quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Hamlet moderno. " ESTE LIVRO VAI FAZER VOCÊ REPENSAR HAMLET".







                                                                     BRASIL






                                                      Teleornal da tarde.

RIO DE JANEIRO. FAVELA DA LIBERDADE; OUTUBRO de 2013.

No tiroteio entre três policiais e dois moradores da favela liberdade na noite de véspera de natal, ninguém saiu ferido. Porém, o garoto que foi a peça chave para desencadear a troca de tiros, foi encontrado morto no alto do morro, no dia seguinte. Ele foi vítima de uma punição chamada de micro-ondas pelos moradores da sua comunidade. O policial que investigava crimes de prostituição de menores, e que também trocou tiros com os dois homens negros e gêmeos que comandavam a favela, também foi encontrado morto com um tiro na nuca.

As buscas para encontrar os dois irmãos suspeitos de terem cometido o duplo assassinato, continuam. Há indícios de que os dois suspeitos se mudaram de favela para não serem capturados. Os moradores não quiseram revelar os nomes dos dois. 


EM GOIÂNIA-GO, o aumento de jovens viciados em drogas está fazendo com que Goiânia entre para o rol das cidades mais violentas do país. Dois rapazes de dezoito e dezenove anos escaparam de uma chacina em um ponto de consumo de crack. Apenas esse ano, mais de 80 jovens já foram assassinados.

As drogas atingem também os jovens ricos da capital. Umjovem morador de um bairro nobre da cidade foi preso portando drogas sintéticas em uma boate. Após pagar a fiança ele foi liberado.

Um aluno da escola Cândido Plates Rivera, uma das mais conceituadas em educação em Goiânia, foi detido pelos policiais após ele ter se envolvido em um acidente de trânsito com seu automóvel. Drogas sintéticas foram encontradas em seu veículo. Rodrigo Ráusen Rivera, dono da escola, não se manifestou sobre o incidente. Mas, o ministério público já deu sinais de que a escola poderá ser fechada em poucos dias. Representantes da sociedade goianiense se manifestam em defesa da instituição educacional, uma vez que, ela tem sido de fundamental importância para educar e preparar jovens para as suas carreiras profissionais e convívio social.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------





                                                                   Hamlet moderno


                                                                                01 




NAS MINHAS ANDANÇAS PELA CIDADE EU PUDE perceber o quanto Goiânia é bela. Considerando o fato de ela ser uma criancinha ainda, em comparação a outras capitais brasileiras, não há quem possa negar que nós Goianos temos uma cidade jovem, bonita, urbanizada e bem traçada, - se tratando de ruas e avenidas. Sem malícia. 

No bairro onde eu moro, da calçada da minha quitinete eu posso ver uma paisagem inspiradora, o Bosque dos buritis. Naquele lago o meu pai e os meus tios pescaram inúmeras vezes. Nos anos 80 era proibido a pescaria, mas quem foi que disse que um pouquinho de travessura não era válido para não ter que comer apenas arroz com farinha em casa. Nos anos 80 não dava pra se dizer que o goiano tinha orgulho de sê-lo. Dizem que um cantor famoso chamou Goiânia de roça asfaltada. Eu não acredito nessa história. Mas a cidade se desenvolveu e chegamos onde estamos. E se o mesmo cantor voltar aqui, eu quero ver como ele se sairá dirigindo o seu calhambeque bi-bip pelas ruas da nossa adolescente cidade. –Eu só não direi o nome desse cantor porque ele canta muito e também é o orgulho da nossa música brasileira.

O meu pai me mandou para a escola com a intenção de me fazer uma pessoa mais sociável e menos impulsiva, porém, eu terei que não me revelar a ninguém, porque eu sou filho do idealizador dessa oficina de sonhos, e neto do realizador. Manterei em segredo a sete chaves. Promessa de Ráusen Júnior Alcântara Rivera. 

Estou de licença do serviço militar. Por causa do meu temperamento explosivo eu quebrei dois dentes de um recruta babaca no regimento. O meu pai conseguiu com o capitão que conseguiu com o coronel, uma punição disciplinar a ser aplicada a mim pela minha, digamos, transgressão, por ter deixado o soldadinho banguela. Os dois dentes dele saíram de férias. Eu fui mandado para escola cheia de gente pacata. Algumas alunas são bacanas, mas a maioria é aspirante a patricinhas, ou pelo menos quer passar essa impressão. Eu ainda não posso dizer que tenho amigos, pois, está sendo o meu primeiro período na escola. Mas eu encontrei um camaradinha gente fina. Marcos é o nome dele.

Na sala de audições nós ouvimos a apresentação dos protocolos e estatutos da instituição C. P. R. Todos participam fazendo perguntas e dando pontos de vistas. O pessoal é comportado feito jurado em audiência.

Eu ainda não conheço quase ninguém pelos seus nomes. Só o de uma gata que está ralando a calça jeans em minha calça também jeans; Andreia.  

-Mas, onde fica o sistema de convocação seletiva da instituição? 

-A instituição não é exclusivista, ela apenas seleciona os mais esforçados para promover a realização de seus sonhos.

-Os sonhos deles ou os nossos, Monique?

-De todos nós.

Amanda se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de garota que vai se entregando a alguém logo no primeiro encontro. Também não seria de uma moça tão fácil assim que eu precisava. Embora ela fosse bonita, eu sentia que ela não estaria apenas à procura de Passatempo, e, seu jeito ressabiado em relação a mim, mostrava que ela queria que viesse a ser mais que uma paquera. Quanto ao Ser angelical que eu não me lembro do seu nome, eu sinto que encontrei a garota dos meus sonhos, mas pelo fato de eu ter sofrido amnésia e não me recordar do nome dela... Já era.Descobri o nome da que só responde as perguntas; Monique, pele clara, olhos cor de mel, cabelos longos, castanho médio, - e, que boca maravilhosa a dela. 

-Eu soube que a instituição é controlada por pessoas livres, de bons costumes e que também separam o joio do trigo. Isso é verdade?

-Com certeza.

Ergui a mão.

-Responda uma pergunta, professora Monique.

Risos e palmas. Eu não entendi. Monique ajeitou os cabelos, virou para mim e se preparou.

-Pode perguntar.

-E se um parente de um dos mentores da instituição vier a se matricular na escola, ele terá alguns privilégios? –perguntei.

-Todos os que se destacam e são escolhidos para integrar o corpo pensante da instituição, desfrutam de privilégios, mas sem chance para nepotismos e favorecimentos imerecidos. Mas, por que a pergunta?

-Aí, você é filho de quem? –perguntou-me um colega ao meu lado.

Me entreguei. 

–Dos meus pais. –falei.

Ele deu um toque de ombro no meu e disse. –Essa foi foda. 

-Pode ser que você seja filha de alguém do alto escalão da instituição, afinal de contas, você possui todas as informações...

-Colega, eu venho escalando os degraus dessa escada que me levará ao menos ao meio da pirâmide, com muita honra e obstinação.

-Isso está me cheirando a maçonaria. Degraus, pirâmides, escadas. -outro aluno observou.

-A escola é bancada pelo governo?

-A instituição não tem vínculos com políticos, mas é mantida por grandes empresários, juristas, banqueiros advogados e profissionais que não se corromperam pelo sistema das engrenagens do poder.

-Um de vocês pode me esclarecer sobre as exigências da escola?

-Eduardo, para se matricular na C. P. R, era necessário que o matriculado passasse por uma investigação sobre a sua conduta na sociedade e, havendo sido matriculado, ele passaria por uma avaliação pelos psicólogos da instituição Cândido Plates...

-Era assim que funcionava, Monique, mas o doutor Rodrigo Rivera resolveu inovar e facilitar as coisas. – disse Andreia, a gata de olhos verdes e narizinho afiladinho. A perna dela continuava roçando a minha.

-E quais são as vantagens de estudar em uma escola tão moralista?

-Consiga ser direcionado a uma universidade, ou ao mercado de trabalho por Cândido Plates e Rodrigo Rivera, que você terá a resposta.

-Sente só o meu talento. Solte o som aí Alberto. –disse um magrinho com uma touca na cabeça. Ele mandou, o outro magrinho obedeceu, levando as mãos a boca, tirando um som com umas batidas bem legais. A turma seguia no balanço...

-Como é que chama essa dança?  -perguntei ao colega do meu lado.

-Rap.

O som vocal continuava, e o dançarino fazia o show contorcendo o corpo e... o cara fez umas paradas muito loucas no piso. A galera grita hul, hul e o maluco, mostrava que conhece do bagulho... Terminou a apresentação. Cruzou os braços á cima dos peitos, fez pose... Deu um giro pelo local dando e recebendo um toque na mão de cada um.

-Estão contratados, vocês dois. O dançarino e o boca instrumental. Foi maneiro galera. –falei. 

“É isso aí”. Todos concordaram. Eu estou gostando da turminha da escola.

-Aí Ráusen, se você quiser aprender ser Bboy, é só falar comigo. –ofertou-me o instrumentista manual e bocal. O moleque já sabia o meu nome.

-Pode crer. –respondi. –Qual é o sonho de vocês? –perguntei.

-Trabalhar em uma das empresas do grupo Rivera. –respondeu o dançarino.

-O nosso desafio é não mais usar drogas. Foi o doutor Rodrigo que nos deu essa oportunidade e nos prometeu as vagas de emprego. Drogas, nunca mais.

    Aplausos da galera pelo esforço dos dois.

-Depois desse show ao vivo, alguém tem mais perguntas? –quis saber Monique.

Pensei, em fazer uma pergunta tipo: Quer sair comigo hoje à noite Monique?

-Professora. –falei pra não arriscar o convite.

-Ela não é professora. É aluna igual à gente. –fez-me saber Andreia. Á narizinho, perna riçante na minha. –Os professores só vêm aqui uma vez por semana.

Preguiçosos.

-Somos todos eternos aprendizes. –disse outra, lá do outro lado.

Mais aplausos... O sino tocou e eu não perguntei.

Todos nós saímos.

No corredor...

-Aí RJ, gostou da galera? -quem perguntou foi o meu amigo que chegou ligeiro jogando a mochila nas costas.

-Maneira, Marcos. –falei.

Ele pegou em meu ombro, e nós dois caminhamos pelo saguão da escola. 

Um sujeito com cara de encrenqueiro, acompanhado de dois rapazes e duas garotas nos olhava com um riso na cara.

-Aí ô... dama da lotação. –escutei ele dizer. –É você mesmo, RJ.

Senti a mão de Marcos pressionar o meu ombro.

-Deixa pra lá.

Continuamos andando.

-Quer uma grana pra cortar o cabelo? –me insultou novamente.

-Não ligue para as provocações dele. –uma garota me falou ao passar por mim e Marcos.

Olhei em volta do saguão e vi alguns alunos baixando as cabeças, outros saindo do local e alguns parados para ver o resultado da rusga entre mim e o babaca todo sorridente me apontando para os colegas.

-Você tá falando comigo? –perguntei indo na direção dele.

-É com você mesmo. Algum problema? –abriu os braços e caminhou em minha direção.

Já era.

Entreguei a mochila a Marcos e avancei contra o provocador. Dobrei os dedos da mão direita e com o carpo dela acertei o nariz do infeliz. Foi só uma.

-Quer uma grana para o curativo, palhaço? –perguntei vendo-o tentando estancar o sangue que escorria do órgão olfativo.

-Você quebrou o meu nariz. –falou sufocado.

O sino tocou novamente. Foi apenas um round.

Diretoria.

-Então você é o Ráusen Júnior. Tem algum parentesco com Rodrigo Ráusen Rivera?

-Eu não o conheço, mas sei que há muitos com esse nome por causa da história dele. 

-Eu conheço uma porção deles. –falou-me o diretor. –Diz aqui em seu currículo que você foi um ótimo aluno colegial. Mas você já chegou arrumando briga com um colega.

-Desculpe-me diretor, mas, foi ele que procurou briga comigo.

Eu achando que a revelação iria me livrar da suspensão.

-Não é de o nosso costume aceitar brigões em nossa instituição, mas por causa do seu histórico que não é de um rapaz encrenqueiro, e o do Jorge que sempre foi o mais difícil de todos os alunos, eu vou te dar mais uma chance. -organizou os papéis e se levantou para me despedir. -Procure não arrumar mais confusões. –disse ele tirando os óculos. –Tenha um bom semestre letivo e fique longe do Jorge. Ele não trabalha mais no departamento de matrículas por razão do seu comportamento arredio e zombador.

-Obrigado pelo aviso. Posso ir?

-Vá. –disse-me e foi até ao bebedouro.


Fora da sala, na passarela do pátio eu me encontrei com o meu colega.

-E aí, Ráusen Júnior, o que rolou? –quis saber Marcos. –Oi gatinha, que tal uma balada amanhã? -Esqueci de dizer que ele é o maior pegador da escola.

-Amanhã eu tenho que ensaiar para a peça até tarde da noite. –respondeu à ruivinha gatíssima.

-Eu ainda não desisti de você. –falou beijando a mão da garota.

Feito irmãozinho caçula eu fiquei esperando Marcos se despedir da guria. Depois de conseguir o número do telefone dela, ele voltou a ficar do meu lado.

-Ela tem umas amigas elites. Tá rolando esquema pra nós dois. Mas e aí, foi suspenso por bancar o pugilista? –perguntou-me, embolsando o celular. E segurando em meu ombro.

-Fui perdoado dessa vez.

-Eu gostei do que você fez com o Jorge. Ele jura ser o dono da escola.

-Por quê? Ele é o mais rico?

-Pelo que eu sei ele não veio da rede pública como a maioria...

Parei no corredor fazendo Marcos parar também.

-Você quer dizer que a maior parte dos alunos dessa escola é financiada pelo governo? Conta outra. Olha a aparência desse pessoal.

Olhamos em todo o pátio e vimos garotas e rapazes com calças e camisas de marcas e de aparência bem agradável.

-Pois pode acreditar que 99% dessa galera são da periferia e são bancados pelo doutor Rodrigo Ráusen Rivera. A diferença está em como eles são educados pela metodologia de ensino da instituição C. P. R.

-Poxa... legal!

-Aquele branquinho da sala de teatro é o Alfredo. Não se meta com ele. Ele é o maioral daqui, e o Roberto irmão dele é o vice.

Se eles não se meterem comigo, terão esses títulos até o fim dos estudos. Ao contrário, serão os maiores exibidores de fraturas.  Eu mesmo quebrarei os dois.

-Os alunos aqui aprendem mais relações humanas do que outras matérias. Funciona como a um centro de convivência para a transformação pessoal e convívio social.

Meu pai me escondeu esse detalhe.

Enquanto nós dois andamos indo em direção ao portão de saída, eu notava que algumas alunas falavam alguma coisa sobre mim e o nariz quebrado. Ao passar pelos colegas do encrenqueiro, percebi que eles abriam espaço para mim e meu amigo passar.

Segundos depois, eu e Marcos já estávamos fora das dependências do instituto. Ele entrou no carro e foi embora. 

Os estudantes têm a oportunidade de se realizarem profissionalmente. Eu tinha o sonho de ser músico profissional. Desde criança sou apaixonado por todo tipo de instrumento musical e, também exercito a voz cantando algumas músicas de sucesso. Por ironia do destino, os instrumentos que eu mais tenho tirado som deles são fuzis e pistolas automáticas. Quem sabe no futuro eu chegue a general das forças armadas.

Certa vez eu li numa revista uma citação de um cara que dizia: "acreditar em algo e não o viver é covardia" Todavia, eu não sou desobediente aos meus pais, e, eu estava na escola para uma missão: tornar-me um bom menino. 






                                                                                                                      02

 


MEU AMIGO MARCOS PASSOU em minha casa para irmos juntos a uma festa. Minutos depois já estávamos no local.

-E aí Ráusen. Você tem que entrar no clima. A galera aqui é animada.

Ele espera que eu fale algo, mas realmente eu não estou no clima ideal para badalação. Ainda de braços cruzados e em pé, apenas movo os ombros.

-Olha só quantas garotas bonitas estão chegando. Eu conheço a maioria delas e, se você quiser, eu as apresento a você.

-Vá em frente, Marcos. Eu vou ficando por aqui... Desculpe-me, é que eu estou desanimado.

-Quer me contar qual é o seu problema?

Eu não tenho o costume de me abrir para ninguém, mas ao ver a pista de dança lotada de garotas e rapazes dançando rock, eu vejo que o Marcos é mesmo um cara legal e que se preocupa com o meu estado de espirito.

-Eu preciso arrumar um emprego por que eu tomei uma decisão que irá mudar todo o rumo de minha vida.

-Vamos conversar sobre isso ali naquela mesa.

Dirigimo-nos até a mesa de um quiosque nas dependências do local do baile.

-Pronto. Conte-me seu problema. –disse ele ao sentarmos.

-É o seguinte, amigo, eu vou parar de estudar...

–Você decidiu parar de estudar. –falou a mim. -Duas cervejas, por favor. –pediu a garçonete.

-Sim. É isso que você ouviu.

-Então seremos dois desistentes.

A moça chegou com as cervejas. Ele tirou a carteira e pagou a ela.

-Você não deve parar de estudar por minha causa. –falei e bebi.

-Eu sou o único amigo seu na faculdade. Isso quer dizer que o Jorge vai querer se vingar de mim. - falou sério, mas em seguida deu um sorriso e um aceno a duas garotas que passaram perto de nós dois.

-Qual é a daquele cara? Por acaso ele é de aço pra que todos tenham medo dele? –perguntei insultante.

-Eu não tenho medo dele. –disse antes de beber. –Só estou te zoando. O Jorge é um palhaço. Ele matriculou um aluno albino e depois o apelidou de Augusto Branca de neve.

-E qual foi à punição que ele levou?

-Não presta mais serviços à escola.

Se o Albino fosse meu amigo, o Jorge não mais serviria nem pra alvo de treinamento de tiros de fuzil no exército.

-E o Augusto?

-Conseguiu patrocínio da Ordem Rivera três dias depois da queda do Jorge, e já está no primeiro ano em direito.

-Então é assim que funciona: A escola fornece educação de qualidade aos menos favorecidos, e, de quebra financia as carreiras profissionais dos que merecem incentivos?

-É isso aí, professor pardal. –deu-me uma tapa na cabeça.

Legal a atitude do meu paizão e do meu avozinho. Os dois valorizam o talento das pessoas.

Algumas clientes começaram a ocupar as mesas do quiosque. Entre as pessoas eu vi uma garota bonita, vestindo calça jeans e camiseta branca. Sua acompanhante também era bonita.

-Sabe o que eu acho, Ráusen?

Dei de ombros, bebendo.

-Eu acho que você deve esquecer os problemas e arrumar uma garota para passar a noite.

Ao ouvi-lo, meus olhos procuraram os olhos da gata de jeans e camiseta, de cabelos castanhos e longos. Ela parecia não ter me notado ainda.

-Você gosta de rock? –quis saber Marcos, agitando os braços.

-Aprecio todos os gêneros musicais. –respondi. –Mas, me diz quem é aquela garota. –aponto com o queixo.

-Amanda. A desejada por todos. –respondeu e deu mais um gole.

Eu continuei bebendo e observando Amanda. Fazia sentido ela ser desejada, mas talvez isso significasse que eu não teria nenhuma chance com ela.

Ela me notou. Parou a latinha de guaraná próxima a boca e me olhou por uns três segundos.

-Estou começando a entrar no clima da festa. Me fale o que mais você sabe da deseja.

-Apenas que ela é muito show e que ninguém da escola conseguiu beijar aqueles lábios grossinhos delas.

-Talvez eu não paro de estudar. –falei encarando-a novamente.

Ao perceber que eu á encarava, Amanda juntou os longos cabelos e os jogou para a parte da frente do corpo. Cruzou as pernas, me olhou e voltou a conversar com a amiga.

-Se você quiser, eu te acompanho até a mesa delas. Eu sou gamado na moreninha.

-Loiros sempre tem uma queda por morenas. –comentei.

Rimos juntos pela primeira vez na noite.

O rock continuava e a pista fervilhava de gente pulando freneticamente e imitando guitarristas. As duas garotas ainda conversavam. Amanda dava sorrisos discretos e de vez em quando olhava em minha direção. Eu esperava que chegasse logo a seleção de música romântica para eu chamá-la pra dançar. Enquanto isso, eu e meu amigo bebíamos nossas cervejas.

-Aí, não olhe agora, mas a moreninha está olhando para nós. Isso quer dizer que elas falam da gente. –Marcos observou.

Sem nada dizer eu me levantei. Marcos fez o mesmo.

-A melhor hora de se levar um fora é enquanto rola um rock pauleira.

-Vamos nessa. – disse ele.

Fomos 

-Oi garotas! –cumprimentei.

-Oi meninas! –disse Marcos.

Elas se entreolharam. Continuamos de pé.

-Podemos nos sentar com vocês? –perguntei.

-Fique à vontade. –disse a moreninha.

Sentei-me do lado da Amanda. Marcos se sentou próximo a morena.

-Dizem que dançar rock ajuda a queimar calorias. –puxei conversa.

-Aeróbica é mais eficiente. 

-Na verdade eu não estou aqui pra discutir sobre danças. –mudei de assunto. –Eu acho que conheço você.

-O que eu sei é que você ficou bastante conhecido depois da briga...

-Tudo bem, Amanda, eu sei que não causei boa impressão.

-Ações violentas sempre causam repulsas nas pessoas. –ela criticou e voltou a beber.

-Autodefesa é válido em situações como aquela.

-Se você acha. –falou e calou-se.

Houve silêncio entre nós. Com certeza ela era contra a minha atitude de me defender da investida do Jorge dando um soco no nariz dele. Eu sei que não iria adiantar dizer que foi ele que me agrediu primeiro. De qualquer forma, ela ainda estava sentada do meu lado.

A garçonete chega recolhendo as latinhas de cervejas. Não quero mais beber. Vou tentar reverter a situação desagradável a qual me encontro perante a Amanda.

-Sua amiga e o meu amigo parecem estar se dando bem.

Os dois conversam frente a frente.

-A Cinthia é sempre bem receptiva. 

-O Marcos é mais interessante do que eu. Loiros de olhos camaleônicos são mais atraentes.

-Pelo menos, ele é bem-humorado.

Não entendi o que ela quis insinuar. Só sei que eu não estou com saco pra ficar recebendo indiretas a cada minuto.

-Se você acha que bom humor significa aceitar um babaca te chamar de “dama da lotação” só porque ele vai de Corolla para a faculdade, e você pega o ônibus lotado todos os dias...

-Espere, você está querendo dizer que o Jorge zombou de você, só porque você não tem um carro?

-Sim.

Ela terminou de tomar o refrigerante, e agora faz tipo de quem reconsidera a questão. 

-O Jorge já foi punido por causa desses apelidos. –frisou ela. 

-O soco que eu dei no nariz dele foi de longe e de perto a punição mais dolorosa que ele levou.

-Desculpe-me. O Jorge sempre foi um esnobe mesmo.

-Tudo bem. Eu também sempre fui um cara de estopim curto.

-De onde você é? –perguntou me olhando diretamente nos olhos.

-Eu nasci aqui em Goiânia, mas me mudei para o interior com meus pais.

-Seus pais voltaram a morar aqui novamente?

-Não. Eles continuam lá.

-Então você mora sozinho aqui?

-É isso aí. Só voltarei a fazenda com o diploma na bagagem. –menti.

-E você pretende se formar em quê?

Penso em responder que serei médico, advogado ou engenheiro.

-Não me decidi ainda. Talvez eu nem me forme. –respondi.

Ela fez cara de decepcionada novamente, mas logo mudou a expressão para sorrir para uma garota que acenou para ela da pista de dança.

É incrível como o rock deixa as pessoas animadas. No quiosque, apenas eu, meu amigo e as duas amigas, ocupamos a mesa e as cadeiras.

Marcos já está aos beijos com Cinthia. Eu e Amanda observamos os dois e damos risinhos disfarçados.

-E namorado, você tem? –perguntei.

-Não tenho pensado nisso ainda. –falou e bebeu. –Primeiro a formatura. 

Se isso não foi um fora, é autovalorização. Deixou-me sem palavras.

-E você, já está namorando alguém?

-Eu acho que não dou sorte com as garotas. 

-Talvez seja pelo seu estopim curto.

De novo as alfinetadas.

-Amanda, me desculpe, mas eu preciso sair um tempinho. 

A me ver de pé, Marcos quis saber qual era, mas eu apalpo o ombro dele demonstrando que está tudo bem, agorinha eu volto. Saio sem nenhuma vontade de dançar rock e nem que Amanda me chame de volta. Ela não esboçou reação de querer que eu ficasse. O meu mau-humor não me deixa manter um diálogo com uma garota, mesmo ela sendo bonita e antiviolência como Amanda é. 

Aproximo-me da pista de dança me sentindo cafona por não ter pique nem animação para me misturar aos dançantes elétricos que se empurram e gritam ao som de rock metal. Talvez eu devesse estar em casa vendo televisão. Tiro o celular do bolso e confiro se há alguma chamada não atendida, ou uma mensagem... Nada.

Por alguns minutos fico encostado com o pé na coluna que sustenta a cobertura do salão. De repente percebo alguns casais se abraçando para dançar música romântica. A turma do rock vai se refrescar fora da pista. Minha calça jeans e minha camisa cinza ainda não umedeceram de suor. Vejo garotas sem parceiros para dançar, mas o meu pensamento ainda está em Amanda que continua sentada no mesmo lugar. Lembrei-me agora que ela é estudante de artes cênicas da escola.

-Vá chamá-la pra dançar Ráusen Júnior. –falou-me Marcos tocando meu ombro, indo dançar com Cinthia.

Olho para Amanda e vejo-a sozinha tateando a lata de refrigerante. Talvez ela queira dançar. Escorro a mão nos cabelos, jogando-os para trás e me preparo para colar o meu corpo ao dela numa dança.

Antes de me dirigir a ela, noto um rapaz chamando-a pra dançar. Ela não quis.

Sigo até a ela.

-Oi de novo! –falei me sentando. –Você não gosta de dançar?

-Prefiro uma boa conversa.

-Uma boa conversa ou um bom conversador? –me sentei.

-Os dois... seria ótimo. -lançou-me um olhar desafiador. 

Francamente eu me vejo sem ideia pra trocar com ela, mas a beleza dela me atrai. Seus olhos castanhos, sua boca charmosamente grande e seu rosto perfeitamente perfilado em formato quadrado, a faz parecer uma atriz de novela. Mas talvez o que me deixa mais atraído por ela, seja sua personalidade de moça sincera.

-Talvez eu não seja nenhum dos dois, afinal, a primeira impressão é a que fica...

-Nem sempre, Ráusen. Até agora eu não tenho nenhuma impressão sobre você. Apenas acho que agiu errado com o Jorge.

-Amanda, eu não sei por que você insiste tanto em falar dele...

-Ele é meu irmão.

Boom... levo as mãos ao rosto, respiro fundo e...

-Desculpe-me, eu não sabia. –pedi, com vergonha.

-Tudo bem, eu entendo, mas mesmo que ele não fosse meu irmão, eu não apoiaria você por ter agido daquele jeito.

-A música romântica cria um fundo musical que não combina com a nossa conversa. Que tal a gente ir conversar lá fora?

-Se você prefere assim, então vamos. –aceitou se levantando.

Enquanto saímos lada a lado, eu imagino no que vou falar a ela. Não é de o meu feitio querer me retratar pelos meus atos, mas eu sinto que ela é a garota que pode dar sabor a minha vida.

Há muita gente na calçada. Encostamo-nos ao automóvel estacionado próximo ao local da festa.

-Eu não sei o que dizer sobre a briga entre mim e o seu irmão... Por que ele não conseguiu se matricular na primeira tentativa?

-Ele falou de pobreza de modo muito pejorativo diante de um grupo de colegas composto por pessoas pobres.

-É o típico zombador indireto. Não me arrependo de ter agido daquele jeito com ele.

-Apenas me diz por que você se comporta daquele jeito na escola. Você não faz amigos e parece estar sempre de mal com tudo e com todos.

De frente a ela eu fico pensando no que dizer de mim

-O que eu vou falar não será pra me redimir. –ponho-me do lado dela. –Eu prestei o serviço militar. Talvez por isso eu me comporte assim.

Minha confissão á surpreendeu.

-Quanto tempo você passou no exército?

-Alguns anos.

-Tempo suficiente para adquirir disciplina e autocontrole em situações embaraçosas. –falou sem me olhar. –Oi Soraia. –Cumprimentou a uma passante tão linda, que, eu senti o meu coração palpitar quando ela me olhou e sorriu. Chacoalho a cabeça querendo não acreditar que foi um flerte o sorriso que ela me deu.

-Eu lamento ter te desapontado, mas eu não pretendo continuar levando esse papo.

-Realmente, você não parece gostar de conversar, ainda mais quando a culpa te aflige. -falou e pôs as mãos nos bolsos. 

Pensei em ir atrás da Soraia.

-Estou profundamente contrariado por estar sendo criticado pela garota que eu queria chamá-la em namoro.

-Pra se namorar é necessário que os dois se conheçam primeiro.

Eu não esperava por essa orientação, mas senti que eu teria uma chance. Coloco-me de frente a ela novamente, só que agora mais próximo dela.

-A minha história é um pouco confusa, mas se você me der uma chance, aos poucos você me descobrirá. –falei tocando os braços cruzados dela.

-Eu tenho medo de descobrir algo mais constrangedor a seu respeito. –Confessou me olhando nos olhos.

-O que eu posso dizer no momento é que eu estou gamado em você. –Toco lhe o rosto. Ela move a cabeça suavemente e fecha os olhos por alguns segundos.

-Eu tenho que ir embora. –Se afastou de mim. –Eu estou preocupada com algumas mensagens que alguém está compartilhando pra manchar a imagem do idealizador da escola.

-Eu te deixo em sua casa.

-Não precisa. Eu moro ali. –Apontou a casa do outro lado da rua e se foi.

Não considero que eu tenha levado um fora e, acho melhor dar tempo ao tempo. Pelo menos agora eu sei o nome dela, onde ela mora e também sei o grau do seu senso crítico. Sinceramente a festa acabou pra mim, mas confesso que estou me sentindo bem melhor.

Vejo-a atravessando a avenida em passos apressados. 

Amanda se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de garota que vai se entregando a alguém logo no primeiro encontro. Também não seria de uma moça tão fácil assim que eu precisava. Embora ela fosse bonita, eu sentia que ela não estaria apenas à procura de Passatempo, e, seu jeito ressabiado em relação a mim, mostrava que ela queria que viesse a ser mais que uma paquera. Quanto ao Ser angelical que eu não me lembro do seu nome, eu sinto que encontrei a garota dos meus sonhos, mas pelo fato de eu ter sofrido amnésia e não me recordar do nome dela... Já era.


                                                                               ***

                                                                 

Marcos me apresentou a farmacêutica funcionária do pai dele. Gatérrima. Eu é que sou tímido e não rolou nada entre mim e ela. Duas horas depois, eu e marcos já estávamos indo embora. Ainda era cedo e, no caminho, enquanto ele dirigia, me fez saber que a noite pra ele podia ter sido melhor, não fosse o fato de a moreninha ter sentido a falta da Amanda depois de uns quarenta minutos e resolveu ir fazer companhia a ela na casa dela.

Paramos em frente à quitinete onde moro, descemos do carro e nos escoramos nele. Eu queria falar á Marcos sobre a garota que mais se parece uma anja, de tão linda que é, mas eu esqueci o nome dela.

-Então quer dizer que você vai continuar estudando?

-Sim, mas preciso arrumar um emprego urgentemente.

-O meu pai é dono de uma farmácia. Eu vou dar um jeito de arrumar um emprego de entregador pra você.

-Legal. Eu conheço bem Goiânia. Eu e a turma de recrutas sempre fazíamos exercícios físicos correndo pelas ruas da cidade, mais para mostrar às pessoas o contingente de recrutas, do que pra manter a forma física.

-Espere aí. –disse ele segurando em meus ombros. –Você serviu o exército? –arregalou os olhos e esperou minha resposta.

-Positivo.

Marcos me soltou e deu um toque estalado em minha mão. Não entendi qual foi o motivo de tanta admiração dele. Talvez eu use essa identificação com as garotas da próxima vez. Se a Amanda tivesse reagido assim, eu teria sido o primeiro da escola a beijar os lábios grossinhos dela.

-Pelo que você me falou, você não conseguiu saborear os lábios da Amanda.

-Mas também não levei um fora diretamente. –Remediei. -Você não me falou que o Jorge é irmão dela.

-Estou sabendo agora. Mantenha o celular ligado. –Orientou-me entrando no carro. –Amanhã a gente vai dar um passeio.

Ele engatou marcha e foi embora. 



                                                                                   03



    O sol estava um pouco escaldante. Como sempre, eu acordei cedo e dei uma organizada no meu cafofo por ainda manter o costume de acordar bem cedo no quartel. –é aquela velha história: quem não cuida da sua própria casa, sobra-lhe tempo pra xeretar a vida dos outros. As minhas vizinhas de república já estavam me rodeando. Depois eu vistoriaria as quitinetes delas. Mulher que não zela de sua moradia, tendem a ser vulgares. –Mas, até que elas eram bem da hora.

Num programa de rádio, anunciava mais mortes de jovens viciados em drogas. Eu imaginava que seria dali para pior. A violência não para e só aumenta a cada dia.

Marcos me ligou dizendo pra eu o esperar na praça. Marquei de nos encontrar na lanchonete em frente à praça. Enquanto isso eu aproveitava para tomar o meu lanche matinal. Sentado em uma cadeira da mesa do canto eu observava o movimento das pessoas que entravam e saíam levando seus pedidos. Senti saudade dos tempos em que eu vivia com minha mãe e meu pai na fazenda, quando merendávamos juntos à mesa, comendo biscoitos caseiros feitos por minha mãe, e tomávamos café plantado, colhido, torrado e moído em nossa propriedade, e leite tirado das vacas do nosso rebanho. 

Olhei para a porta de entrada e vi Marcos chegando e indo até ao balcão. Ele, sempre mesmo bem-humorado, já chega cumprimentando a balconista que deu a mão a ele e recebeu um beijo no dorso dela. 

Cheio de ginga, ele veio ao meu encontro.

-Bom dia meu grande amigo Ráusen Júnior. –disse se sentando. –Conversei com o meu pai. O seu emprego está garantido. Segunda-feira você já vai andar mais que notícia ruim em cima da moto fazendo as entregas.

Damos um toque de mãos estalado e eu o agradeci pela força.

-Eu disse á meu pai que você é ex-soldado e garanti um bom período de trabalho pra você. Ele está viajando e só volta no mês que vem, mas me deu autoridade para contratar quem eu quiser. Só assim terei motivo para ir à Farmácia.

-Legal. Não precisava se preocupar com o horário...

-Nada disso. Vamos conciliar trabalho e estudo. Das treze às dezenove horas.

-Eu não tinha pensado nisso.

A garçonete se aproximou trazendo o lanche do Marcos.

-Obrigado, linda! 

Enquanto ele devorava o cachorro quente, eu o analisava e constatei que ele realmente era um cara muito maneiro.

-Eu acho que você não terá dificuldade em se adaptar a esse horário. –disse á mim. -Delícia. –falou olhando a garçonete. –Você já lanchou?

-Terminei agora a pouco.

Mastigando, Marcos olhava a bela morena recolhendo as garrafas de refrigerante e copos das outras mesas. Enquanto isso, eu pensava em contar a ele o meu segredo, mas mesmo tendo a impressão que ele fosse um bom parceiro, eu achei que não seria a hora certa de confidenciar algo tão sigiloso a meu respeito.

Ao terminar de comer e se livrar do pratinho e das migalhas arredando ambos para o canto da mesa, ele voltou a falar comigo.

-Eu tenho que te dizer por que foi que eu fiquei tão empolgado ao saber que você serviu o exército. –Naquele colégio só tem bundas moles. 

-E daí? –perguntei.

-Acontece, que, sozinho eu não daria conta de combater alguns pilantras que se passam por alunos da nossa escola para vender entorpecentes aos bundões que necessitam de drogas para curtirem a vida. Além do mais, tem alguém sentando a lenha na instituição.

Eu pensei que ele fosse simplesmente um rapaz loiro de boa aparência e que levava menos de quinze minutos para abordar e se atracar na boca de uma morena gatíssima.

-Você conhece uma droga chamada ecstasy?

-Comum na classe média. –Respondi desdenhando.

-Às margens da nossa escola também.

-Mas isso é assunto das autoridades. Eu não entendo o porquê da sua preocupação...

-O meu irmão está andando de muletas por ter ingerido aqueles comprimidos dos infernos. –falou descompassado de raiva.

Meus pêsames não seriam suficientes para tirar a expressão de ódio das palavras e dos olhos dele.

-Lamento Marcos. Realmente é muito doloroso.

-Ele tem apenas dezenove anos. –Baixou o semblante. –Mas ele será vingado. –Prometeu furioso. -Ele, Alfredo e Roberto haviam acabado de receber os formulários que garantiriam a realização dos sonhos deles.

-Como aconteceu? –perguntei.

-Sobre o efeito da droga ele saiu alucinado pela rua, gritando a todos que ele era o Márcio Star... Bateu o carro na traseira de outro veículo. Ficou em coma por alguns dias e quando saiu do hospital não podia mais andar com as suas próprias pernas. Está em Brasília no centro de fisioterapia e me manda fotos. Está feliz, mas eu acho que é pra disfarçar o trauma e pra não abalar a mim e aos nossos pais.

A voz de Marcos soa embargada.

Eu sei que ele não quer me usar para uma vingança pessoal, se fosse já teria tentado me convencer desde os primeiros dias de nossa amizade. Também não está querendo me cobrar pelo favor de me arranjar um emprego com o pai dele. Eu acho que ele me tem como um parceiro capacitado para a tarefa.

-Pode contar comigo. –falei.

Ele levantou a cabeça e expressou gratidão.

-Mas, e então, como é que vai ser a nossa vingança? 

-A partir de agora a gente começa elaborar um plano para descobrir quem são os traficantes. –respondeu se levantando. –Nós vamos ficar de olho em alguns malucos que aparecem na escola de vez em quando na hora do recreio. E as postagens nas redes sociais sobre o passado de RR Rivera.

O passado do meu pai está sendo sacaneado. Tenho até pena desses filhos da mãe.

-Bom, já temos um ponto de partida - me levanto e o acompanho até ao caixa. –Deixe que eu pago a conta. –falei.

-Nada disso. Dê-me sua ficha. Você ainda não recebeu o primeiro salário.

Não insisti em pagar o que consumimos. 

Segundos depois, entramos no Golf dele.

-E agora, aonde vamos?

-Ainda é cedo. Podemos ir ver certas garotas. –Deu partida. –Que tal reencontrar a Amanda? –manobrou e saiu.

-Se formos a casa dela, eu serei expulso de lá pelo Jorge.

-Pois trate de se retratar com aquele idiota, porque ele é um dos suspeitos. Peixe pequeno, mas tem uns contatos.

-Se é por uma boa causa, então eu darei uma de agressor arrependido.

Através do vidro fumê fechado para não queimar a pele pelos raios do sol que esquenta a cada minuto, eu vejo o movimento de pedestre e de automóveis que trafegam pela avenida. Muitos jovens moços e moças andam distraídos, uns apressados, outros nem tanto. Penso que talvez possamos evitar que muitos deles venham a ter o mesmo destino do irmão de Marcos. Começo a me sentir útil a humanidade. Como meu pai foi nos anos 80, e ainda é atualmente. Ele não dá esmolas. Financia estudos a quem necessita e os direciona às melhores escolas da cidade.

Mais uma vez eu tentei falar sobre a garota angelical com Marcos, mas eu não consigo me recordar do nome dela. Acho que a anja bateu asas e voou sem deixar ao menos o seu nome registrado em minha memória. 

-Vai valer a pena. –falei quase sussurrado.

-Rever a desejada? –Marcos perguntou-me.

-Bancar o herói. –Respondi apertando o ombro dele.

-É assim que se fala. 

 -Você viu o tanto de mulher bonita, Ráusen pega vento?

  Só podia ser ele: Marcos, o mulherólatra.

Antes de chegarmos à casa da Amanda, eu e Marcos combinamos uma estratégia para descobrir quem seriam os traficantes. Teríamos que ser bem prudentes em nossa investigação. De acordo o meu raciocínio, o manda chuva não aparecia na negociação do entorpecente que era vendido de forma avulsa, às margens da escola. De acordo o raciocínio do meu parceiro, o Jorge fazia o serviço de distribuição.

Marcos estacionou na frente do portão da casa da Amanda. Ela nos esperava na calçada.

-Oi Amanda! –disse Marcos. –Onde está a Cinthia?

-Ela pediu que eu te dissesse que ela te espera na casa dela.

Eu ainda não havia descido do carro e, de dentro dele eu via o quanto ela estava bonita, mesmo sendo quase onze horas da manhã. Sem maquiagem, de vestidinho amarelo rodado e de sandália tipo rasteirinha. Casualmente gata.

Marcos atravessou a rua para ir ao encontro da morena. Com o coração levemente acelerado eu desci do Golf.

-Bom dia! –falei.

-Oi! –falou se encostando ao portão - Que surpresa te ver aqui a essa hora.

-Eu pensei em você a noite inteira. –Declarei.

-Você quer entrar?

-Eu não sei quem me espera aí dentro de sua casa.

Ela suspirou e ajeitou os cabelos para trás.

-Eu também pensei em você até pegar no sono e, hoje ao me levantar, eu tive uma conversa com o meu irmão sobre o que houve entre vocês dois.

Permaneci calado de braços cruzados, mas louco para poder experimentar os lábios dela.

-Ele falou que não quer encrenca com você, e vocês podem até ser amigos.

-Assim eu terei chance de te namorar?

Ela ficou em silêncio e usava as mãos para massagear o pescoço. Estava indecisa sobre o que me responder.

-Entre, vamos conversar na área.

Aceitei o convite e passei pelo portão. O carro não estava na garagem e, provavelmente, ela estaria sozinha em casa. Isso me deixava mais tranquilo.

Sentamo-nos na mureta da área coberta.

-Eu preciso saber mais sobre você.

-Amanda, eu não preciso saber nada mais sobre você e, eu acho que não é justo cobrar isso de mim.

-É que eu não confio em rapazes que eu não o conheço direito.

Ela fica tocando a barra de seu vestido sem querer me olhar nos olhos. Agacho-me e seguro em seus joelhos.

-Aos poucos você irá me conhecendo. –falei.

-É tão difícil pra você se revelar de uma vez? –perguntou segurando minhas mãos. –Eu só tenho medo da sua natureza agressiva.

O modo que ela agora me olha nos olhos me revela que está gostando de mim.

-Eu queria te dizer tudo sobre mim, mas talvez você não me entenda.

-Por que você veio aqui hoje então?

-Foi ideia do Marcos.

Decepcionada com a resposta ela se levanta.

-Você vai à escola amanhã?

-Está me mandando embora?

-É que eu tenho alguns trabalhos a fazer.

-Para quem sabe ler, um pingo é letra. Não é assim que se fala?

-Espere. Eu não estou te mandando embora, é que eu preciso pensar...

-Façamos de conta que somos apenas colegas de escola. Tchau!

-Você não vai esperar o Marcos?

-Avise a ele que eu resolvi fazer Cooper e fui embora correndo.

-A gente se vê no colégio?

Paro no portão e penso em que responder.

-Amanda, nós estamos agindo como dois adolescentes apaixonados e, eu lamento te dizer que eu mal te conheço e não pretendo perder o meu tempo...

-Tudo bem, eu já ouvi o bastante. Tchau e até outro dia.

Amanda se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de garota que vai se entregando a alguém logo no primeiro encontro. Também não seria de uma moça tão fácil assim que eu precisava. Embora ela fosse bonita, eu sentia que ela não estaria apenas à procura de Passatempo, e, seu jeito ressabiado em relação a mim, mostrava que ela queria que viesse a ser mais que uma paquera. Saí de certo modo aliviado por não ter que me envolver afetivamente com uma garota geniosa que tem toda característica de moça controladora e obsessiva. Também tenho que considerar o fato de o irmão dela ser peça chave para que eu e Marcos possamos desbancar a quadrilha de traficantes de ecstasy. Cogito a possibilidade de ir a um bar para espairecer as ideias, mas na verdade eu já estou satisfeito por hoje. A voz de Amanda ainda está latente em minha cabeça. 

Quanto ao Ser angelical que eu a conheci na noite de festa, e que eu não me lembro do seu nome, eu sinto que encontrei a garota dos meus sonhos, mas pelo fato de eu ter sofrido amnésia e não me recordar do nome dela... Já era. Mas, a imagem daquele rosto lindo e aquele corpo perfeito, permanece nítido em minha memória. Só não me lembro do nome dela.


                                                                      ***

Ao entrar em casa eu repenso no que escrevi aos meus pais. Não vou enviar a carta, por enquanto. Pra ser sincero, eu sempre sou muito indeciso ao lidar com sentimentos alheios e até com os meus ainda mais se tratando de ter que decepcionar as únicas pessoas que eu amo na vida.

Não vejo a hora de ir para escola e poder reencontrar a galera. Jorge também vai estar lá e será inevitável o nosso reencontro também. Será que a anjinha estuda lá também?

   Liguei o aparelho de som ao chegar a vez de limpar os móveis da sala, e coloquei um CD para rodar. Escolhi uma coletânea de sucessos de um cantor americano. Meu pai e minha mãe tinham essa música como tema do romance dos dois.

Take me now. David Gates. 

Ouvindo essa canção maravilhosa, vou dando um grau no biombo e recordando de ouvir meu tio me dizer que o meu pai não levava cinco minutos para conquistar e dar uns beques em qualquer garota que ele abordasse. –Beques é invenção do meu tio JP que também era outra fera pra conquistar as gatinhas.  -Que saudade de todos.

Daqui a pouco eu passo o café, como a merenda e rasgo a carta que escrevi anteontem.  -Quer saber? Eu vou é ligar para os meus amados e dar a eles a notícia, que, eu arrumei emprego.

Chamando...

-Mãezinha! –falei. –Me abençoe. –Pedi.

-Que você seja sempre abençoado meu filho.

-Eu estou com muita saudade de vocês todos aí.

-Então esteja aqui no próximo fim de semana. 

-O meu pai está com saudade de mim, ou só quer me dar uma bronca?

-Só te dar algumas orientações.

-Então eu vou pedir a ele que me oriente a como conquistar uma garota linda igual a senhora quando era...

-Você está aí para estudar. Apenas para isso.

*Ih, sujou.

-Mãezinha, se eu ficar conversando muito com a senhora, agorinha eu saio correndo para estar aí com vocês... Chame o meu pai, por favor. Amo-te mãezinha.

-Eu também te amo. Vou chamar seu pai.

Quando ela diz que o meu pai está querendo me ver, eu já nem me surpreendo, porque, por ele eu não sairia da fazenda. 

Ele está demorando. Vai ver está conversando com os meus tios.

-Demorei porque estava afinando o violão. –disse ao pegar o telefone. -Ele já sabia que eu ia perguntar qual o motivo da demora. -Que você seja sempre abençoado.

-Que assim seja meu pai. Mas o senhor está levando mais de dois minutos para afinar um violão? –perguntei tirando onda.

-É que as cordas são de náilon, e sua mãe estava me pedindo pra eu pegar leve com você.

A minha mãe já contou sobre a garota. 

-Não precisa inventar uma história Ráusen Júnior. Cedo ou tarde eu descobriria. -Nem ao telefone eu consigo esconder dele, sequer, meus pensamentos.

      -Então pai... o que o senhor me diz?

-A voz da sua mãe é a minha voz. Desista. 

-Tá bom. Eu já sei... Eu arrumei um emprego.

-Você quer falar sobre isso? 

Se eles não querem nem que eu namore, imagine trabalhar.

-Pai eu estou indo para a escola á pés e, um cara tirou uma comigo...

-Aí você tirou sangue dele.

-Foi pai. Eu acertei o nariz do infeliz. Pai... Não conte a minha mãe sobre mim e nem que seu nome está sendo lambanceado...

-Ela está abraçada a mim, escutando tudo.

Sujou de novo.

-Valeu pelo complô contra mim, mas, e o emprego?

-Desista.

*Ô palavra!

-Ah pai! Eu vou continuar sendo zoado na escola.

-A sua mãe e eu queríamos mesmo te dar um presente. Vá até a concessionária Almeidas amanhã...

-Pai meus créditos estão expirando e...

-Concessionária Almeidas. -Indicou outra vez. - Seja sempre abençoado.

-Assim seja... Acabaram os créditos.

Concessionária Almeidas. Já sei o que me espera.

Tomara que a minha mãe não esteja lá, querendo tirar meu pai de ideia. De tanta expectativa, perdi o apetite 




                                                                                 04



Marcos e eu sempre nos encontramos na entrada da escola, mas ele resolveu me buscar em minha casa para irmos juntos. Eu aproveitei a carona para dizer a ele que os meus pais não querem que eu trabalhe. Ele foi compreensível sobre a questão, mas notei que ele estava um pouco tenso e, eu não sabia se era pela minha desistência de não trabalhar para o pai dele, ou se era por outro motivo.

-Fala aí Marcos, o que tá pegando?

-Você não soube do que aconteceu com o Alfredo, o supervisor geral das oficinas na escola?

-Não, eu não soube de nada.

-Overdose. –falou virando à esquerda. –Eu acho que você já sabe o que causou a morte do coitado.

-Quando foi isso? E onde foi? –perguntei.

-No apartamento dele ontem à noite. Ele foi visto na rua da boate antes de morrer.

-Eu não sei onde fica a tal boate, mas o Alfredo, eu o conheci. Ele foi designado á supervisionar e a escolher os melhores das oficinas de artes. Como você soube?

-A Cinthia me ligou e deu-me a notícia.

Estávamos próximos a escola e, o movimento de carros não era como de costume. Quando um colega colegial morre, alguns alunos preferem não ir à escola.

Marcos estacionou um pouco afastado da entrada. Com certeza ele queria conversar a respeito da trágica morte do Alfredo.

-Ele estava encarregado de escolher os melhores alunos e montar as equipes para apresentá-las ao presidente da instituição Cândido Plates.  Conseguir o patrocínio da Ordem Rivera é o sonho de todos os alunos.

-Eu sinto muito pela morte dele. –falei.

-O meu irmão também tinha o sonho de ser jogador de basquete. NBA era a meta dele. –falou tirando a chave da ignição.

Descemos do carro e andamos até o portão de entrada. Só eu levava a mochila com os materiais escolares.

-O que você veio fazer aqui hoje? –perguntei enquanto andávamos.

-Com certeza hoje não irá ter aula, mas todos querem explicações sobre o que aconteceu com o Alfredo.

-Mas você disse que foi overdose.

Ele não disse nada. Abri o portão e nós adentramos no pátio. Alguns alunos e alunas conversavam no coreto, outros ficaram no corredor de acesso as salas. Ainda calados, nós seguimos para os fundos, o nosso destino seria a quadra poliesportiva.

-Eu soube que uma garota esteve com ele no sábado à noite. É bom a gente fazer algumas perguntas a ela.

-Espere. –falei impedindo-o de seguir. –Nós não podemos dar uma de investigadores já de cara.

-Bem pensado... Só que ela é a que mais pode nos fornecer alguma pista.

Pensamos um pouco antes de irmos ter com a garota. Olhamos para quadra e, ele me mostrou quem é ela. Ela é uma gata de cabelos cacheados e maquiagem em tons claros e batom bege suave.  A pequena saia rodada deixa a mostra um belo par de coxas que riçam uma na outra ao andar, de tão fechadinhas que são suas pernas. 

No corredor, escutamos um grupo de alunos falando sobre o prólogo biográfico que está bombando nos Faces. É o do meu pai.

-Tudo bem, vá você até à garota. Eu vou ver se falo com a Amanda que era uma das cotadas pelo Alfredo a ser integrada à lista dele.

Não era de se surpreender com o pouco número de alunos presente para assistirem aulas, mas apesar de ainda ser cedo, exatamente 07: 15, e a manhã estar quente, uma figura andando apressada, com blusa de frio, indo em direção ao alambrado onde Jorge estava conversando com alguns colegas, me chamou a atenção. Senti cheiro de scstasy. -Será que tem cheiro essa droga?

Dei mais alguns passos e entrei na sala de teatro. Amanda estava sentada na carteira, com os cotovelos na mesa e as mãos no rosto.

-Oi Amanda!

-Oi. –Ela falou quase inaudível.

-Eu posso me sentar ao seu lado? –perguntei arrastando uma carteira.

Ela não respondeu, mas também não me impediu.

-Eu lamento pelo Alfredo. –falei ao sentar-me.

Ela continuou calada.

Por considerar o estado de profunda tristeza dela, eu também fiquei em silêncio e pensando em como agir diante de uma garota tão deprimida.

Ela passou os cabelos para detrás das orelhas e em seguida parecia querer conversar com as próprias mãos.

-Você não quer falar sobre o que houve?

-Ele estava tão satisfeito com a minha desenvoltura como atriz. –falou sussurrando. –A nossa apresentação seria no dia da entrega dos formulários ao diretório da escola.

Não havia lágrimas em seus olhos, mas a expressão da voz dela era sofrível.

-Quantos anos ele tinha?

-Faria vinte e cinco no dia 30.

-Muito jovem para morrer de tal forma.

Amanda fixou o olhar no cenário que era usado para contracenar um drama de Shakespeare. Seus olhos vagavam distantes.

Eu queria dizer que eu repensei no que disse á ela, em sermos apenas colegas de escola, mas, vendo-a naquela situação, senti vontade de abraçá-la e oferecer-lhe um ombro amigo.

-Não fique assim. –falei segurando as mãos dela. –Você vai conseguir o patrocínio.

-Eu não sei se consigo continuar.

-Você é muito talentosa e não pode interromper a sua carreira promissora assim, tão precocemente.

Segurei no rosto dela e usei os polegares para enxugar suas lágrimas.

-Obrigada! –falou segurando meus antebraços.

-Se você quiser, eu posso ser o Romeu. –dei um leve sorriso. Ela também sorriu bem curtinho.

-O Alfredo me falou que quando ele ficasse famoso, toda nossa equipe ia trabalhar com ele. –falou olhando para o piso.

-Ele tinha inimigos na escola ou fora dela. –interroguei.

-Não... Ele não se misturava aos demais alunos, mas se comportava com muita naturalidade em relação á isso.

Eu jamais vi alunos tão bem-comportados como os da nossa escola. Um verdadeiro espaço de convivência. Seria insensato achar que um aluno da Cândido Plates fosse mau-elemento.

-Então, por que as drogas? –fui direto.

-É isso que eu não entendo. Ele era muito caseiro e só falava em teatro. Até já planejava formar a equipe titular para ensaiar Hamlet moderno para o segundo semestre.

-Por que Hamlet moderno?

-Nós da escola somos ensinados á não agir de forma violenta, e, por isso, os líderes da instituição C. P. R, não concordaram com a produção dessa peça, mas o Alfredo disse que a produziria de modo que os surpreenderiam.

- Interessante. Mas, ele morreu de overdose...

-Ainda não se sabe nem se ele morreu, e alguns já dizem uma coisa dessas. –ela falou se levantando. –Por causa das más línguas e más intensões, até R. R. Rivera está sendo difamado na sociedade.

Só não pedi á ela para não se preocupar com o meu pai e o meu avô, porque senão eu me revelaria. Eu achava que o Marcos precipitou ao me dizer que foi overdose. Talvez por isso ele não me respondeu pela segunda vez.

-Foi encontrado algo que pudesse evidenciar que ele teria ingerido droga sintética ou qualquer outro tipo?

-Tudo que eu soube foi que ele foi encontrado no apartamento dele com alguns comprimidos de ecstasy, mas ele era completamente avesso ao uso de drogas. –disse e se sentou novamente.

Levantei-me e comecei á raciocinar. “Ecstasy é droga para á noite e em locais de baladas. Não faz sentido usar a droga e ir para casa dormir”

-A que horas ele foi encontrado?

-Mais ou menos nove da noite. Ás vezes eu não acredito que ele morreu, porque ninguém foi ao hospital.

-Quem deu a notícia da morte? –perguntei.

-Ráusen. Amanda. –Marcos nos chamou todo eufórico. –O Alfredo não morreu.

Eu e Amanda emudecemos com a notícia.

-Ele sofreu parada cardíaca e foi dado como morto, mas ele foi reanimado na ambulância. 

Nós três nos sentamos.

-Então, onde ele está. –quis saber Amanda.

-Ele continua no hospital ainda em observação. Talvez ele seja transferido de hospital.

-Menos mal. - falei.

-Que bom que ele está vivo. –ela comentou menos triste.

-Quem foi que te deu essa boa notícia. –perguntei.

-Enquanto eu conversava com a Soraia, alguém ligou no celular dela e a avisou.

Amanda nos abraçou toda feliz e foi apressada ao encontro da Soraia. Eu e Marcos continuamos na sala de teatro.

-Você acha que a Soraia tem algo á ver com essa história? -torci para ouvi-lo dizendo que não.

-Ela disse que não esteve com ele e nem o conhecia direito.

-Você desconfia daquela anjinha? -sério perguntei. -Ela se parece com aquelas musicistas que tocam harpa no reino do céu.

-Não sei e, eu acho que ela só está querendo tirar o dela da reta.

Esfreguei o rosto tentando me livrar do lapso de memória. Só então me dei conta de que a Soraia era a mesma que me fisgou com um olhar na noite da festa. Que bom, eu não sofria de amnésia.

-De qualquer forma, a Soraia é a nossa segunda suspeita. –falei. –Quem foi que ligou para ela? –perguntei.

-Também não sei. –respondeu levando as mãos á nuca. –Merda. Nós não estamos progredindo. –falou e socou a mesa.

-Sem pressa. Agora que começamos. –o tranquilizei. –Nós precisamos descobrir com quem foi que o Alfredo esteve na última hora.

Ficamos calados. Eu dedilhava a madeira, Marcos farfalhava os cabelos.

-Temos que falar com o Jorge. –falei, me levantando.

-Ele acabou de sair com um ex-aluno dessa escola. Jorge e Alfredo não se combinavam desde que ele causou uma confusão com os nomes de matrículas do Roberto irmão do Alfredo com o outro Roberto.

-Só de ouvir você falar, eu já me sinto confuso também.

A notícia de que o Alfredo não morreu parecia ter dado novo ânimo aos alunos em suas respectivas classes. Tudo que eu sabia sobre o Alfredo é que ele era muito dinâmico,  conhecia muito de teatro e desempenhava papéis diversos com muita facilidade e perfeição, indo de Jeca tatu á Romeu, sem nenhum embaraço. 

   Eu vim preparado para assistir as aulas, mas a minha mochila ficou no carro do Marcos. Tinha um bom álibi para não responder “presente” á chamada.

-Você viu se a Cínthia veio hoje? –Marcos quis saber.

-Não, não a vi.

Não estava nos planos, mas chegamos á diretoria. Apenas eu entrei, Marcos acabava de ver á Cinthia e foi até á ela.

-Bom dia, diretor.

-Bom dia. Você não vai assistir ás aulas? –perguntou indo ao bebedouro.

-Não. Eu não me sinto no clima.

-Sente-se.

Enquanto o copo enchia, ele olhava pela persiana e constatou que apenas eu, dos que vieram, não estava presente na classe.

-Sem dúvidas você veio falar sobre o Alfredo. –Deduziu bebendo água e se sentando.

-Ele é um bom rapaz. –comentei.

-E um ótimo supervisor, mas infelizmente, drogas denigrem a imagem de qualquer ser humano. Pior ainda. Está derrubando a reputação da instituição.

Enquanto ele amassava o copinho para se livrar dele jogando-o no cesto de lixo, eu pensava á respeito da diretoria não ter tido nenhuma atitude contra os traficantes que faziam os arredores da escola, o ponto de venda de drogas.

-Ele tinha um grande futuro pela frente. Os manuscritos de Cândido o levariam ao mais alto nível profissional e pessoal. Ele queria impressionar Cândido e Rodrigo Rivera e, eu acho que já está impressionando.

Impressionante.

-O senhor possui o manuscrito?

-Eu teria que ser elevado á reitor pelos supervisores das secretarias das artes para alcançar tal troféu.

Não vou entrar nesse mérito, mas eu acredito que a posição de diretor escolar é mais elevada do que supervisão das pastas e secretários das artes.

-Eu acredito que ele ainda tem, afinal, ele não morreu.

-Eu gostaria de poder ter o seu otimismo, mas Cândido não vai querer ter o nome dele vinculado á um escândalo envolvendo drogas. E é bom que Rodrigo e Cândido e a corregedoria não saibam desses incidentes. 

Fuçando as gavetas da mesa ele não percebeu minha cara de: Você é que pensa que eles não sabem.

-Mas não se trata apenas de um escândalo e, que você me perdoe, mas por que nada foi feito para impedir a comercialização dessa droga aqui na escola. – o coloquei em alerta.

-Nenhum aluno comercializa drogas aqui. Eu acho que você está mal informado. Os alunos e alunas são de muito bons exemplos. Estes escândalos começaram á acontecer depois que os três rapazes receberam os formulários para os patrocínios da Ordem. -falou com firmeza. 

Comecei a pensar que ele não sabia de nada mesmo. Eu não podia delatar o Marcos, por isso eu teria que ser menos direto com os meus comentários.

-Desculpe-me, diretor, é que eu tenho visto alguns elementos meios suspeitos aqui, sempre na hora do recreio.

-É bastante comum garotos virem ver suas namoradas na meia hora de intervalo. Já pensamos até em reduzir o tempo de recreação para evitar esses encontros, mas sempre esbarramos com a má vontade dos estudantes. -ele recostou-se na cadeira e dobrou as mangas da camisa. -Você disse que viu pessoas em atitudes suspeitas. Acha que eles podem ser traficantes?

-Eu não tenho certeza ainda, mas eles não vêm aqui apenas para ver suas garotas.

-De qualquer forma é bom enviar um ofício a delegacia de policia para que eles mandem uma viatura...

-Assim só irá assustá-los. –alertei.

-E o que você sugere, afinal de contas, você foi soldado?

Não tive resposta para interrogativa. Teria que inventar uma convincente.

-Devemos ter certeza de quem são e de quantos são. Só então saberemos como agir. –falei me levantando para sair.

-Não vá bancar o investigador. Você nem sabe com quem vai lidar. Traficantes são pessoas perigosas. –avisou-me ao chegarmos á porta.

Despedi-me do diretor Osmar e voltei a fazer rastos no corredor rumo ao portão de saída.

-Ráusen. –Amanda chamou-me. –Espere, eu vou com você. –correu e me alcançou.

-Deixe-me levar a sua mochila. –pedi.

-Você hoje não veio para assistir aula?

-Sim, é que eu soube do Alfredo, e... o meu material ficou no carro do Marcos. Você o viu?

-Ele foi à casa da Cínthia, mas disse que voltaria para te pegar ás onze horas. - pelo tom de voz, ela parecia estar mais aliviada.

Chegamos á rua. Ela estava ofegante por acompanhar-me com meus passos rápidos. Eu morava em uma direção, ela noutra, mesmo assim, ela ainda me acompanhava. Algumas pessoas passavam indo em direção á escola e nos diziam oi. Eu não perguntei á Amanda para onde é que ela estava indo, porque, pra ser sincero, eu estava gostando de sentir a mão dela em meu ombro.

-Amanda, eu me lembrei de algo muito importante. –falei.

-Então pare e me conte.

Paramos. Ela pegou a mochila e a segurou na frente do corpo.

-Eu só quero te pedir desculpas pelo que falei á você ontem.

-Tudo bem, eu também estava me portando errado sendo tão desconfiada de você.

-Você não desconfia mais de mim, é isso que quer dizer? –tocando o braço dela perguntei. 

Ela deixa que a mochila tocasse a calçada segurando-a com uma das mãos, com a outra ela pegou em meu antebraço. Os olhos dela se fecharam, e...                               

    -Amanda, ele é seu namorado? –uma pequena perguntou cortando o meu barato.

-Deixe de ser curiosa. –falou fechando a cara.

-Ah. –disse a garota fazendo beicinho e foi embora.

Beijamo-nos pela primeira vez... só um selinho. Eu faria isso até com o meu pai.

-A partir de agora estamos namorando?

Antes de responder ela deu um aceno de mão para o diretor que também estava indo embora em seu automóvel...

-Automóvel. –recordei do presente.

-O que foi Ráusen?

-Eu preciso tomar aquele ônibus.

-Confira a sua caixa de mensagens... –ela me orientou.

Dei mais um beijo no rosto dela e corri para o ponto. Olhei para trás e a vi jogando a mochila nas costas, seguindo lentamente e pensativa para sua casa.


                                                                            05


Realmente, Marcos estava certo em relação ao padrão de vida dos alunos. Havia muitos deles no ponto de ônibus, mas é incrível como os estudantes da escola do meu pai e do meu avô, se distinguem dos outros. O jeito de falar com as pessoas, o comportamento civilizado de todos eles faz a diferença. Já me sinto satisfeito por ver o que tenho visto.

Dentro do ônibus eu ia me roçando nos passageiros, até chegar próximo à porta de desembarque. Uma cena desagradável me chamou atenção; um sujeito gordo, com boné atolado na cara, indecentemente encoxa uma garota de mais ou menos dezesseis a dezessete anos de idade. Ela está amedrontada e sem graça tentando se safar da safadeza do grandalhão molestador. O ônibus está cheio, mas as pessoas parecem não perceberem... Ela me olha com olhar de quem pede ajuda... Percebo que ela é minha colega de escola. 

Já era.

-Motorista. –gritei. –Pare o ônibus. Tem um passageiro que perdeu a parada.

A ereção do infeliz foi embora. Os passageiros ficam sem entender o que está acontecendo.

O ônibus parou. Eu avanço contra o molestador de garotas indefesas.

-Perdeu a excitação, seu filho da puta?

Antes de eu ouvir a resposta do troglodita branco, agarro nas bolas e na garganta dele. –Abra a porta motorista. –gritei novamente. –Abrem área. –pedi ao aglomerado de gente em frente à porta.

O assediador descarado agarra em meu pulso, tentando liberar a goela pra dizer alguma coisa, mas...

-Perdeu, calhorda duma figa. –falei empurrando-o... tá lá fora um pedófilo em queda livre. A queda o deixaria com fortes fraturas por eu tê-lo empurrado de costas, mas ele é sem vergonha e sortudo, pois caiu em cima de um casal em uma moto que esperava o sinal abrir.

Escuto alguém dizer á garota, que, se ele tivesse visto a cena, ele teria feito o mesmo. O corajoso pega em minha mão, me parabenizando pelo feito. Agora, todos me olham com admiração. Uns até erguem as cabeças para ver o herói da lotação.

Eu estou preocupado com a garota que está aterrorizada, com a mochila entre as pernas e as mãos nas orelhas.

O ônibus segue.

-Tudo bem com você menina?

Ela apenas balança a cabeça e esfrega as mãos na calça preta de moletom.

-Ele faz isso sempre com as alunas. E ainda fica nos ameaçando com um vídeo que nos mostram mal vestidas em uma festa. Eu não sei onde foi que ele montou aquele vídeo.

-Eu pensei que ele era o seu pai e procurava te proteger. Por isso eu demorei com o help. –brinquei para reanimá-la.

-Eu vou mudar de ônibus, de agora em diante... Você é o Ráusen Júnior não é?

-Pode me chamar de RJ: O protetor.

Rimos.

-Eu acho que o Jorge dessa vez não escapa. –disse ela.

Eu não entendi o que ela quis dizer com; Dessa vez. Talvez ela tenha algo mais á me revelar sobre o meu primeiro desafeto.

-Você já o conhece bem?

-Eu, ele e mais alguns alunos, fizemos a audição de avaliação para conseguir a vaga na escola. Ele e outros colegas foram aceitos, outros não foram.

-O Meu ponto é o próximo. –avisei.

-Eu desço no próximo depois do seu. –falou pondo a mochila nas costas. –Vou descer com você.

O ônibus baldeia, nós descemos.

A garota é mesmo uma gracinha. Cabelos bem lisinhos e castanhos, cortados em fio reto.

  Um carro para próximo ao meio fio e, outra garota chama a minha acompanhante.

-Olha Ráusen, muito obrigada pelo que você fez por mim. 

-Você dizia que o Jorge foi aceito, e outros, não....    

 -Foi. Na segunda vez os outros colegas também se matricularam, mas se desentenderam com o Jorge porque ele havia feito uma confusão com os nomes nos formulários de matrículas. –deu-me um beijo no rosto. –Eu vou de carona com a minha amiga. –Tchau!  -disse rápido e entrou no carro. 

Te cuida menina. Dane-se o Jorge.


                                                                             ***


“Concessionária Almeidas” É aqui. Tô dentro.

-Bom dia rapaz. –disse o vendedor. –Em que posso ajudá-lo?

*Me mostre alguns pares de Tênis. –pensei em responder. –Só estou olhando os carros. –falei.

-Deseja comprar um destes?

Faço com a cabeça um gesto de sim ou não.

-Temos aqui alguns automóveis que são á sua cara e que com um pequeno sinal de entrada, um deles pode ser seu.

Eu nunca vi carro com cabelos lisos negros e olhos castanhos.

Ele pegou em meu ombro e me leva ao estande com alguns modelos zeros quilômetros. Observo que há todas as marcas e modelos. Algumas pessoas negociam com outros atendentes, outros até entram nos carros dando uma olhada no acabamento interno dos veículos. Eu continuo só observando os carrões.

-E aí, gostou de um modelo?

-São todos muito atraentes. –respondi.

-Olha só, esse Classic prata, 1.0, super econômico, flex...

-Não, não faz o meu tipo.

-Ma é o mais barato da categoria. Quanto você está disposto á gastar?

-Eu estou sem nenhum centavo no bolso.

O vendedor fez cara de só lamento.

-Vá olhando e, qualquer coisa, você chama um dos funcionários.

Falou e foi atender á outro cliente. Mas, logo um boa pinta se aproxima de mim.

-Ráusen Júnior. –ele abriu os braços. –Como você cresceu. –falou e me abraçou.

Eu não entendi o motivo do abraço e nem da surpresa a me ver, mas eu gostei mais de ser recebido por este, do que pelo primeiro.

-Como está o seu pai, sua mãe e os caras e as mulheres mais legais do mundo?

-Eles vão vivendo. –falei meio cabreiro.

-Eu estou muito feliz em te ver. –disse abraçando-me novamente.

Olhando por sobre o ombro do quarentão, eu vejo o vendedor que queria me empurrar um Classic, abrindo a porta de um Voyage para mostrá-lo ao cliente. Ele me olha e disfarça. Deve ter estranhado eu ser abraçado pela segunda vez.

-Você me conhece? –perguntei.

-Eu sou o Almeida. –respondeu.

-O dono da loja? –arrisquei.

-Um dos donos. Somos três sócios. Negócio em família.

Agora ele leva o braço sobre os meus ombros e me leva até umas máquinas que são o meu sonho de consumo.

-O seu pai nunca te falou sobre mim e os meus sócios?

-Ele me mandou vir aqui hoje. Apenas isso.

-Róbson, Rogério Almeida Ráusen e Franklin. Esses nomes te dizem alguma coisa?

Deixo de olhar para o GT á minha frente e o encaro.

-Você é um dos meus tios?

-Sim, eu sou o Rogério.

Agora sou eu quem o abraça.

-O meu pai fala sempre de vocês três. Os meus tios Róbson e Franclyn, eu os conhecia, mas eu jamais imaginei que o senhor era o meu tio Rogério. Sua benção! –pedi satisfeito.

-Que o Grande e Amável Deus Universal te abençoe. A última vez que eu estive na fazenda, você estava com cinco ou quatro anos de idade. Logo eu fui para o Portugal arriscar a vida... Voltei no ano passado e entrei como sócio com os seus dois tios, Robson e Franclyn. Nesses últimos meses eu sempre vou á fazenda, mas você está sempre fuzilando no exército. –falou fazendo pose de soldado atirando. Pelo gesto e o som emitido pelos lábios dele, mas se pareceu com uma rajada de metralhadora. Clientes e funcionários riram disfarçadamente da cena. Ele conhece a minha verdadeira história. Todos os meus tios são muito simples; apesar de serem ricos também. 

Robson e Rogério são meus tios biológicos.Tio Franklin era, é e sempre será meu tio de consideração e do coração. Meu pai e eles cresceram juntos e nunca tiveram uma discussão entre eles. 

Faz sentido o que o meu pai e os outros tios meus de consideração falam deles três. Meu Pai, tio Rogério e tio Róbson, nos anos oitenta eles eram os maiores conquistadores de garotas de Goiânia. Eu já ouvi dizer que ninguém superava o meu pai, só que ele desmente. Eu acho que é por causa da minha mãe que quando os escuta falando das paqueras, ela dá uma limpadinha de garganta, aí, todos mudam de assunto.

-Eu estou com a chave do seu automóvel aqui em meu bolso, mas o seu pai quis fazer um teste pra saber se conhece as suas intenções e os seus gostos.

-Essa até eu quero saber, porque eu nunca conversei com ele sobre carros.

Nós dois nos levantamos e vamos de volta ao estande da loja enorme. E pensar que eles começaram com um lava jato.

-Escolha o que você interessou por ele.

Já não vejo mais carro nenhum á minha frente. Meus olhos estacionaram no Vectra GT grafite, com rodeirões. –rodeirões é meu jeito caipira de dizer.

-Olha, tio, eu gostei desse aqui. –falei alisando o capô. –Mas é o meu pai quem sabe.

Balançou a cabeça franzindo a testa. 

-O Seu pai continua sendo o mesmo invasor de mentes. –falou, me jogando as chaves. –Pegue, é seu.

Meu coração batendo á mil por minuto. Quase voei para pegar a chave. Dezenas de carros de várias marcas e modelos no pátio. Meu pai é mesmo surpreendente. Ele sabia até qual era o carro que eu sonhava ter.



Antes de entrar no possante, perguntei á meu tio sobre a papelada que eu teria que assinar, ele me disse que já estava tudo nos conformes. Dei mais um abraço nele e saí pelos fundos da concessionária. Meu tio me recomendou: - Não dê ouvidos ao que estão falando do seu pai na internet.

Antes de pegar o trânsito, eu dei um toque no celular do Marcos que me retornou logo em seguida me pedindo para encontrá-lo no posto de combustível. Ele estava tão apressado que nem deu tempo de dizer á ele que agora eu estou motorizado. 

Eu estou um pouco encafifado com a preocupação da Amanda em querer me conhecer melhor assim tão rápido, e depois tem o fato de ela hoje ter feito de conta que já não se importa mais com o que eu sou ou o que deixo de ser. Não que eu queira ser convencido, mas ela quase se ofereceu á mim agora á pouco. 

E o Alfredo? Cara pacato, caseiro e talentoso com tantas outras peças teatrais para encenar, escolhe logo Romeu e Julieta que tem um fim trágico para os dois protagonistas. “Hamlet“ outra tragédia ainda maior. É realmente muito estranha tanta obsessão pelo trágico. Só espero que ele se recupere logo para que possamos ter uma conversa. 

Vinte minutinhos depois eu já estava com Marcos na loja de conveniência do posto.

-O que você me diz da sua conversa com o diretor? –ele quer saber.

-Nada de muito contundente, á não ser o fato de que ele desconhece qualquer envolvimento de um algum aluno com drogas. –respondi. –E que, diretores também sonham em chegar mais longe, e, nós alunos devemos ajudá-los á conquistar seus ideiais.

 -Concordo.

Antes de falar mais alguma coisa, ele vai buscar os nossos refrigerantes. Ao voltar e se sentar novamente, faz cara de quem está progredindo.

-Saca só... –falou e bebeu. –O Alfredo não usava e nem usa drogas... Ele é amigo do meu irmão e o ajudou quando ele precisou.

-Disso eu não sabia. –pronunciei e bebi.

-Acontece que, pra ele ganhar o papel principal na peça de Romeu e Julieta, outro aluno teve que ser desbancado.

-Isso pra mim é novidade. Prossegue. –dou um gole extra.

-Roberto é o nome do fora de cena.

Eu não me lembro de nenhum aluno chamado Roberto, por isso, não me sinto surpreso. Dou outro gole que quase enxuga a latinha e espero que ele me dê mais informações sobre o sem palco.

-Você não o conheceu porque ele abandonou a escola no ano passado...Alegou ter sido sacaneado.

-Termine logo com essa coca e fale de uma vez sobre esse cara. –ordenei.

Ele obedeceu.

-Esse “cara”tentou o estrelato em todas as modalidades artísticas que você possa imaginar, mas ele é predestinado ao fracasso. Incompetência é o termo correto. Mas alguns dizem que ele era o cara.  –bebeu a pretinha. –Aaah! Geladinha.

-Até aí eu entendi, mas o que o Alfredo tem á ver com os infortúnios do sem talento?

-Se liga, ele tomou o lugar do cara.

Terminei com a minha coca e me dei conta de que faz sentido.

-Mas, e o seu irmão, o que tem ele á ver?

-O meu irmão Márcio tomou a posição dele no basquete. Estou ciente de que esse Roberto é um calhorda vingativo.

-Ok Marcos. Agora me diz por que você acha que esse cara é culpado de tudo.

-Antes de responder essa pergunta, eu quero te dizer que ele não foi zoado por nenhum dos alunos que até gostavam dele pela humildade dele, mesmo ele sendo um derrotado na vida e no amor.

Infelicidade sentimental. Agora eu estou surpreso. Em pleno século 21, um babaca sofre por paixão recolhida e sai descontando nas pessoas.

-Me fale desse amor. –pedi.

-Deixe-me pegar outra coca. –se levantou e foi ao freezer expositor.

Os clientes do comércio somos apenas nós dois, portanto, podemos ficar papeando por aqui mesmo sem nos preocupar com abelhudos para escutar nossa conversa.

Segundos depois ele volta.

-Se lembra de quando eu e falei que a Amanda era a desejada da faculdade? –perguntou arrancando o lacre da latinha.

-Continue.

-Pois é...

-Beba logo. Você vai dá cirrose de tanto beber Coca-Cola. –alertei.

Enquanto eu o alertava, ele esvaziava a lata.

-Ele era apaixonado na Amanda, e pode ser que ele esteja querendo destruir a carreira de todos que se aproximam dela.

Isso pra mim foi um choque. Pode ser que eu seja o próximo da lista, afinal, eu já experimentei uma lasquinha dos lábios dela. Fingirei nem ter tocado neles. Talvez eu bata asas e caio nos braços da Soraia. Ôh garota linda!

-Me responda uma pergunta. –falei. –O seuirmão e o Alfredo já tiveram algum tipo de relacionamento com a Amanda?

-Não... O Márcio não, mas sempre que ele marcava um ponto no nos treinos Inter Classe ele apontava os dedos para ela.

-Como forma de oferecer o ponto á garota mais interessante da escola. Entendi.

-Pode acreditar que era só amizade. –garantiu vendo minha cara de desconfiado.

-Tá ok, mas, e o Alfredo?

-Entre ela e ele eu não sei o que rolou, mas depois que os dois começaram á contracenar juntos, o número de pessoas assistindo os ensaios aumentou expressivamente. –secou a latinha. –E os aplausos também. Amanda e ele sempre eram vistos juntos no parque municipal.

-Você já progrediu bastante nessa investigação, mas agora me diga quem é, e como podemos encontrar esse tal Roberto.

-Mais cedo ele esteve na faculdade e, logo saiu com o Jorge.

-Ele estava de blusão de frio, é louro e usa um cavanhaque ridículo? 

-Bingo. É esse mesmo.

Agora temos um nome e descrição física do sujeito. Ele é um tipo comum, porém eu acho que não consigo esquecer aquela figura de jeito medíocre e de cabeça baixa. Típico dos derrotados mesmo.

-Bom. Qual é o nosso próximo passo? –pergunto me levantando.

-Encontrar esse filho da mãe. –respondeu me acompanhando.

Vou até ao caixa. Pago o que consumimos e abasteço o celular com créditos.

-Onde está o seu carro? 

-Na garagem da minha casa. –ele aponta para um belo sobrado do outro lado da avenida.

-Para onde vamos agora? -Vamos á minha casa pegar o carro e fazer uma visita ao Jorge. 

Aperto o controle do meu zero quilômetro e, Marcos percebe que não há necessidade de queimarmos o petróleo do Golf dele.

-Caracas, que carrão... É seu?

Enquanto ele circula o GT, eu penso: será que o carro é meu, ou o documento está no nome do meu pai?

-È claro que é meu. –respondi entrando.

-Isso é que é carro, o resto é condução. –propagandeou. -Vou patentear esse comercial: Isto é que é carro. O resto é condução. Ganharei milhões em direitos autorais. –cresceu os olhos.

-Olha só quem fala. O cara do Golf última geração. –falei, dei partida e vamos em direção á casa da desejada por muitos e beijada apenas por Ráusen Júnior. Por mim. Claro. Bom, foi apenas uma bicotinha.



                                                                               06


ASSIM COMO EU ESTOU COMEÇANDO á desconfiar de certa pessoa, Marcos parece compartilhar da mesma desconfiança. Encontramos Amanda e Cínthia saindo da biblioteca. 

-Amanda, qual a ligação entre seu irmão e o Roberto? –perguntei num estalo. Ela olha á nós três e com expressão de espanto puxa o cinto e o trava.

-Vamos até a minha casa. Nós temos que falar com o Jorge. Vai Ráusen, saia logo daqui.

Eu a obedeço e faço o motor trabalhar.

-Dá pra você adiantar alguma coisa? -Marcos perguntou.

-Hoje de manhã eu notei que alguém havia mexido no meu laptop. Eu pensei que o Jorge só estava querendo ver fotos de amigas minhas no meu Facebook, mas agora eu acho que ele estava vasculhando o meu E-mail.

As coisas começavam á se encaixarem. O Roberto foi á escola e saiu com o Jorge que invadiu o quarto de sua irmã para fuçar em seu computador portátil, pensando que encontraria uma postagem. Mas que postagem é essa?

-O que o seu irmão tem á ver com o Roberto? –Cínthia fez a minha pergunta.

-O meu irmão é viciado em mulheres nuas, e o Roberto é frequentador assíduo de boates de strípers.

-Dois pornógrafos inveterados. –falei.

-Vire à esquerda. –Amanda indicou a rua. –O Jorge não estava em casa. Pode ser que ele tenha ido á casa do Roberto.

Manobro pegando uma rua que possui residências de arquiteturas modernas. O cara deve ser um riquinho que gosta de mulheres que alisam o mastro.

-Aquele é o carro do vice-diretor Osvaldo. –Amanda apontou uma Blazer preta. –E ali é onde o Roberto mora.

Eu acho que não me enganei ao dizer que o cara é um riquinho. Desde a calçada até a parte da frente da casa dele, é muito luxuoso. Toda a frente gradeada permite que a gente veja o portão de alumínio da garagem subterrânea da mega mansão que parece ter subsolo. Sistema de segurança via satélite.

-Bom, que ele está aí, nós já sabemos. –falei dirigindo á dez por hora. –Mas eu acho que não devemos tocar a campainha pra conferir.

-Não, não pare. Vamos esperar dentro do carro. Estacione em frente á quinta casa depois.

Fiz o que Amanda ordenou e continuamos nossa conversa no conforto do GT.

Outra casa idêntica ao castelo do suspeito.

-Amanda, diz pra gente por que o Jorge está envolvido com o Roberto, pois pelo que eu sei, ele não é chegado á teatro. –Marcos inquiriu.

-Eu não faço a mínima ideia. Sinceramente, estou surpresa até mesmo com toda essa amizade entre os três. O Jorge ama teatro.

*Amadores são sempre uns incapazes.

-Mas você falou que eles são companheiros de boates. –Marcos falou.

-Eu falei isso?

-Sim, você falou á menos de dez minutos atrás. –Cinthia confirmou.

Eu não reafirmei nada para não deixá-la ainda mais com cara de quem delatou alguém e agora quer desdizer o que disse, mas eu sinto que Amanda está nos escondendo algo de grande importância. Olho pelo retrovisor para disfarçar e vejo Jorge e Osvaldo entrando na caminhonete.

-Eles estão saindo da casa. –anunciei.

Amanda passa as mãos no rosto. Deve estar buscando coragem para nos contar sobre a amizade de seu irmão com o Roberto.

-Você quer que eu siga o Osvaldo e o seu irmão? –perguntei para poupá-la de ter que nos falar da relação entre os três.

Houve um breve silêncio.

-O Roberto não me queria apenas como amiga. Ele sempre quis que eu fosse a namorada dele e por isso ele se inscreveu no grupo de atores da escola quando soube que eu seria a atriz principal. Eu nunca dei chance á ele por

que eu não gostava e nem gosto dele. Então ele achou que virando amigo íntimo do meu irmão, ele conseguiria me conquistar e, num domingo de manhã ele foi a minha casa se declarando e prometendo que se eu o namorasse, ele faria de mim uma atriz de sucesso em pouco tempo... Mas eu não aceitei. Dias depois o meu irmão foi preso por estar com alguns comprimidos de ecstasy numa boate, então o Roberto pagou a fiança pra que ele fosse solto.

-Quanto foi o valor da fiança? –perguntei.

-Três mil reais.

-Mas os seus pais podiam ter pagado.

-Os pais dela são separados, Ráusen. –Cínthia me fez saber.

-A minha mãe ainda não sabe que o Jorge tenha sido preso. Ela está com o namorado dela, passando as férias em Bueno Aires.

-Então vocês moram com a mãe de vocês apenas? –Interroguei.

Ela assentiu com a cabeça.

-Fale-nos sobre o seu irmão e o ecstasy. –Marcos voltou ao assunto.

-Na noite que o Jorge foi preso ele havia sido convidado á ir á boate pela primeira vez pela Soraia. Tudo estava normal. Inclusive, o Alfredo e o Roberto irmão dele também estavam lá. As pessoas bebiam e fumavam como é de costume em baladas, mas ninguém consumia drogas no local.  Lá pelas dez da noite, os policiais fizeram uma busca alegando que eles haviam recebido uma denúncia de que alguns frequentadores estavam usando e vendendo ecstasy na balada. Eles encontraram seis comprimidos no bolso da calça do Jorge.

Outra surpresa. A Soraia é boateira. Como as aparências enganam. Não a quero mais.-Não seja precipitado Ráusen Júnior. -oriento á mim mesmo. Marcos me olha, mas não diz nada. Talvez ele esteja tal como eu estou desconfiado de que o Jorge caiu numa cilada preparada pelo Roberto.

-Desde que o Roberto saiu da escola, eles se tornaram amigos inseparáveis. E pra eu ser sincera com vocês, os dois não conversavam com o Alfredo e o Roberto irmão dele, porque ambos se desentenderam por questões bobas.

Talento e incompetência não se dão bem e, isso é sim, algo relevante.

-Podemos ir agora? -perguntei ligando o carro.

-Vocês precisam acreditar que eu não sei nada mais que isso.

-Eu acredito em você. –disse a morena Cínthia.

-Eu também, mas no seu irmão...

-Tudo bem Marcos. Eu acho que o Jorge só está pagando o favor que o Roberto fez ao tirá-lo da cadeia.

-Eu acredito em você Amanda. –falei e coloquei o carro pra andar.

-O meu irmão não usa e nem vende drogas. Eu só não entendo como foi que os policiais encontraram ecstasy no bolso dele.

-O Roberto armou pra ele, pra depois soltá-lo e chantageá-lo. –Marcos presumiu. –E a Soraia tem culpa no cartório também. –afirmou.

-Será? O seu irmão tentou te convencer á namorar o Roberto, Amanda? –Cínthia perguntou. 

-Não, nós jamais falamos sobre ele.

Atento ao volante e á conversa dos três, fico imaginando o que um cara quer sendo amigo do irmão da garota que ele é apaixonado por ela, e nunca toca no assunto com o pretendido cunhado mesmo tendo pagado a fiança para a soltura dele.

-Temos que interrogar a tal Soraia. –falei.

-Sejam discretos e não me inclua na conversa. –Amanda alertou-nos.

-É por isso que temos que investigar sem chamar a atenção da polícia, e quando tivermos certeza de quem são os culpados, aí então podemos denunciá-los.

-Tá bom Ráusen. –falou com vós suave. –Eu sei que você não falou por mal. Até eu mesma acho que o meu irmão está metido nisso. –apertou minha mão no câmbio de marchas.

Eu dirijo meio devagar e sempre olhando as ruas para ver se vejo um carro ou alguém suspeito, mas á essa hora da tarde o trânsito começa á ficar caótico, e mesmo assim nada me chama a atenção.

-Nós não podemos ser vistos juntos, para não levantar suspeitas. O melhor á fazer é trabalharmos em duplas. –dei a ideia.

-Eu e Ráusen investigaremos fora da escola. Vocês duas farão o trabalho interno. –Marcos escalou.

Até onde deu pra entender é que existe alguém roubando os sonhos das pessoas e até tentando matar os sonhadores. Todos os meus parceiros concordam comigo. Deixei Cínthia e Marcos na casa dele, e fui com Amanda até a casa dela. Eu notei que ela é um tanto quanto temperamental. Hora ela demonstra total interesse por mim, e fica deslizando a mão em meu cabelo, dizendo que eu sou lindo e que nunca esperava encontrar alguém tão especial como eu. Outra hora ela me trata como se eu fosse um moleque atrevido, e diz pra eu deixar de ser pra frente, principalmente quando eu quero saborear os lábios dela. Depois da terceira tentativa frustrada em tentar beijá-la, eu perguntei: - Amanda, por acaso eu estou com mau-hálito? Ela respondeu que a minha boca tem cheiro de chicletinho trident. Aí eu perguntei novamente: - Então por que você se esquiva dos meus beijos? Ela disse que não quer ser apenas beijada pelo rapaz que ela mais ama na vida.

Talvez ela esteja se preservando para se entregar inteira e intocada a mim. Mas pode ser também que esteja me dando o fora de modo teatral.

Ainda bem que eu não sinto amor platônico por ela, e os forinhas dela estão me mandando cair pra dentro da anja do sorriso encantador. 

De consolo, ao descer do carro, ela me deu um beijo... bem no alto da testa, e segurando em meu rosto com as duas mãos, disse: -ai, como você é lindo!

Pensei em dizer: vaza daqui atrizinha do caramba.

                                                       *** 

Resolvi vir sozinho á corregedoria do núcleo educacional Cândido Plates. Este é um lugar fora das dependências da escola. Daqui sai todas as normas, regulamentos e protocolos da instituição.

Funcionários andam de uma sala á outra num vai e vem constante colhendo assinaturas e recebendo orientações de seus superiores.Vou tentar colher algo também.

-Bom dia, eu gostaria de falar com o superior...

-Lá. –apontou-me um escritório no final do corredor.

A secretária nem me esperou terminar á fala.

Senti que eu estava sendo observado por todos e todas que estão aqui dentro. Continuo meu trajeto e chego ao escritório.

-Tia Andreza. –falei surpreso. –Como a senhora está bonita. –abri os braços para abraçá-la. –A minha bênção. –pedi e ganhei.

Alguns funcionários ficam nos olhando através do vidro transparente.

Depois que ela elogia a minha beleza e a compara com a do meu pai quando adolescente, nós nos sentamos novamente. Eu me sinto á vontade para interrogá-la, afinal, ela é minha tia, e o ar condicionado da sala está deixando o ambiente mais fresco do que pé de pinguim no polo norte.

-Você não veio aqui atoa. Diz-me o que quer saber.

-Bem diretora...

-Titia, por favor. –corrigiu-me sorrindo.

-Vou te chamar de “você”, pois você está muito conservada pra ser tratada como titia.

-Agradável como o seu pai. Tudo bem, eu aceito a bajulação. –afagou meus cabelos.

Ajeito-me na cadeira... Escuto ela me chamar de lindo outra vez carinhosamente. Lembrei-me de Amanda.

-Eu preciso saber sobre as normas da escola, como você sabe eu sou novato e quero saber quais são os requisitos para a admissão dos alunos que estudam na Cândido Plates.

-Qual o motivo da sua curiosidade?

-É que eu acho que entre os matriculados existe um ou mais riquinhos sacanas.

Ela arreda alguns formulários e objetos para o canto da mesa e, depois de juntar os cabelos e os jogar para trás, se prepara para me confidenciar alguma coisa.

-Em média 83% dos alunos são pobres que não conseguiam custear ás despesas com os estudos.

-Mas todos parecem ser no mínimo da classe média.

-Os alunos são instruídos pelos professores á como se comportar com decência e ordem. Sobre tudo, são tratados com muito respeito e dignidade por todos os seus colegas de escola. Esse procedimento faz com que todos se vejam como pessoas livres de preconceitos e de complexo de inferioridade, assim sendo, a postura de cada um diante da sociedade e o modo com que eles lidam com ás situações cotidiana, os tornam pessoas diferenciadas. É essa a nossa metodologia educacional.

-Realmente é muito exemplar... Mas como eles custeiam as despesas com essa educação privilegiada?

-Funciona assim. –disse pegando uma caneta e papel. –O governo federal cria programas de assistência aos alunos de rede pública. O Ministério da educação nos repassa a verba para o pagamento dos professores e todo o pessoal do núcleo educativo. Porém todo o corpo docente da nossa escola são membros da ordem Rivera e trabalham voluntariamente sem nada receber... –riscou a folha e pontuou.

-Então toda a diretoria e tutores são ricos?

-Financeiramente e nobres de espirito. Toda verba recebida do Ministério da educação nós á usamos com as carreiras profissionais de cada aluno.

-Quem banca as despesas com a manutenção do complexo?

-Nós, os membros da Ordem.

Pelo que entendi não há desvio de recursos financeiro para os bolsos dos magistrados. Ah se todos os órgãos públicos agissem assim!

Tia Andreza cruza as mãos sobre a mesa e espera o meu comentário.

-Eu acredito que essa projeção de futuro promissor é que é visivelmente notado no rosto de cada aluno. O Meu pai pode se candidatar a governo do estado. –falei.

-Nada disso. –disse ela se inclinado a mim. -A nossa Ordem não entra em discussões políticas, mas tem membros de todos os poderes. Legislativo, judiciário e executivo, e também o consentimento e apoio do governo federal. Nossa política é levar á todos, oportunidade de se realizarem na vida, e sem demagogias, pois aqueles alunos e alunas não sentem que estão recebendo esmolas, ou que foram contemplados pelo sistema de cotas raciais, nem por programa de inclusão social. Eles sabem que estudam em uma escola onde cada um é recompensado de acordo o seu merecimento. Não somos hipócritas e nem tratamos com dolo a ninguém, antes, damos oportunidades iguais a todos.

Qualquer questionamento meu em respeito a esse sistema justo e funcional será politicamente incorreto.

-Eu me sinto cada vez mais orgulhoso por ser um Rivera. –falei com orgulho. –Mas eu acho que tem alguém querendo destruir o sonho do diretor de chegar á reitoria. Você pode me deixar á par desse assunto?

-Para se chegar á reitoria, os candidatos devem ser indicados pelos alunos nota 10 da escola. A essa altura, o melhor dos melhores já deve ter indicado os nomes dos secretários das pastas. O responsável pelas indicações é chamado de supervisor das pastas. Nós chamamos isso de Democracia aplicada. 

Será que ela não sabe do que aconteceu com o Alfredo? Não direi nada. Tia Andreza me pôs á par de coisas realmente interessantes, se tratando de filantropia. Rascunhando em uma folha ela traçou as metas do núcleo educacional em relação aos alunos. Os professores não lecionam matérias colegiais, e a escola funciona como um preparatório para ás faculdades. No final, todos ganham. Alunos, sociedade e até o governo.

 Saquei que a escola não se trata de uma instituição de ensino convencional, mas de uma instituição filantrópica que dá oportunidade aqueles que se comprometem á seguir uma vida justa e honesta perante Deus e a sociedade em geral. Por isso não são lecionadas matérias colegiais nas salas de aulas, sim, boas maneiras e as já extintas moral e cívica. Artes cênicas e musicais sãomeios para introduzir nos alunos, noções morais de relações humanas. É mesmo incrível como essas duas artes são capazes detransformar caráter e personalidade de pessoas.

Eu vou parar de pagar mico. Não levarei mais a minha mochila com livros didáticos. Ninguém usa esse material lá.

-Me abençoe, tia, eu vou-me embora. –me levanto e abraço-a.

-Que você seja sempre abençoado.



                                                                                07


A VANTAGEM DE SE TER UM CARRO, é poder se levantar minutos mais tarde para ir á escola. Ontem depois que vim embora, já quase dez da noite, eu resolvi ligar para os meus pais e agradecê-los pelo presente, porém, eu fiquei mais de uma hora conversando com os dois. O meu paizão é de pouca conversa ao telefone, por isso é que quando eu estou na fazenda, eu passo a maior parte do tempo ao lado dele. Minha mãe fica enciumada, mas é que ela me dá bronca demais, jáo meu pai, até aos meus doze anos, me ensinou á obedecê-los. Até dezoito, á respeitá-los. Dos dezenove até á idade que tenho hoje, eu devo amá-los e servi-los. Foi assim que eu fui criado.

Depois de falar muitos com os dois, eu ainda falei mais uns quarenta minutos com os meus tios, quando fui dormir já era mais de meia noite. Perdi alguns minutos conferindo as mensagens no celular. O nome Rodrigo Ráusen Rivera está mais falado do que o da presidente da república. –por falar em presidente, eu só quero ver se o próximo comandante ou a próxima, irá conseguir segurar a barra a partir de 2015.

Estou chegando á escola. Pela quantidade de carros no estacionamento, deduzo que hoje não terá aulas normais.

O Marcos estacionou de modo á ocupar duas vagas. Paro próximo ao carro dele, e espero ele desocupar a minha vaga. Nós combinamos essa malandragem. Quem chegar primeiro, segura a vaga do outro.

Deu ré, alinhou. Eu ocupo o espaço deixado para o meu possante. Os colegas que ontem estreitamos os laços de amizade conversando á luz da lua sentados na grama me cumprimentam mesmo de longe.

-Tá ficando popular hein. –disse Marcos a me ver acenando com a mão para gatinhas e rapazes. -Aí... Pega. –me jogou a minha mochila. –

-Essa será á última vez que eu carrego essa mochila. Ela me faz recordar dos meus primeiros dias de recruta.

-O dia hoje promete.

-A noite ontem prometia, se a Amanda não estivesse cheirando a gel e fumaça de canhão de boate. –comentei. –Eu a deixei na casa dela e vim aqui pra escola. Foi muito legal. Um colega me passou alguma coisa sobre o Roberto cavanhaque.

-Por que você não me ligou, caramba? 

-Sem créditos. –menti. -E você com a Cínthia? –troquei de personagem pra mudar de assunto. Como ele soube dela?

-Não sei se vai rolar. –respondeu á mim.

-Complicado. –falei, apenas para não entrar em debate contra o namoro dele com a morena. 

Nós caminhamos em direção á nossa sala. Alunos correm para não entrarem atrasados. Jorge no alambrado fala ao celular.

-Desde que eu cheguei, ele não desgruda o celular da orelha.

-Marcos, é bom ficarmos de olho nele.

-Combinado. –falou á mim. -Oi, Soraia. –cumprimentou a um anjo.

É ela mesma, a garota do sorriso encantador na festa de sábado. Só de passar perto dela, eu já me sinto um querubim ou um serafim. Eu nunca vi anjos, mas estou vendo um Ser alado. Ela usa um short branco de jogadora de tênis e uma blusinha de seda de cor pérola. Eu pagaria um sanduiche e um guaraná á ela, só pra vê-la pulando para dar uma raquetada na bolinha. É muito linda! O rosto arredondado dela, á faz parecer um ser celestial. 

-Oi Ráusen!

Ai meu Deus! Eu estou sonhando. 

-Oi, Soraia. –desembuchei.

Ela me sorri e se vai pelo corredor.

-Apaixonou hem. –Marcos observou. 

Sem comentários. Vejo-a sumindo na curva do corredor.

A comissão de frente da anjinha é um milagre divino e, a retaguarda é a segunda dádiva divinal. O rosto possui a beleza de uma princesa de contos de fadas. Não é loura, não é morena, não é negra nem ruiva. A cor da pele dela é caucasiana como também é seus olhos azuis.

Entramos e nos sentamos.

-Bom dia á todos. –disse o diretor. –Eu acabo de receber um comunicado da diretoria, que, com certeza vai alegrar á todos vocês.

Ele deu pausa, para entregar á cada um dos alunos, uma folha escrita.

Ao receber a minha, eu leio apenas o título: (O legado Rivera.) alguns leem todo o texto, Marcos e eu; Não. A galera se entreolha achando que serão anunciadas as férias. O professor percebe á indiferença de todos á respeito do texto. A maioria embola a folha e a joga no cesto de lixo. Aquilo que muitos julgam ser boa leitura, para os alunos dessa escola, não passa de porcarias, por que eles leem o texto e examinam o contexto. Sem chance para distorções manipulativas. Questão de inteligência cognitiva usada em interpretação de texto.

-Vocês não leram o outro lado da página. –ouvimos o diretor dizer.

Os demais alunos que leram todo o texto fazem caras de satisfeitos.

-Bom. –disse o diretor. -O supervisor Alfredo já deixou a UTI e se encontra na enfermaria do hospital.

Sinto que estou na tenda dos milagres. O morto ressuscitou. Marcos me olha desconfiado também. Esse meu amigo é abilolado. Ele disse que o enfermo estava na enfermaria desde a noite que ele foi encontra moribundo. 

Assovios e gritos animados de todos na sala. Eu dou um toque na mão do meu colega á minha frente.

-Mas eu tenho outra notícia á passar para vocês. –ele une às mãos e limpa a garganta. –Há boatos de que drogas sintéticas estão sendo vendidas aqui na escola, por esse motivo, as aulas serão suspensas... Mas, á escola estará aberta para todos como sempre esteve.

-Licença Vice-diretor. –Marcos se levantou. –Suspendendo ás aulas não terá como descobrir quem é o traficante.

Os estudantes parecem gostar de estudar, por que, todos apoiaram o Marcos.

-É isso aí. -falou um cara do tamanho de uma geladeira tríplex. O parceiro dele deu-lhe um toque de mão. Os dois juntos devem somar uns trezentos quilos e uns sessenta anos. Ficou legal a parceria dos dois. Um é negrão, o outro é outro negrão. Ambos de cabeça raspada á navalha. Tem uma moreninha do lado deles. Eu acho que é ela quem lustra a cabeça dos dois.

A reclamação continua.

-Silêncio, pessoal. –ordenou o diretor. –A nossa principal preocupação é com a segurança de vocês, e cabe á nós deixarmos que a polícia descubra ao modo dela. Vocês continuam estudando em suas casas, em poucos dias tudo se normaliza. Continuem disciplinados, educados e, sobre tudo honrosos, para que todos sejam recompensados.

Sem mais delongasele encerrou o comunicado sendo aplaudido.

-E agora Ráusen. –Marcos virou-se e me perguntou.

Dei de ombros apenas.

Logo que saímos fora, eu vejo Marcos, Cínthia e Jorge conversando próximos ao Corolla prata.

-Eu vou até a sala do diretor falar com ele. Você vai ao encontro dos três no estacionamento. –falei á Amanda.

Amanda foi. Eu sigo de encontro ao diretor Osmar.

-Bom dia, diretor. –falei ao entrar.

-Bom dia, eu precisava mesmo falar com você. Sente-se aqui. –Me apontou a cadeira junto á mesa dele. –Você orientou-me á não chamar a polícia, e agora, eu estou sobre investigação. –falou antes que eu me sentasse.

-Mas não fui eu quem fez a denúncia. –falei me sentando.

-Então quem teve a ideia de me colocar como diretor conivente ao tráfico de ecstasy na escola?

Não sabia o que responder vendo-o tirar alguns objetos pessoais das gavetas e os colocar sobre a mesa.

-Eu só soube agora que o diretor nos deu a notícia, antes da apresentação da Polliana.

-Ele não é diretor. É o vice-diretor. –falou pegando a agenda, carteira e a chave do carro. –Estou indo á delegacia. -vejo-o pondo os óculos e saindo olhando ao redor da sala como se as expectativas não fossem boas.

-O senhor vai sair ileso dessa, diretor.

-Tomara rapaz. –falou com tristeza. –Todos os meus sonhos estão aqui. –confessou segurando a maçaneta.

-Aquele frasco de comprimidos é do senhor? –apontei para um frasco de escopolamina sobre a outra mesa.

-Nós fazemos doações á alguns alunos.

Passei pela porta e percebi um suspiro que ele deu. Sem palavras para reconfortá-lo, apenas toquei o ombro dele tentando passar-lhe apoio moral.

Olhei para o estacionamento e vi que Marcos e os demais ainda continuam conversando. Continuo andando, agora um pouco mais apressado. Chegou a hora de eu encarar o Jorge diretamente.

-E aí galera. –cumprimentei aos quatro.

-Oi Ráusen. –disse Amanda.

-Oi Ráusen. –falou Cínthia.

-E aí Ráusen. –Jorge foi amigável. –Você tá bom, colega? –perguntou me dando a mão.

-Beleza. –falei apertando a mão dele.

Marcos abraçou Cínthia por trás e fica nos olhando com cara de pastel. Eu cruzo os braços e espero alguém me dizer alguma coisa.

-Ráusen, o Jorge estava nos dizendo que foi ele quem fez a denúncia. –Amanda revelou.

Deu-me vontade de socar o nariz dele novamente por ele ter posto o nosso diretor sobre suspeita.

-Então você acha que o Osmar tem o rabo preso com os traficantes? –perguntei.

-Não. Eu não denunciei o diretor Osmar. Eu liguei dizendo apenas que, a polícia devia fazer uma averiguação nos arredores da escola. Se o diretor foi indiciado, não foi pela denúncia anônima que eu fiz.

Eu não sou como o meu pai que conhece um pilantra sem ao menos precisar ouvir a voz dele, mas pelo jeito que o Jorge falou e se expressou levando as mãos á cabeça, deu pra perceber que ele estaria sendo verdadeiro no que disse.

-Á quem você contou sobre a denúncia antes de fazê-la? –perguntei.

-Só ao Roberto, mas nós conversamos pelo Facebook.

Marcos me olhou e arqueou as sobrancelhas. Amanda segurou em meu ombro sem dizer nada. Cínthia abaixou a cabeça e risca o calçamento com o pé direito. Estávamos todos surpresos em saber que Jorge cabelo de seda se preocupava com a venda de drogas na escola.

-O Roberto cavanhaque é um cara de confiança? –perguntei.

-Ele é meio excêntrico em seus gostos, mas eu não o acho um cara mau caráter, por isso, somos amigos.

-Por que excêntrico? –Cínthia quer saber.

-Ele fala comigo, ouvindo música erudita e regendo de olhos fechados, como quem sente prazer em dar uma de maestro sem orquestra.

-Então ele nem te ouviu dizendo que ia fazer a denúncia. –Amanda deduziu.

-Foi o cara do vídeo que me sugeriu contando-me uma história de um velho sábio que salvou uma cidade com a sua sabedoria, mas no final, ninguém se lembrava dele por tê-lo feito ás ocultas. Disse também que ele é o lábaro astronômico da orquestra e eu sou o braço direito dele. Idéia de gente maluca. Sem contar que ele me enviou foi um vídeo pra me contar essa história.

Vejo Amanda olhando sutilmente para o Jorge com um olhar sério. 

-Você e o vice-diretor estiveram na casa dele? –perguntei.

-Pensávamos que o cara do vídeo fosse o Roberto, mas não era. O Roberto não usa nem celular. Eu gosto dele, mas o acho um antiquado e ultrapassado.

O filho da mãe já estava mudando o rumo da história. Antes de eu aplicar um cruzado de esquerda no queixo desse cara, vou dar á ele a segunda chance para se explicar.

-Vem cá... Você não viu a porcaria do vídeo?

-Acalme-se Ráusen. –pediu-me Amanda.

-O cara do vídeo estava de máscara e vestia feito um cavaleiro medieval. O sujeito é maluco. O que nós fomos á casa dele, negou tudo dizendo que ele não mandou vídeo nenhum. Nem computador ele tem.

Eu acho que ele está querendo me deixar nervoso. Respiro. Tá tudo sobre controle.

-Então o nosso suspeito gosta de filosofia salomônica e astronomia musical, e ainda se mete á cavaleiro épico. –falei.

Enquanto penso noto que Jorge aponta para o próprio peito. Alguém o está chamando de longe.

-Depois a gente fala mais, galera, eu tenho que ir. –falou abrindo a porta do Corolla. –Você vai com um dos dois, Amanda. Eu não vou pra casa agora. –entrou no carro, deu partida e saiu rápido.

-Que cara mais estranho esse do vídeo. Será que ele quer ser maestro?

-Não sei não Cínthia. Está esquisito mesmo. –Amanda falou me abraçando.

-O que eu achei mais estranho foi o fato de ele incitar o Jorge á fazer a denúncia justamente hoje que a escola estaria lotada de gente pra assistir a Polliana. –Marcos comentou.

Lábaro astronômico. A bandeira que ostenta os astros= Maestro que conduz a orquestra. Braço direito= Violinista que põe ordem na orquestra, mas quando o maestro está no comando, ele sai de cena. –conjecturei em pensamento.

-O Jorge foi usado por esse cara, e agora ele será dispensado. –falei.

-Como assim, Ráusen. –Amanda quer saber.

Marcos e Cínthia compartilham da mesma curiosidade.

-Aquele maluco também conhece de música e, ele usou a letra L e a letra A para nos mandar um recado através do Jorge. Talvez seja o irmão do Alfredo.

Convido-os á entrarem no meu carro para que eu explique. 

-Lábaro astronômico. As iniciais das palavras formam a nota LA, significa: Lastro Aferidor. Por ela se afina uma orquestra. -eles ficam sem entender nada.

-Quer dizer que o Roberto virtual não é o que pensamos que ele seja?

-Eu não posso assegurar nada Amanda, mas acho que não devemos nos preocupar com ele.

-Você está querendo dizer que o pilantra não tem nada a ver com o que está acontecendo com os alunos nota dez da escola? –Marcos perguntou meio nervoso.

-Pode ser que ele seja o Roberto irmão do Alfredo. –Cínthia deduz.

-Eu só sei que nós estamos envolvidos numa trama a qual o principal suspeito é amante da arte musical e ainda não deu as caras. Deve estar compondo a sua partitura.

Houve um debate entre nós, mas ao fim decidimos não nos precipitar em acusar alguém que ainda não saiu das sombras. 

PARA MELHOR ACOMPANHAR MINHAS POSTAGENS DESTE LIVRO, OS NOVOS CAPÍTULOS TERÃO COR VERDE.



                                                                                08

                                               

EU E MARCOS FOMOS Á LAN HOUSE DO FELIPE, o Nerd que paga pouco pra comer coisa boa. Não deu pra gente conversar com ele porque ele visitava cabine por cabine de cada cliente feminina, e era uma correria danada. Vai ver, ele estava negociando manhas de navegação na internet por uma orgia com algumas das navegantes. Depois que saímos da Lan house, passamos em frente à casa do Roberto. Ele estava lavando o carro com o som ligado, e ouvindo música de beetoven. Não estranhei porque eu já soube que ele é meio esquisito, mas o carro dele é mesmo de impressionar. Um Galaxy preto, dos anos 70. Nos dias atuais, isso é o cúmulo da excentricidade. Meu instinto me fez parar o carro e dar ré para batermos um papo com ele. Eu pensei que a casa dele era de arquitetura moderna, mas me enganei. A mansão tem estilo gótico. Só me falta descobrir que ele se alimenta de sangue, por ser a reencarnação do Drácula. A casa ao lado é idêntica á dele. Amanda me disse que ele pegou a Soraia, a vampira encantadora. –divirjo; eu não acredito que aquela anja tenha chifres, use vestido vermelho fendado e faça amor com o príncipe das trevas. Amor não; ódio. Depois o Marcos vai ter que me contar essa história com mais detalhes. 

-Quem mora naquela casa fotocópia da do Roberto cavanhaque? –perguntei.

-É o substituto dele. O outro Roberto. Só vive abandonada, mas muito bem zelada.

-Então não está abandonada.

-Cale a boca. –emudeceu-me e desceu do carro.

-Fala, Roberto. –disse Marcos ao descer.

Antes de responder ao cumprimento ele espalmou a mão como quem exigisse silêncio. Terminou a regência fermatando-a e cortou o jato dágua enroscando a ponta da mangueira.

-Conhece a nona sinfonia de beetoven? –perguntou á Marcos.

-Nem a oitava. –respondeu zangado.

O sorriso no rosto de Roberto demonstrou que ele nem ligou para a resposta de Marcos. Enquanto ele entra no carro para desligar o som, eu saio do meu e vou de encontro aos dois.

-Então, Roberto, como é que é? –perguntei.

-Você é o...

-Ráusen Júnior. –Marcos adiantou. 

Roberto me olha dos pés á cabeça e faz cara amistosa. Eu posso até estar enganado, mas esse aspirante á maestro não oferece risco ou ameaça á ninguém.

-Vocês querem entrar? O sol está um pouco quente.

-Não, nós só viemos aqui fazer algumas perguntas á você. –Marcos negou o convite.

-Respondo tudo que estiver ao meu alcance. –se dispôs encostando no carro.

Ainda de braços cruzados eu dou uma analisada no personagem louro de cavanhaque e olhar profundo. Realmente, ele parece inofensivo.

-Você soube do que aconteceu com o Alfredo? –Marcos quer saber.

-O Jorge me contou e, eu não me senti abalado. O Roberto é meu vizinho e não me disse nada.

Separados pela barreira da incompatibilidade intelectual, talvez. -penso em silêncio.

-Você foi substituído por ele no papel de Romeu...

-Olha, Marcos, eu estive na escola assim que eu soube do que houve com ele, porque eu sabia que eu seria o suspeito número um nessa tragédia. Acontece que, eu fui substituído por causa de problemas entre mim e membros da diretoria da escola. Não por causa dele.

-Bla, bla, bla, seu calhorda duma figa. – Marcos desdenhou a ponto de avançar na gola da camiseta do Roberto por não acreditar na conversa dele. -Você pensa que nós não sabemos da sua amizade com o vice-diretor Osvaldo? Ele esteve aqui com o Jorge logo depois que o Alfredo sofreu a overdose. –disse gesticulando para o lado da rua, quase berrando.

-Espere, Marcos, sejamos civilizados. –falei. –Roberto, tudo que nós queremos é que você não nos esconda nada. Coopere com a gente. –pedi calmamente. A expressão em seu rosto era de medo do estado nervoso do Marcos, mas ao me ouvir pedir cooperação, ele se vê mais aliviado.

-Eu fui aprovado nos dois exames que eu fui submetido, música e artes cênicas. Quem me avaliou foi o diretor Osmar... Perdoe-me, mas eu não posso dizer nada mais do que isso.

A Amanda falou que ele era um zero á esquerda. Continuo só analisando.

-Nós podemos te denunciar como suspeito da tentativa de homicídio. 

-Não se precipite, Marcos. –falei.

-A polícia já esteve aqui, e, eu fui intimado á depor na semana que vem, mas eu garanto á vocês que eu não tenho nada a ver. O Robério... Roberto nunca aparece aqui na casa dele pra gente conversar.

Continuo acreditando nesse cara. Marcos não. Ele esfrega ás mãos na calça, louco de vontade de esmurrar o queixo dele. Olho para o canto do muro alto, e vejo uma câmera nos focando.

-Então você vai depor, e qual será o seu álibi? –perguntei.

-Vou dizer apenas a verdade.

-E qual é a verdade?

-Ráusen, eu não sou mais amigo do Alfredo e nem do Roberto porque eu sempre fui prejudicado por eles, mas não estive com Alfredo na noite do incidente. Podem acreditar em mim. Pergunte ao Jorge.

As mãos de Marcos agora são usadas para esbofetear o teto do Galaxy. Roberto sentiu-se alvejado por uma flecha ao ouvir o som opaco da lataria ao ser esmurrada. Eu percebi que cavanhaque não estaria sendo falso ao falar dos dois desafetos. Se ele estivesse querendo nos enganar, ele se passaria por amigo do Alfredo. Marcos perdeu a paciência, mas não o controle. Resolveu me deixar interrogando o Roberto e foi para o meu carro... Quase virou o GT de rodas pra cima com o bater da porta. Põe na conta.

-Diga logo algo que possa te livrar da fúria do meu amigo. –o alertei.

-Eu vou te contar algo que eu não devia contar á ninguém.

-Manda ver. –cruzo os braços e espero a confidência.

-Alfredo tem em seu poder os formulários e protocolos que serão preenchidos com os nomes dos melhores da escola. Mas, houve injustiça da parte dos diretores e líderes da instituição. Eu sou um dos injustiçados.

-Justificativas próprias não libertam um réu.

-O doutor Rodrigo disse-me, ao procurá-lo, que através das sombras se chegam as... as... ah, me esqueci de como ele falou, mas ao final, ele pediu a minha cooperação, porque tudo ao seu tempo se resolverá. Eu quero muito ao menos fazer parte da turma da escola novamente. --ou esse cara é um maluco inveterado ou é muito bom ator. Ele está usando o meu pai pra se justificar. Vou até mudar de prosa.

-O núcleo educativo tem os melhores diretores. –afirmei, pra não deixar que ele percebesse que a gente desconfia de um dos dois.

-Eu também acho... –titubeou. –Os dois são muito competentes. –procurou a mangueira pra disfarçar que mentiu agora ou anteriormente.

-Tá ok, eu acredito em você. Agora me diz, você conhece da arte musical?

-A credito que sim.

-DO e LA dizem-te alguma coisa?

-Inicios de escalas maiores e menores... intervalos de sexta ascendente... não?

-Tudo bem, valeu a sua resposta. Por que a sua casa é igual a do Roberto?

Deixei-o meio confuso com as duas perguntas, mas ele me fez acreditar que não é ele quem está me mandando às pistas. Talvez seja o próprio Roberto músico. 

-Se há algo mais que eu possa ajudar, me procure. Mas, por favor, mantenha o Marcos longe de mim.

Marcos fazia gestos obscenos á ele que não percebeu porque o vidro escuro do meu carro não permite que quem esteja dentro seja visto pelo ângulo lateral e, outro motivo foi o fato de que ele estava enxaguando o carro, segurando a mangueira com a mão esquerda e a direita era usada para reger novamente a nona sinfonia que tocava no aparelho de som do seu esquisitomóvel. 

Despedi-me e voltei às pressas para o carro, antes que o Marcos mudasse de ideia e viesse arrancar à custa de violência, confissões de crimes que o pobre, aliás, rico Roberto Cavanhaque pode não ter cometido. Todo incompetente é suspeito no sumiço de um ex-colega talentoso. Ainda mais, um cara de rosto comprido, com olhar de viúva em velório e cavanhaque frisado... Duas casas iguais, eu hein! Será qual dos dois plagiou a casa um do outro? 

A Amanda não queria que a Cínthia falasse sobre a não hospitalização do Alfredo. Roberto músico, Amanda e Jorge frequentam boates juntos. Tá esquisito esse negócio.

-Finja que nós nunca falamos com o cavanhaque. –orientei.

-Me deixe em minha casa, depois nos encontramos.


                                                                   ***


Um pouco mais tarde, Marcos veio com cínthia, ao meu cafôfo, me contar que depois que nos separamos, a Amanda não estava na casa dela quando os dois foram lá. Uma colega de escola disse á eles que a viu saindo já quase cinco horas com o Jorge e um cara de cavanhaque que com certeza era o Roberto Cavanhaque. Amanda estava toda produzida como alguém que ia à uma Boate. Short de couro sintético roxo, blusinha marrom com um laço acima do umbigo e cabelos espevitados a base de gel spray.

Logo que Marcos e Címthia, já quase dez horas da noite, Amanda me ligou pedindo pra eu ir encontrá-la na casa dela. Encontrei-me com ela para analisarmos o tal fluxograma com mais atenção.

-Amanda. –falei olhando as folhas. –Ele codificou o fluxograma usando símbolos da notação musical. 

-Explique.

-Na astronomia musical, a clave de sol representa o astro maior, que é: o sol. Da clave de Sol derivam as outras claves. Todos os outros astros estão sob a regência dele. Astros inferiores são representados pelas outras seis claves. Fá na terceira e quarta linhas. Do na primeira, segunda, terceira e quarta. –mostro à ela, primeiro o modo das escalas maiores indicadas por Do maior. -As escalas menores podem significar um poder menor. –falei.

-Entendi. –disse. –O símbolo SOL representa o reitor que vai comandar todo o núcleo educacional. E as demais claves expostas ai representam pessoas e cargos. Então você acha que esses modos de escalas representam uma pessoa com maior poder de comando e seus subalternos?

-Se o que está em jogo, realmente for esse ministério, tudo indica que sim. 

Amanda se levanta e fica girando pela sala, procurando encontrar sentido que possa dar base a nossa tese.

-Não seria apenas uma indicação da hierarquia do poder da instituição Cândido Plates? -ela falou e se sentou novamente ao meu lado e se pôs á folhear o fluxograma. DO e LA podem ser reitor e vice-reitor.

Movimento a cabeça, indicando que pode ser... 

-Deixe-me ver de novo. –pedi. –Você pode estar correta. Talvez não sejam notas em intervalos de terça. São dois modos de escalas. Do é o comandante superior. La é o vice-comandante. Chegamos ao diretor Osmar e o vice Osvaldo. Mas, observa que logo depois da barra divisória, as notas estão em contra posição, e não há definição do que realmente possa ser. Talvez sejam Arpejos, acordes ou tetracordes. Não tem definição. Esse cara é um indeciso. Se o Alfredo é conhecedor de teatro, por que ele usa elementos da música? Esse fluxograma deve pertencer ao Roberto irmão dele. Ele é músico.

-Sim, mas e daí? Eles estão juntos.

Não vou entrar em discussão, mas eu acho que ela está me escondendo algo de muita importância.

-É bom ficarmos atentos á essas pistas. –alertei.

Tudo nos levava à crer que o Alfredo foi traído e evidentemente ele desconfiava que  pudesse ser vítima de um homicídio, tanto é, que, ele usou o conhecimento musical do irmão dele e cuidou de codificar e fluxogramar o documento contendo os nomes dos futuros secretários das oficinas. Ou ele não tivera tempo de citar os nomes dos selecionados, ou fora impedido de fazê-lo por alguém que tentou matá-lo e adquirir os formulários de seleção. De uma coisa eu tinha quase certeza: Alguém copiou o esboço musical da internet ou do arquivo de um computador.

Depois de ela voar sobre meu pescoço e me beijar... no rosto... "eu senti o cheiro do fixador de penteado", esfregou as mãos, prendeu os cabelos atrás das orelhas e se levantou para me guiar até a cozinha. Preparou um lanche a base de misto quente e suco de laranja para comermos, e, enquanto nos abastecíamos, falamos mais sobre música e artes. Ela quer ser atriz de teatro, mas por interferências de alguém insatisfeito com a vida, ela estava perdendo a esperança. 

Não falei nada, mas eu achava que devíamos solucionar primeiro o caso do acidente com o Márcio, irmão do Marcos, que antecedeu o do Alfredo.


                                                                     ***


Dei uma passadinha na escola. Não teve aulas, mas a galera marcava presença no local. Aproveitei para entrosar com alguns colegas e descobri que eles se reúnem para bater papo á moda antiga, tipo assim; olhos nos olhos, frente á frente, cara á cara. É assim que eles desfrutam á amizade. Alguns grupos de colegas conversavam nas salas de aula, outros nos corredores e até sentados no gramado. Nada de recorrer à internet, todos usam os bônus do celular apenas para mandar um alô ou fazer um convite. A garota mais divertida da turma se chama Lucinha. Ela me contou que é filha de um antigo colega do meu pai. –mas ela não disse meu pai. - e era assim que eles mantinham as amizades, se encontrando para conversar e se divertir numa roda de amigos, ás vezes até ao redor de uma fogueira. Bons tempos aqueles em que ostentação tecnológica era um relógio com calculadora digital. O meu pai ganhou um relógio desses do meu tio Robson.

Falei com outro colega sobre o Roberto cavanhaque, ele me disse que até gostava dele, porque o cara era um pouco tímido, mas muito atencioso e aconselhador. Nas festas da escola ele ficava sempre nas rodas com os amigos, porém, não bebia, não fumava e nem dançava com garota nenhuma. Pode ser que a mudança de comportamento dele tenha acontecido depois que ele iniciou a amizade com o Jorge, porque se não me falha a memória, a Amanda me falou que ele e o irmão dela adoram “bôites”.



                                                                        09



NA NOITE PASSADA EU DEMOREI PEGAR NO SONO, e tenho certeza de que não foi apenas por estar preocupado demais com os rumos da escola. Pra ser sincero, eu estou confuso sentimentalmente. Soraia mexeu com a minha emoção e talvez eu esteja gostando dela. Eu não vou mais querer saber sobre ela através do Marcos, senão, ele vai me dizer que ela veio da terra do nunca, e que ela é irmã do Peter pan. 

   Procurei não me apegar à ideia de que Amanda é uma bandida. Ainda resta em mim a esperança de que um dia, Marcos descubra que ele está enganado sobre ela. 

    Eu gosto de recorrer ao meu histórico “paquerático” pra rir de mim mesmo e espantar a pieguice. Certo dia eu me deitei no sofá com a cabeça no colo da minha mãe e perguntei á ela: Mãezinha, por que é que eu não dou sorte com as garotas? Ela respondeu: - É porque você é indeciso e não sabe o que quer. Meu pai estava chegando e ouviu a nossa conversa, então ele disse: - Outro fato,  é que beleza demais às vezes atrapalha os relacionamentos afetivos. Raspei os cabelos e tomei uma atitude decidida. Chamei a capitã psicóloga do exército para um passeio. Ela disse que nós sairíamos assim que os meus cabelos tivessem crescido. Ela não iria sair para um passeio romântico com um fuzileiro com cara de conscrito mochileiro. Reclamei com o meu pai. Ele falou: - Seja você mesmo filhão. 

Esse conselho é mais dado que presente de aniversário. O diferencial é o modo que o meu pai fala. Eu só queria que ele me ensinasse á ser conquistador como ele era na adolescência. Eu acho que não há nada de errado com a minha cabeça, pois, esse acontecimento foi a mais de um ano atrás. Que bom saber que eu não sou amnético... amnético... que porra de palavra é essa? Dicionário Aurélio, me aguarde.

Os minutos que passei no lavajato, eu conversei com o lavador e ele me falou que um irmão dele estudou um semestre na Cândido Plates. O nome dele é Alberto, e ele havia terminado o terceiro ano do segundo grau e não pretendia mais estudar, mas no ano passado ele lavou o carro de certo Rodrigo Ráusen Rivera, diga-se, meu pai. E esse bom homem segurou nos ombros dele e disse: Viver é sonhar, quando acordamos... Morremos. Volte á estudar e realize o seu sonho, e havendo conseguido realizá-lo, busque outro, persiga-o, e continue vivendo. 

O irmão do lavador que também era lavador recebeu do meu pai, um cartão de visitas e ao apresentá-lo na corregedoria da escola no dia seguinte, minha tia Andreza o enviou á um curso de pré-vestibular. Desde o início desse ano ele frequenta uma faculdade. Eu dei o mesmo conselho ao lavador, e uma gorjeta pela guariba. Meus cabelos estão modernamente cortados. Meu carro foi guaribado. Só me resta tomar uma decisão sobre qual das duas eu firmo namoro: Soraia ou Amanda. Se faltar-me coragem para abordá-las... eu fico na minha. Novidade! 

Entrei no carro cheirando á silicone no capricho e vim me encontrar com a minha galera no Shopping.

Amanda contava à nós sobre a falta de talento do Roberto cavanhaque para a arte cênica. Sendo ele cortado do papel de ator principal, ele preferiu trabalhar nos bastidores. Como cenógrafo, não tinha conhecimento técnico para coordenar o ambiente onde as ações seriam dramatizadas. Por ele possuir imaginação pouco fértil, não conseguia atrair o público para assistir aos ensaios e, as poucas pessoas que iam não ficavam satisfeitas com o espaço cênico criado por ele. Como sonoplasta, os sons omitidos pela aparelhagem sob seu comando não condiziam com as emoções e sensações dos atores em cena. Enfim, o cara é um amante da arte, mas não tem tino nem ao menos para atuar atrás das cortinas. O xará dele mora ao lado da casa dele. Podia pegar umas aulas com ele.

Eu ainda não havia comido alimento algum. Descobri que Coca-Cola antes da refeição, abre o apetite.  Eu estava com fome e sugeri aos três que a gente fosse à um fast-Food para comermos ao menos uns sanduiches com refrigerante e batatas fritas. Todos concordaram e, eu os guio indo em direção ao. 

Enquanto subíamos na escada rolante, Marcos, Cínthia, Amanda e eu nos comportávamos como dois casais de namorados visitando Walt-Disney. Tudo dentro do Shopping era uma atração á parte. Eu sei que cada um de nós já esteve aqui, só que eu, por exemplo, nunca brinquei de carregar uma garota nos braços e nas costas até a mesa da lanchonete, como fiz com Amanda. Será que estamos namorando?

Na área de alimentação têm muitas opções de sanduicharias e uma porção de gente que estuda na mesma escola que nós.

-Eu vou querer pizza e Guaraná. –Amanda escolheu.

-Eu também. –disse Cínthia.

-OK... Vocês venceram. –concordei.

-Traz uma pizza enorme, dois guaranás e duas Cocas. –Marcos fechou o pedido.

È bom estar na praça de alimentação de um Shopping porque temos várias opções, tanto na escolha da lanchonete, na variedade do que se quer comer e na enorme probabilidade de ver mulheres bonitas. Não que eu esteja reclamando da minha companhia, afinal de contas, eu ainda não vi uma garota que possa superar Amanda em beleza. Só a Soraia anjo meu.

Marcos só tem olhos para Cínthia, melhor dizendo, olhos e boca. Ele não perde a oportunidade de beijá-la. Vou chamá-lo de: O beijoqueiro, de agora em diante.

-Então, Ráusen, como é viver na fazenda? –Cínthia quer saber. 

-Não me diga que você é fazendeiro. –Amanda se surpreendeu.

-Eu vivi na fazenda até aos dezoito anos. O serviço militar me privou da felicidade que é viver na zona rural.

-É verdade que você foi fuzileiro no exército?

-Não cheguei á concluir. Fui até ao nível primário do regimento de infantaria e artilharia. –engambelei. Fui selecionado para a Global Soldiers norte-americana.

-Tudo bem, Ráusen. –disse Amanda segurando minha mão. –Fale da Fazenda.

-A fazenda é tudo de bom. Meus pais, meus tios, meus dois primos e uma prima.

-Vocês moram todos na mesma casa?

-Não, mas, só o que nos divide são as cercas. Cada família tem a sua propriedade.

-Então vocês se viam todos os dias. –Marcos falou.

-Os meus primos estudam na cidade de Ceres, e só vão para a fazenda nos finais de semana.

-O seu pai vive da produção de leite, da venda de gado de corte? 

-O meu tio Marcelo cuida da parte burocrática. Meu tio Henrickhelson cuida da exportação do gado e da venda do leite. O meu tio João Pedro contrata os funcionários e supervisiona as vendas. -parei de falar porque a garçonete chegou trazendo o nosso pedido.

-Você não falou do seu pai. –disse Amanda cortando a pizza. –Essa calabresa deve tá uma delícia. -me serviu o primeiro pedaço. –Agora fale do seu pai.

-Ele é sócio dos meus tios. –falei, cortando a queijosa.

-Majoritário? –Cínthia perguntou se servindo.

-Partes iguais.

-Vem cá, vocês são ricos? –Amanda perguntou.

-Chega de falar da minha família. Se vocês quiserem conhecer os meus parentes é só me acompanharem até a fazenda. 

Eu esperei que Amanda dissesse que iria, mas ela pegou o guardanapo e limpou a boca, depois tomou o refrigerante e voltou a comer. Nós percebemos que ela ficou meio indecisa.

-Você não vai com a gente, Amanda? –Cínthia perguntou.

-Tudo que está acontecendo está me deixando desmotivada para passeios longos. Desculpem-me, vão vocês.

Calados nós ficamos. 

Marcos e Cínthia foram conversar com alguns colegas.

  -Amanda, você não disse á eles quem é o meu pai?

   -Sim, mas eu pedi segredo aos dois. -limpou a boca e calou.

 Vou agir com naturalidade. Tanto faz, se todos sabem ou não.

Muitas pessoas chegavam ocupando as mesas. Todos os fast-Food da praça de alimentação já estão lotados. Alguns colegas de escola nos cumprimentam. Entre eles tem um rapaz que eu o vi conversando com o Jorge hoje de manhã, antes de o Roberto chegar e sair com ele. Ele parece ser boa gente. Óculos de grau parecem ser indicadores de bom caráter. O colega do Jorge usa um com a lente de espessura aproximada de um blindex de porta de banco.

Mastigadas e mastigadas depois, nós terminamos com a pizza. Dessa vez, Marcos foi quem pagou a despesa. Passamos em algumas lojas de relógios, calçados e roupas, mas não compramos nada, apenas olhamos através das vitrinas.  


                                                                         ***


Dentro do carro.

-Para onde vamos agora? –Cinthia perguntou.

-Vamos embora. Eu tenho que encontrar o Jorge em casa.

-Amanda, ele não pode saber que a gente está tentando descobrir quem é o culpado por esses crimes.

-Eu acho que o Marcos está certo. –falei acionando o motor.

-Gente, isso é loucura, o que estamos fazendo. Nós devemos chamar a polícia.

-Á quem vamos denunciar? O seu irmão, o vice-diretor e o Roberto Cavanhaque?

-Não Cínthia...

-Amanda, a polícia só trabalha tendo ao menos o perfil físico e característico de um suspeito. No entanto, de qualquer forma teremos que apontar o seu irmão e os parceiros dele. 

Amanda baixa o vidro do carro e fica olhando para fora de braços cruzados. Ela não gostou do que falei. 

-Ai Ráusen, você fala como se os dois fossem mesmo os criminosos.

-Desculpe-me Amanda, mas ele é o principal suspeito por ter vendido energéticos que culminou com o afastamento do diretor Osmar.

-Tudo bem, vamos embora. Eu vou ter uma conversa com o Jorge.

Não que eu queira ser pessimista, até porque, isso não é um traço do meu perfil, mas se tratando de garotas, eu sou meio pé frio e eu acho que não vai rolar nada entre mim e a Amanda por dois motivos; Numberone: ela não tem tempo pra mim, mesmo quando estamos juntos. -Homem nenhum suporta carência afetiva.

Number two: Eu gosto de mulheres sensíveis: - não que eu seja grosso, mas é que eu adoro um colinho, e a Amanda é do tipo de mulher moderna e atualizada. Ontem ela passou horas no laptop. Normal, seria, se eu não estivesse do lado querendo saber sobre a família dela, e ela dando resposta usando apenas palavras monossilábicas, por que a atenção dela estava na engenhoca tecnológica que daqui um tempo, separará não só amigos e famílias, mas será o divisor da razão e da consciência humana. 

Falta o terceiro motivo... Número three: Eu sou rico. Vai se catar.

 -Sim. Não. Talvez. Depende. – era com essas palavras que ela me respondia vidrada na tela do pequeno ladrão de atenções.

Cansei do meu duelo contra o laptop da bela internauta e fui embora mais cedo. O tempo que passei servindo de intruso ao lado de Amanda, eu nem vi a cara do Jorge.

Num dado momento do meu monólogo ignorado pela única que seria a ouvinte, mas que não prestava atenção no que eu dizia, eu perguntei sobre a Soraia. Amanda disse que ela é moderadora das situações na escola. Ou seja, o que, ou quem ela aprova está aprovado, e, o que, ou quem ela desaprova, está desaprovado. Eu sugeri que fizéssemos uma reunião com todos os alunos e os colocasse frente á frente á Soraia. Quem fosse vetado por ela eu o levaria para o vestiário e desceria o sarrafo nele até que ele confessasse que era o picareta destruidor de sonhos. Amanda falou que não funciona assim porque a Soraia não tem o dom da premonição e nem da sensitividade, ela apenas possui beleza física, facial, espiritual e a simplicidade de alma que não á deixa envaidecer e nem se corromper por enganos e mentiras, traduzindo: ela seria incapaz de usar de mentiras para sacanear alguém, mas, também não se deixaria levar por trapaceiros que queira persuadi-la á compactuar com seus esquemas sujos e desonrosos. Além de ser linda, soraia tem moral de sobra.

Á que conclusão eu cheguei: Soraia não me perdoaria se soubesse que eu ando tendo uns encontros com Amanda, tendo como testemunha apenas um Laptop á tira colo. –nesse caso é o colo da Amanda lábios grossinhos e não saboreados. –O selinho que eu dei não conta.

Mas, eu fiquei satisfeito por saber que a Amanda está trabalhando em prol de conseguir recursos para dar assistência á laguns indigentes que vivem em situações sub-humanas nas periferias da cidade. Eu aprendi á me auto-aconselhare não prejulgar uma pessoa apenas por saber que os lugares que ela anda são de certa forma, habitados por algumas pessoas marginalizadas pelo simples fato de elas serem pobres. Também, sempre sou contra a generalização das pessoas sobre uma ideia pré-concebida. Em toda parte existe maus elementos. Por exemplo: Na cadeia tem bandidos. No Planalto central também tem. Nos postos de combustíveis tem gasolina adulterada. Caramba, tenho que encher o tanque outra vez.

Enfim, eu parabenizei a atitude da Amanda.

 



                                                                      10



A MINHA MÃEZINHA ME ELOGIOU PELA milésima vez, dizendo que está muito satisfeita por saber que o filho dela, que foi treinado para entrar em combate contra o seu semelhante, agora está se tornando um soldado que exercita o espírito e se faz porta voz da causa de uma moça de mente aberta, que, faz de uma crítica um ponto de partida de um recomeço.  

   Eu não disse á ninguém o que conversei com a Débora e nem o que pedi á minha mãe para pedir ao meu pai pra fazer por ela. Muito menos o que a Rayane havia me dito sobre a desilusão da Amanda por eu ser um Rivera. Eu só não quero ganhar mais sermões via celular.

     Estou na expectativa de conhecer mais três novas vizinhas de quitinete que substituirão as que irão embora. Sentirei saudades da Pollliana, Tatty e Rayane. Mas me alegro por saber que os sonhos delas serão realizados. No final do semestre, Débora será encaminhada á uma faculdade.

Liguei várias vezes no celular do Jorge para falar sobre os energéticos, mas a ligação só caía na caixa de mensagem.  Então, fui ao encontro de Amanda e Cínthia paradas próximas ao departamento da polícia civil. 

-Ráusen, não desça. –disse Amanda entrando no carro. O Jorge foi preso.

As duas se sentaram no banco traseiro.

-Fale logo o que houve. 

-Cinthia e eu vimos a Soraia dentro da Blazer do vice-diretor. Nós os seguimos e os vimos entrando na delegacia.

-Os dois ficaram uns trinta minutos...

-Não foram os dois, Cínthia. Foi apenas a Soraia.

-Isso mesmo. Quando eles foram embora, eu e Amanda fomos até lá falar com o delegado.

-Vocês já falaram com o diretor Osmar? –perguntei.

-Ele já havia dado e depoimento na semana passada, mas ele não acusou o ninguém. Hoje, quem veio depor foi a Soraia, e ela, por certo, incriminou o Jorge. –Amanda noticiou.

-Então ele não teve direito nem ao menos de um advogado.

-O delegado nos falou que ele não queria falar com ninguém, muito menos com um advogado porque ele sabe que é inocente e não vai dar-se ao trabalho de contratar alguém para defendê-lo de uma acusação infundada. –Cínthia relatou.

-Isso prova que ele é inocente. -Amanda assegurou.

-Para quem o conhece como você, sim, Amanda, mas para a lei, a dispensa de um advogado complica a situação do acusado.

-O que vamos fazer então, Ráusen? Ele é inocente e nós sabemos disso. – Amanda entrava em desespero. 

-Eu vou até lá. –falei, saindo do carro.

-Não, Ráusen, deixe ele preso por alguns dias. Talvez assim fique mais fácil pra gente descobrir se é ele mesmo o vendedor de ecstasy.

Olhei para duas dentro do automóvel e notei que Cínthia também concordava com a ideia da Amanda.

Liguei na delegacia e modulei algumas palavras com o delegado, e ele me participou que foi um anônimo que denunciou o Jorge. A tal Soraia que não é a que é a razão das minhas noites de insônias, foi até a delegacia tentar inocentá-lo. Do jeito que a Amanda fala, ela põe a gente contra as pessoas inocentes. De qualquer forma, o Jorge não vai mais poder frequentar á escola. Só lamento, mas ele vai passar uns dias na cadeia.


                                                           ***

Deixei Amanda e Cínthia na casa da Amanda, e, sozinho, eu daria continuidade á investigação. Recebi uma mensagem de texto em meu celular dizendo pra eu procurar o Felipe, assim eu descobriria mais um desarranjo, e para entendê-lo, bastaria eu conhecer duas escalas de modos diferentes. Na primeira armadura de clave não havia nenhum acidente. Na segunda grafava dois bemóis. DO maior sem acidentes e DO menor com SI b e MI b. Fácil. DO maior e DO menor. Homônimas. E, onde eu vim parar? Na praça do Sol. 

 O fim de tarde deixa o céu com um aspecto de aurora boreal. FoiEu fico olhando as nuvens formando desenhos que me faz regressar ao meu tempo de criança. Braços abertos sobre o encosto do banco da praça, e olhando para cima vejo nuvens se transformando em jacarés, elefantes e até o papel Noel em seu trenó. Ah, como era bom ser criança.

Pessoas vêm chegando á praça para aproveitar o clima do local que está razoavelmente fresco e ventilado. Não fosse o barulho causado pelos roncos dos motores de carros e motos que passam pra lá e pra cá, eu diria que aqui é o lugar perfeito para arejar as ideias. 

De repente, vejo chegando o aracnídeo com uma mochila nas costas, indo ao lanchinho da praça. É ele: Felipe. Pelo jeito, nenhum time o quis mais como parceiro para jogar vôlei.

 -Ei. –gritei. Ele ouviu. Corro um pouco e o alcanço antes de ele ir ao balcão e pedir algo para comer ou beber. -E aí, beleza?

-Beleza o caramba. Eu estava sendo o melhor da quadra, e eles me sacanearam. –respondeu, grilado. –Me vê um suco de laranja. –pediu ao balconista.

-A injustiça sempre irá existir no meio esportivo. –falei. –Vamos nos sentar ali. -apontei para a mesa com duas cadeiras apenas. As outras duas estão ocupadas pelo grupo de seis adolescentes que comem empadinhas e bebem refrigerantes.

 -O Glauber me substituiu, mas ele nunca vai jogar igual á mim. –garantiu, se sentando.

 -Com certeza. –admiti com ironia. Eu não iria dizer que ele é um péssimo jogador, para não deixá-lo mais contrariado. –Mas, e as garotas, o que você me diz da Soraia?

 -Ela é a garota mais legal da escola. O que fizeram com ela foi injustiça também.

Fiquei mais encucado ainda.

-Como ela foi injustiçada?

-Então você não sabe? –disse indo ao balcão.

Vejo-o pegando um salgado e o suco e remoo o que ele falou da Soraia. Que ela é realmente bem bonita e legal deu pra eu perceber... ele voltou.

    -Me fale da Soraia.

    -Hum. –balbuciou mastigando. –Ela tinha o título de A desejada, mas uma... Um picareta postou coisas indecentes contra ela no site da escola.

 Percebi que ele titubeou ao falar, "uma" e depois "um".

 -Eu não fiquei sabendo dessas postagens.

 -O diretor Osmar é um homem de respeito, e, quando ele abriu o programa, lá estava as postagens envolvendo Soraia e um ator pornô. Como o diretor sabe que eu entendo um pouquinho de computação, ele me chamou para excluir as fotos antes que chegassem ao conhecimento público. –engoliu o salgado e o suco, limpou a boca. –Foi obra de iniciante que queria apenas sujar o nome dela, e, conseguiu. Numa escola como a nossa, se um aluno ou aluna consegue se destacar em boas qualidades entre os demais, essa pessoa ganha posições privilegiadas na instituição. Com isso, você tem grana, status e influência, mas a Soraia nem faz ideia do que isso significa.

-Mas a pessoa que a sacaneou tem ciência de tudo? –perguntei já sabendo a resposta.

Ele só balançou a cabeça confirmando.

-Por que ela não processou esse filho da mãe? –perguntei zangado.

Ele dá uma olhada ao redor e se aproxima de mim tirando um laptop da mochila.

-Olha só, de onde é a origem. –abriu o computador portátil.  Os dedos dele se movimentam rapidamente no pequeno teclado. E...

-Da Amanda? –perguntei bestificado.

-Eu não tive a mesma reação que a sua porque eu sei que a Amanda é uma oportunista.

Agora é que minha cabeça entra em rosca infinita de uma vez. Amanda é uma oportunista. Essa revelação não para de martelar em minha cabeça.

-Por que a Amanda é uma oportunista?

-Ela aproveitou que a Soraia perdeu o título e se autopromoveu em seu próprio Facebook com o figurino de Alice no país das maravilhas, trocando o nome Alice pelo o dela. Amanda no país das maravilhas, mas ela também se ferrou.

-Tá ok, eu já entendi. –precipitei levando as mãos á nuca. –A desejada é um título dado á garota que é cotada para ser a miss estudantil?

-Sim.

-Ela é muito bonita mesmo. Eu pude conferir quando conversei com ela no ginásio.

Felipe arregalou os olhos como se tivesse visto um bicho.

-A garota que você falava com ela na arquibancada é a pura e bela. Eu estava falando da outra que a Amanda destronou.

De qual Soraia esse homem aranha está falando?

-Pura e bela é outra categoria de concurso?

-Não, não se trata de concurso de beleza. Só uma moça pura pode ter esse título. Aquela garota é muito inocente, pacífica e não faz conta disso, mas ela é a menina de ouro não só da escola, mas de toda á Ordem Rivera. Faça um mal á ela, e você sofrerá as consequências.

De quem esse Peter Parker tá falando? -pergunto outra vez á mim mesmo.

-Qual é o nome daquela que eu falava com ela, não é Soraia?

-Não sei cara, e também não entendo como você soube o nome dela. Ela não tem nem nome artístico. Sei apenas que ela tem um imenso valor para a ordem Rivera. Um aluno levou suspensão de dois meses por tê-la chamado de deusa da gostosura.

 Caramba, que sufoco!

 -E a Amanda?

 -Eu só posso te adiantar que ela é uma oportunista. Pergunte aos ex-parceiros dela.

       Outra desinformação do Marcos. A Amanda não é a desejada.

-Mas o Roberto e o Alfredo não fazem mais parte do grupo de alunos da escola...

-Todos sabem disso, e eu desconfio que o próximo á substituí-los será o Jorge. O Roberto é gay.

-Então ela quer fazer par com o irmão dela...

-Espere, espere. –me interrompeu novamente. -mais uma vez, ele abre o laptop. -Eu entrei no arquivo de matrículas dos alunos da escola que eu  mesmo criei, e o Jorge levou a fama e o reconhecimento da diretoria pelo feito. Só que ele fazia apenas o trabalho de matrículas. E olha só o que eu descobri.

Ele me entregou o minicomputador e foi até ao balcão pagar a conta.

Amanda N. Sobral. Jorge Ferreira Gontijo... Alfredo H. Romeu. Ele ainda está matriculado. Estranho, muito estranho. Roberto C. de Camargo. –Ele também continua na lista de matriculado. Então Alfredo e Roberto não foram expulsos.

Por uns trinta segundos eu fiquei imóvel e abobado.

-E então? –perguntou-me ao voltar.

-Eles não têm nenhum vínculo de sobrenome.

-Mas eles moram juntos. –disse ele guardando o laptop na mochila. –Já tô indo embora. Eu preciso tomar um banho. –jogou a mochila nas costas.

-Só mais uma pergunta. –falei, ele parou. –Em que um aluno precisa se destacar para conseguir a indicação?

-Música, teatro e beleza, esporte, tecnologia, e, sobre tudo, ter seu nome constado na pré-indicação do supervisor, infelizmente o Alfredo desapareceu do mapa. Por causa da Amanda eu perdi a chance de ser... Ah deixa pra lá. Tô indo.

foi-se o homem aranha.

    Mentiras. Traições. Falsidades. Ambição. Vingança. Corrupção. O que mais falta para completar a tragédia hamletiana? Estou confuso e não consigo raciocinar direito. Talvez tudo não passe de armação para destruir a boa fama da Amanda. Por outro lado, se tudo isso é verdade, então ela está pondo em prática o seu talento como atriz. Eu sei que ela não vai me responder com clareza se eu a perguntar sobre o que eu soube á respeito dela, e também, se nada disso procede, ela ficará constrangida. Sinto que estou fazendo parte do elenco do drama Hamlet. O Alfredo quer ser teatrólogo, mas o infeliz que nos passa as pistas está parecendo musicólogo. Roberto, Márcio e Alfredo foram excluídos, mas os seus nomes continuam na lista de matriculados. Uma Soraia não se chama Soraia. DO maior. Do menor. Não estou conseguindo nem me concentrar nesse enigma, de tão confuso que estou. Só sei que são escalas homônimas de grafias e modos diferentes.

   


                                                               ***


 Fui ás pressas me encontrar com Amanda. Ela tinha que me dar algumas explicações. Não superei muitos quarteirões e a encontrei próximo á esquina da rua onde o Roberto cavanhaque mora. 

-Amanda, entre no carro, eu preciso falar sobre uma pessoa.

Ela me obedeceu e se pôs do meu lado. Ela se veste de modo bem sensual com um vestidinho deixando á mostra suas estonteantes coxas.

-Que bom que eu te encontrei. O meu carro travou o alarme e eu já estava indo na casa do Roberto para pedi-lo que me deixasse em casa.

 Pra mim, ela estava voltando da casa dele.

 -Que papéis são esses em sua mão?

 -É um ensaio de uma peça de teatro.

 -Vamos até ao seu carro, eu posso...

 -Não, tudo bem, eu já acionei a central de rastreamento. -deu-me um beijo no rosto, ajeitou os cabelos e se olhou no espelho central do meu possante.

Eu vou direto ao que me interessa.

 -Você não me contou que o Roberto era o seu melhor amigo e que... ele é gay e que o Jorge não é seu irmão.

-Eu sei que eu escondi algumas coisas de você, mas é pelo bem da nossa investigação. –falou de braços cruzado.  Eu não sabia que o Roberto é gay.

Eu estava sem palavras diante de tanto cinismo. Ela olhava para o vazio parecendo querer encontrar palavras para encher a minha cabeça de mentiras.

-Por que tanta sacanagem? –perguntei, baixando a cabeça ao volante. 

-Você não estranha o fato de ter tantos nomes homônimos em uma escola? Soraias. Alfredos, Robertos. Pode ser que esse Jorge que não é meu irmão, e seja outro Jorge.

-Não me venha com mais enganações, por favor, eu estou me sentindo uma marionete em suas mãos. -a decepção estampada em meu rosto deixou claro que eu queria que ela saísse do carro me prometendo nunca mais querer me ver.

-Ráusen, deixe de lamúria e me escute. –falou brava. –Você sabia que os nomes dos alunos na escola são trocados? Eu não me Chamo Amanda, a Cínthia não se chama Cínthia, enfim, todos recebem nomes e números de matrícula, para no caso de algum aluno cometer erros que comprometam a instituição, esse indivíduo jamais existiu na lista de chamada dos professores da escola Cândido Plates. Os que se destacam recebem nomes artísticos de acordo á suas artes. Essa ideia foi do diretor Osmar. 

-Mas isso é crime. Falsidade ideológica, sabe lá no que isso enquadra.

-O seu nome não é apenas Ráusen Júnior, mas faz parte do seu nome de registro. Só que no registro de matrícula...

-Mas isso não explica os homônimos. –falei ainda nervoso.

-Me deixe explicar. –ela ajeita os cabelos para trás. –O Alfredo foi matriculado com esse nome, e, ele é muito talentoso, mas se envolveu em escândalo. Se ele dissesse á polícia que ele estudava na Cândido Plates, não teria como provar porque seu nome de registro é outro.

-Eu quero saber por que os mesmos nomes em pessoas diferentes. –inquiri um pouco menos bravo.

-Porque eles têm inteligência artística. Por isso são matriculados outros alunos com os mesmos nomes de matricula deles, e esses novos matriculados são os indignos de fazerem parte da instituição. Estes são chamados de “profanos de becas”

-Se você sabe disso tudo, com certeza a direção da escola também sabe. E, por que não os expulsam?

-Você lembra de quando eu te falei que a instituição não é um sistema exclusivista, sim uma ordem que considera a liberdade de pensamentos e de comportamento de qualquer ser humano? Pois é. O senhor Cândido não concordou com os nomes fantasias, mas o vice-presidente, RR. Rivera disse á ele que através das sombras se chegam ao corpo que as move e á cabeça que os guiam. Está me ouvindo, Ráusen? 

O meu pai é cheio de enigmas. Apenas concordei movendo a cabeça. Era essa frase que o Roberto cavanhaque tentou e não conseguiu terminá-la. 

-A Ordem liderada pelo senhor Cândido Plates, acredita, e, eu também acredito, que o indivíduo tem todo direito de ser e agir como ele bem entender, mas eles devem pagar pelos seus atos errados. Porém, também existe na instituição pessoas honrada que combatem esses profanos, não usando violência física nem de poderes instituídos. E esse embate entre honrados e profanos põe á prova o nível intelectual e cognitivo dos dois...

 -Já sei. É um duelo entre o bem e o mal.

-Não. É entre o intelecto pensador e a imbecilidade robotizada. Nós não temos dogmas religiosos.

Amanda fala e se expressa como uma militante de esquerda, mas no final das contas eu percebo que a superioridade intelectual que ela tem sobre mim, causa-me admiração. Já não sei se estamos investigando impostores, ou caçando neonazistas. 

Enquanto olho o movimento das pessoas na rua, procurando não a encarar, eu vejo que a biblioteca no outro lado da rua não tem nenhum estudante pesquisando ou simplesmente lendo a página de um livro e, eu acredito que a Lan house mais próxima está lotada de internautas.

-O que foi, Ráusen? –perguntou, tocando meu cabelo. –É difícil pra você entender o que eu digo. Vou resumir. Os homônimos serão os nomeados e ganharão o patrocínio para suas profissões. Quer que eu explique melhor?

-Não. Tudo bem. Só precisamos descobrir quem está por trás dessas falcatruas.

-Pode confiar que todos esses seres desprezíveis terão o que merecem e nós dois seremos condecorados, rapaz e moça de ouro, como Rodrigo R. Rivera foi nos anos oitenta, quando ele era ainda garoto.

Penso: se aquele garoto, "o meu pai", estivesse nessa investigação, ele não teria gastado nem dez litros de gasolina pra prender esses profanos de becas. E olha que ele trabalhava das 8: 00 ás 17: 00 numa empresa de transportes aéreo.

-A Soraia era a moça de ouro. Por que ela perdeu esse título? –perguntei.

-A Soraia é um caso á parte e ninguém toma esse título dela.

-Mas ela perdeu pra você. 

-Eu não tentaria uma coisa dessas... São as homônimas. A Soraia Pura e bela, é aquela que você a encontrou no ginásio. A outra é a que foi á delegacia com o vice-diretor. Vai ver, uma armou para a outra.

Agora eu entendi a parada. Mas a Soraia minha anja não seria capaz de armar contra ninguém.

-Então pode ser que haja uma homônima com o seu o seu nome porque eu soube que você é uma oportunista. –falei ligando o carro. 

-Você pode estar seguro de que eu também sou uma moça pura, mas jamais ousaria tentar tomar o posto da Soraia pura e bela. Eu não sei nem por onde começar á investigar e descobrir quem está por trás de tudo isso. Se isso continuar á escola vai ser interditada pelo ministério público.

-Não entendi.

-Existe alguém pegando cada vez mais pesado difamando o idealizador do núcleo educacional e a metodologia de ensino da escola.

-Fique tranquila. Deixe essa tarefa comigo.

Ela colocou as mãos na nuca e recostou-se ao encosto do banco de couro do GT.

Sobre a minha suspeita de que mais uma Amanda está surgindo nos registros de matriculadas da escola, Amanda disse que já houve outra Amanda na escola, mas ela desapareceu e ninguém sabe o motivo de sua desistência. Eu acredito que o Felipe estava falando era dessa outra Amanda que tentou usurpar o lugar da outra Soraia, a desejada, e que também não tem vínculo de sobrenome com o Jorge. Que confusão.

Falsidade ideológica. Usa-se o nome fantasia de uma pessoa inteligente que já foi aprovada pelo diretor. Depois, o inteligente comete um erro e é expulso da escola. Em seguida matricula-se com o mesmo nome um imbecil e o promove. Só nos resta saber, quem são os impostores... Ahá. Entendi o enigma. DO maior e DO menor são escalas homônimas. De modos diferentes =Naturezas diferentes, armaduras de claves diferentes. Ou seja, mocinhas e piranhas. Inteligentes e imbecilóides. No aspecto moral e intelectual.


                                                                            11


ENQUANTO EU MALHAVA NA ÁREA de convivência da república onde moro, o celular tocou, eu atendi e tive que deixar as vizinhas decepcionadas por me verem correndo para o banho e depois sair com roupas que ás impedia de ver meus bíceps o todo o corpo sarado. Reclamaram por ingratidão, por que todos os finais de semana bem cedo, elas me assistem me exercitando. Débora me dá beijinhos no rosto quase todas as vezes que me encontra. Só ela é maior de idade, mas eu gosto tanto dela como amiga, que não tenho coragem de dar uns arrochos nela. A Rayane quase me enforcou ao pular em minhas costas e abarcar meu pescoço. As outras duas, passam a maior parte do tempo estudando português.

     Eu não vejo a hora de pegar a estrada e voltar para a fazenda. Sempre que eu penso em ir lá, eu me recordo das nossas brincadeiras. Foi á época que eu mais me divertida. O meu pai ensinou á mim, aos meus primos e prima e aos filhos e filhas dos nossos agregados, uma brincadeira chamada de Cavalo de Tróia. Funciona assim: A gente reúne um grupo de rapazes e garotas num lugar bacana, no nosso caso, era próximo ao coreto de madeira de uma pracinha que fizemos numa área plana de nossas terras. A gente só brincava em noites de lua cheia por causa da beleza e do clarão da lua. Aí, sentados na grama, todos os homens escreviam num bilhete o nome do presente que ele daria á uma garota do grupo. Os bilhetes eram colocados dentro de um saquinho de pano. Aí, uma garota se levantava e dizia: - Cavalo de Tróia. Essa seria a primeira á ganhar o presente grego. Bom, o presente era um objeto de uso da pessoa. Podia ser uma nota de dinheiro, um relógio, um celular, ou qualquer coisa que ele estivesse usando naquele momento. Então agarota pegava um bilhete de um dos rapazes que ela não sabia quem era. Aí, no bilhete estava escrito qual seria o presente, mas ela não sabia qual dos rapazes estava oferecendo, e, ela tinha o direito de aceitar ou não. Digamos que no bilhete estava escrito que ela receberia um celular, então ela dizia: O grego me oferece um celular de presente. Eu aceito. Aí, o rapaz descobria que o grego era ele. Então, ele se levantava e entregava á Troiana o celular e dizia “Cavalo de Tróia”, eu quero um abraço, um aperto de mão ou qualquer outra prenda, sendo que o melhor sempre era um beijo na boca.

O legal é que o grego não sabe quem é a garota, antes de ela se revelar dizendo que ela é à troiana. Os rapazes só descobrem quem é o grego, no momento que a troiana diz qual é o presente que ela vai ganhar. Ela não sabe quem o dará, porque no bilhete só está escrito o nome do presente, sem o nome do grego. Mas, o grego e a troiana que se beijaram na boca, tem que sair da brincadeira, pra ninguém mais do grupo ter que beijar ele ou ela. Aí, se os dois quisessem continuar se beijando, que fosse fora da brincadeira.

O meu primo Rick, levou essa brincadeira para a faculdade onde ele estudava na cidade, dias depois, a nossa fazenda ficava parecendo um campus universitário cheio de gente brincando de cavalo de troia nas noites de lua cheia. Nessa brincadeira, rolou até namoro sério entregregos e troianas. Eu vou fazer essa brincadeira na escola, e darei um jeito de trapacear e descobrir que a anjinha pura e bela será a troiana. Aí, eu ofereço um anel de brilhante a ela, e a pedirei em casamento como prenda. A minha memória está melhorando á cada dia e a esperteza só aumentando. Ôh beleza!

Dirigi rápido até á escola, porque quem me ligou foi a Amanda dizendo para eu estar lá antes das nove. Meu celular tocou por mais duas vezes enquanto eu dirigia. Não o atendi por estar dirigindo, mas eu imaginei que a urgência dela em me ver tinha á ver com algo relacionado á mim, ela, ao Marcos e a Cínthia. Estacionei rente ao meio fio da calçada da escola. Vi os três conversando. Marcos gesticulava muito e dava tapas no teto do seu Golf.

 -O que está acontecendo? –perguntei, sendo puxado por Amanda. Ela está apavorada. Cínthia parecia histérica. Marcos nervoso.  -O que foi pessoal?

 -Ráusen, o diretor Osmar foi afastado da diretoria. –disse Amanda.

 -E ele está detido na delegacia. –Cínthia completou.

 -Alguém armou contra ele e deve ser alguém daqui da escola. –disse Marcos.

-Se ele foi indiciado e detido foi por que alguém o acusou. -falei pondo as mãos sobre o teto do automóvel do meu amigo e fiquei á imaginar sobre quem teria sido o responsável por aquela injúria contra o diretor.

-Ráusen... O diretor é um homem honesto.

-Eu também concordo, Amanda, mas eu quis dizer que ele foi injuriado por alguém.

-O Marcos acha que alguém armou contra ele, e o Ráusen acha que foi esse alguém que o delatou mesmo sem ter provas. –Cínthia captou o nosso raciocínio.

-Merda, merda. –Marcos chutou o pneu. - o que vamos fazer? –perguntou quase afundando o capô com um soco.

-Pessoal, é o seguinte, para que a polícia prenda ou tenha alguém sobre custódia á partir de uma denúncia, é necessário que o denunciador seja fichado como testemunha ocular e, isso quer dizer que denúncias anônimas não valem. –os pus á par da legalidade.

-Então nós podemos ir á corregedoria da polícia civil e exigir que eles nos deem o nome de quem o denunciou.

-Amanda, será mais fácil irmos até a delegacia. –propus.

-Você poderia ir lá, afinal, você tem boa referência.

Antes de responder que eu iria, pedi para se manterem calmos.

-Quando foi que o diretor foi detido? –perguntei á qualquer um.

-Hoje, antes das sete. –Marcos respondeu.

-Então ele ainda está sendo interrogado. Temos tempos para fazermos umas visitas á algumas pessoas. –garanti. –Vamos encontrar o Alfredo. Eu acho...

-Cínthia e eu já fomos ao hospital. 

-A Amanda foi sozinha ao hospital... eu a esperei no prédio onde o Alfredo morava. –Cínthia ratificou. Ela demonstrou ter sido levada á confirmar uma visita não ocorrida até àquela hora. 

-O Alfredo não está mais no hospital e nem no apartamento dele. O Roberto irmão dele também sumiu. –Amanda argumentou.

-Alfredo nunca esteve em hospital nenhum, se quer saber á verdade.

Quando Cínthia falou, Amanda tentou detê-la. Era uma vez, um segredo de estado. O nosso homem chave desapareceu. Isso é muito estranho. Ele nunca esteve internado. Mais estranho ainda.

-Vamos atrás da Soraia. –falei indo ao meu carro.

-Apenas nós dois ou as duas também vão? –Marcos quis saber.

-Qual de vocês duas sabe dirigir? –Interroguei.

-Nós duas. –respondeu Cínthia.

-Então tire par ou ímpar e entrem no Golf do Marcos. Eu e ele iremos com o meu. -enquanto eu falava, Marcos já estava abrindo à porta do meu GT. A chave do carro dele estava na ignição e, Cinthia foi quem o dirigiu.

-E esse negócio de o Alfredo não ser encontrado no hospital? 

-Esquece. A nossa missão é a Soraia. Eu não tenho intimidade com ela. –falei manobrando pra sair. –Você sabe onde ela possa estar á essa hora.

-Vire na próxima á direita.

-Qual é a dela?

-A Amanda, o jornalzinho da escola. Ela sempre sabe tudo sobre todos. Ela me falou que ela é a famosa topa tudo. Você conhece aquele Nerd que só namora virtualmente?

-O Bambi do Celta amarelo que nem frequenta mais á escola? Eu tô doido pra saber dessa história, porque eu conversei com ele na praça e penso que ele foi injustiçado. Inclusive, ele foi o colega que me disse as coisas mais interessantes em relação á certos alunos e alunas.

-Eu também acho que ele foi muito bem pago para fazer a merda que ele fez. Isso significa ser injustiçado?

-Apresente-me a sua versão contra o Peter Parker. –falei.

-O Murilo me contou que a Amanda contou á ele que a Soraia transou com ele só por ele tê-la transformado em Alice no país das maravilhas usando o photo scape. Depois a chantageou ameaçando postar a imagem dos dois fazendo sexo, nas redes sociais. 

Rimos um pouco da velhaquice do Nerd aracnideo. Enquanto eu esperava o sinal abrir, Marcos mostrou-me uma locadora de DVD á direita da pista.

-Caralho, de bobo ele só tem a voz do Peter Parker. E ela, cedeu?

-Não. Pelo jeito ela não gostou da pegada dele. No outro dia ele foi suspenso da escola.

 -Não dá pra imaginar que essa tal Soraia seja assim tão piranha. –falei.

 -Qual delas?

 -A anjo meu não se chama Soraia. O ruivito me pôs á par das falsidades ideológicas que rolam na escola.


Estacionei o carro e o esperei ir até a loja. Fiquei dedilhando o volante e observando o movimento na avenida. Entre as pessoas e carros que passavam, eu não via ninguém que me despertasse a atenção. Ao ver uma Blazer preta, pensei que fosse o vice-diretor que á dirigia, mas logo me veio á memória que ele havia seguido em direção oposta. Não devia ser ele.

-Perdemos viagem. –disse Marcos ao voltar da locadora. –Vamos até á casa dela. –falou pondo o cinto.

-Não á encontrou?

-A funcionária disse que ela acabou de sair com um homem alto, de cabelos claros e de meia idade.

Saímos novamente.

-Ela trabalha aí? 

-A Amanda disse que ela trabalha no período da tarde, mas quando eu ia para escola, eu a vi chegando à locadora, e não faz nem quarenta minutos.

-É normal alguém escolher um filme em menos de quarenta minutos. –comentei.

No sinal de pare no cruzamento, me detive olhando a Blazer novamente, cruzando a avenida.

Alto.  Cabelos claros e de meia idade. Acelerei e dobrei á esquerda.

-Oh, oh... que pressa é essa? -a cabeça dele quase acertou o painel do carro. Não esperava a minha manobra repentina.

-Eu acho que quem á levou foi o Osvaldo, eles estão á nossa frente. Vou segui-los.

-Pisa fundo. –ordenou-me, batendo no painel.

Eu não pude seguir o mandado de Marcos porque as ruas estavam bem movimentadas de carros e pedestres e a distância entre nós e eles dois não era muito grande, por isso dirigi apenas de modo á não perdê-los de vista.

-Qual á relação entre Soraia e o vice-diretor? –perguntei.

-Os dois devem estar transando. 

-Á essa hora da manhã? –com apenas a mão esquerda no volante, perguntei. Adireita eu usei para empurrar Marcos pelo ombro, fazendo-o se ligar.

-Saquei. –disse ele. -A Amanda disse que ela faz qualquer coisa por qualquer coisa. Então o que ela quer em troca por transar com um cara que tem idade para ser o pai dela? - ficou estalando os dedos, indicando que estava tentando se lembrar de algo. -A Amanda falou que no início do ano, o vice-diretor quis realizar o concurso garota nota 10, mas o conselho da escola não achou que seria viável e vetou a ideia dele.

-E isso te diz alguma coisa? Garota nota dez. Soraia, a que  faz tudo para se dar bem... -enquanto ele pensava, eu prestava atenção a Blazer dobrando a esquina.

-É isso. –gritou e quase afundou o assoalho. –Se o diretor Osmar está fora do comando, quem assume é o vice...

-E assim sendo, o Osvaldo pode revogar o veto ao concurso. –falei e estacionei.

-Por que você parou? Eles estão distanciando. –reclamou apontando com as duas mãos.

-Não precisamos mais segui-los porque já sabemos que ele e Soraia estão mancomunados.

-Disso nós já sabemos, mas e o nosso diretor? -fez cara de quem estava ficando impaciente com a minha tranquilidade. 

-Marcos. –falei, virando-me para ele.

-Fala. –grunhiu emburrado.

-Nós devemos deixar que o diretor fique fora da diretoria por alguns dias, para sabermos qual vai ser a atitude do Osvaldo ao assumir o cargo...

-Mas ele vai ficar preso feito um criminoso, e nós sabemos que ele não é.

-Ele tem formação superior. Talvez ele nem fique preso, e se ficar será em cela especial. Enquanto isso nós desvendaremos a misteriosa quase morte do Alfredo e o desaparecimento do Roberto.

-Tá certo. Eu vou ligar para a Cinthia e para... 

-Não conte nada a elas sobre o que nós descobrimos. Vamos falar com o Alfredo. A Amanda diz que ele está bem protegido, outra hora ela diz que ele está no hospital. Está muito estranho.

                 






Próxima postagem na cor Amarela

Este blog não salva postagem de um livro completo de uma só vez.




0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial