem dela, todo o pólen fecundante e revigorante. Havendo eles transformado esta tão preciosa essência em esterco, á distribui aos insetos que fazem uso dos detritos inaproveitáveis que lhes sobram da Flor mais bela em seu estado natural, para polinizarem o Jardim que em seu solo farão brotar ervas-daninhas e arbustos danosos á todos os botões de rosas que esperam desabrochar com virtuosidade e beleza também.  

-Nossa DJ!... eu não entendi as cores dessa pintura. No meu estojo de maquiagens não contém esse batom, esse blanche e nem essa base.

 -Eu também não saco nada de maquiagem.

-Primeiro me explica esse babado de parasitas, flor e jardins.

Ajeito o colarinho e...

-Parasitas são os que conhecem a Flor que é a verdade. Uma vez que, eles sabem da verdade, eles á manipulam, ás distorcem e á devolve adulterada aos seus discípulos insetos que por não terem acesso á verdade em seu estado natural, semeiam mentiras pelo mundo que é o Jardim, e este por sua vez, é um terreno fértil onde germina tudo que nele se planta. A semente da mentira faz brotar entre as Rosas que são as pessoas boas, as ervas-daninhas que são pessoas brutas amparadas pelos arbustos que são os líderes que ás lidera. 

-Quem são os líderes?

-Religiosos. Cientistas da medicina biológica e Psicólogos. São esses os parasitas que lançam suas doutrinas, teses e teorias para condenarem a classe dos homossexuais. 

-Mas, eles sabem da verdade, não é, DJ? –seus olhos, embaçados.

-Sim, eles sabem. Eu sei que eles sabem. –o vejo querendo chorar. -Não fica assim, Vinícius. –falei, condoendo-me com a dor dele. –Apenas seja sempre esse bom caráter que você é, e mantenha a sua personalidade tranquila e pacata. Quando vocês for á paradas gays, levem flores, visite os orfanatos, façam com decência e ordem sem profanar a religião de ninguém. Um dia essa história muda. 

Ele desanuviou os olhos com os dedos, polegar e indicador da mão esquerda. Seu semblante, agora era outro.

-Sugestão. –pediu sorrindo, fazendo a flanela lamber meu rosto mais uma vez.

-Eu ainda não tracei uma linha de raciocínio á esse respeito porque eu não ligo pra isso. Mas, eu acho que com um pouquinho só de conhecimento sobre significado dos termos discutidos sobre essa questão, a gente consegue perceber que os homossexuais já entram no jogo perdendo de 03 á 0. 

Ele se levantou e ensaiou um esquete com sapateadas birrentas. Alguns clientes notaram a cena.

-Ai DJ! Seja mais claro. Puxa vida, viu!

-Sente-se. –pedi, ele obedeceu com toda classe feminina. –È o seguinte Vinícius, se o Jean, e você também, admitem que ser gay, é simplesmente por opção ou orientação sexual, logo, vocês estarão assumindo que são pervertidos.  Quando você e os da sua classe forem á paradas gays, levem rosas brancas, não prevarique a fé de ninguém, visite hospitais e orfanatos, façam diferentes, e, as pessoas tratarão vocês de modo diferente também.

-Ah! –exclamou suspirando. –E os políticos, Jotinha?

-Eles são maleáveis. Basta um incentivo. –no momento, eu tentava me livrar da coceirinha nas pontas dos meus dedos, causada pela umidade da garrafa de Fanta.

-Só existe um projeto o qual, Jadir Bolsonaro e o Jean concordam, e provavelmente conseguirão aprovar.

-Qual projeto, Vinícius?

-Lei do aborto. 

Dei de ombros. 


Eu não tinha mais nada de bom para falar com o Vinícius, á respeitos do homossexualismo. Sentindo-me um inútil, fui embora chutando tampinhas e latinhas pela avenida.

De repente, me assustei. Um clarão formou-se sobre mim, e uma mulher toda vestida de branco em um vestido longo, flutuava em minha frente.

-Quem é você.

-Eu estive com você o tempo todo enquanto você dormia por alguns minutos.

-Eu dormi quase vinte e quatro horas. E não me lembro de você em meus sonhos. Aliás, eu não me lembro de nada.

-É que em sonhos, o passar do tempo não faz sentido.

-Me diz quem você é.

-O seu amigo tem a resposta para todas as suas perguntas, sobre mim e as causas Gay e Democracia. Ditadura e heterossexualidade. -espalmou as mãos á frente do meu rosto e tocou suavemente os meus olhos.

Sinto alguém aproximando de mim, por trás.

-DJ.

-Fala Fumaça.

-Cê fumou maconha? Tava aí de cara pra cima no meio da rua. Vamos embora.

Andamos.

-Fumaça, - abraço-o por sobre os ombros. –O que você acha dos gays?

-Eu não tenho nada contra, se for um gay como você. Gente boa e amigo verdadeiro. Só que eu te digo o seguinte, tem gente por aí, que, se ao menos desconfiar que os gays já nascem gays, eles aprovam a lei do aborto e até a eutanásia induzida.

-E se você soubesse a verdade, o que você faria?

-Não sei DJ, tudo é questão de consciência, mas ás vezes nós deixamos as nossas consciências viraram um estábulo de animais.

-Tudo é questão de boa consciência humana, não é isso?

-É isso aí amigão. Vou te confessar um segredo meu. Eu fumo maconha. E você, é gay?

-Não, não sou gay e nem fumo maconha. Mas eu manterei o seu vício em segredo.

-Pode crê.

-Fumaça, o que você acha da religião e da ciência médica? 

-Nada. Mas dos religiosos e dos cientistas da medicina, eu acho que eles querem o bem para toda a humanidade. E você?

-Eu tenho certeza que você está certo. –afirmei convicto.

-Fumaça, o que você acha da democracia?

-É como eu sempre acho, ditadura ou democracia, tanto faz, é questão de consciência do ditador e do democrata. 

-Fumaça, o meu pai é o ditador da família, já a minha mãe, é democrata, mas são as pessoas mais amáveis que eu conheço.

-É isso aí, DJ, meu amigão.

Continuamos seguindo abraçados pela rua movimentada de gente.



                                                            Fim.















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